Especial: 10 anos depois da PEC, domésticas têm reconhecimento mas novos desafios se apresentam — Rádio Senado
Trabalho

Especial: 10 anos depois da PEC, domésticas têm reconhecimento mas novos desafios se apresentam

Em 02 de abril de 2013, a Constituição Federal foi alterada para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. No aniversário de 10 anos da legislação, entidades de classe destacam que um passo pelo reconhecimento de direitos foi dado, mas que novos desafios se apresentam, como a efetiva assinatura das carteiras de trabalho e a penalização dos empregadores que não cumprem com as obrigações prevista em lei.

30/03/2023, 08h52 - ATUALIZADO EM 30/03/2023, 16h32
Duração de áudio: 06:52
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Transcrição
A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO QUE GARANTIU UMA SÉRIE DE DIREITOS AOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS COMPLETA DEZ ANOS NO DIA DOIS DE ABRIL. DADOS RECENTES MOSTRAM QUE HOUVE UMA REDUÇÃO DO NÚMERO DE TRABALHADORAS COM CARTEIRA ASSINADA, MAS NÃO A DEMISSÃO EM MASSA COMO DEFENDIAM OS CRÍTICOS DA PROPOSTA HÁ ÉPOCA DA SUA APROVAÇÃO. MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO, AUMENTO DA FISCALIZAÇÃO DOS EMPREGADORES ILEGAIS E QUEDA DA INFORMALIDADE CONTINUAM SENDO OS MAIORES DESAFIOS DA CATEGORIA. A REPORTAGEM ESPECIAL É DE LUIZ FELIPE LIAZIBRA: Assim como a liberdade tem um preço, assim como a democracia tem um preço, a igualdade também tem o seu preço. O Brasil está assumindo que a igualdade é a regra. E regra tem que começar dentro de casa. Esse foi o senador Renan Calheiros, na época presidente do Congresso Nacional, falando sobre a promulgação da PEC das Domésticas, que completa agora, em abril, 10 anos de vigência.  Enquanto os trabalhadores do comércio e da indústria tiveram seus direitos consolidados em 1943, as empregadas domésticas esperaram 70 anos para verem seus direitos plenamente reconhecidos e igualados. Até a promulgação da PEC das Domésticas houve inúmeras mobilizações da categoria para que o poder público garantisse mais dignidade e melhores condições de trabalho, inclusive na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, como lembra a deputada Benedita da Silva, do PT do Rio de Janeiro, relatora da PEC na Câmara:  "Desde a Constituinte, que viram a luta dessas mulheres. Me lembro da nossa companheira Lenira, em Pernambuco, que nesta Casa encheu as galerias, que passaram noites mal dormidas aqui nesta casa para fazer valer o direito das trabalhadoras domésticas." Da promulgação da Constituição até a Emenda Constitucional 72 passaram-se 25 anos. Se antes as trabalhadoras domésticas tinham apenas parte dos direitos trabalhistas, foi em razão da PEC que elas conseguiram garantir o limite de carga horária semanal, adicional noturno, remuneração por hora extra, recolhimento do FGTS, proteção contra demissão sem justa causa, reconhecimento de acordos coletivos de trabalho e outras conquitas, que foram regulamentadas em 2015.  A ex-senadora e agora deputada federal Lídice da Mata, do PSB da Bahia, relatora da PEC no Senado, destacou o que a medida representa para a categoria: "É extremamente importante demarcar a PEC das domésticas como um grande momento de luta do Congresso Nacional, da Câmara e do Senado, para garantir a esse segmento dos trabalhadores, especialmente das trabalhadores brasileiras, de ter todos os direitos que os outro trabalhadores têm." Durante esses 10 anos de vigência da emenda constitucional, a informalidade ainda é o principal fator que impede a universalização dos direitos. Segundo dados da PNAD, pesquisa que é feita pelo IBGE, 76% das profissionais não têm carteira assinada, ou seja, 3 em cada 4 profissionais exercem as atividades domésticas sem ter acesso à proteção social e aos demais direitos trabalhistas que foram alcançados pela PEC. Para Mário Avelino, presidente da ONG Doméstica Legal, a crise econômica e a pandemia são as grandes responsáveis pelo agravamento do quadro de desproteção, não os direitos conquistados pelas domésticas ao longo da última década: "O aumento da informalidade no emprego doméstico brasileiro foi causada pela crise econômica principalmente nos anos 2017 a 2019 e mais ainda pela pandemia da covid-2019. Que durou o ano inteiro, 2020, 2021,e só em 2020, 1 milhão e meio de postos de trabalho doméstico formais e informais foram perdidos." As mulheres são a maioria da categoria, ocupando 92% das vagas de trabalho doméstico no Brasil. Além disso, 65% das empregadas são negras. Os dados da PNAD mostram que as trabalhadoras sem carteira assinada ganham 40% a menos do que as com carteira, sendo a situação das mulheres negras pior também nesse quesito. Com a queda do seu rendimento mensal, Cleonice do Nascimento Oliveira, de 58 anos, viu essa realidade de perto. Para ela, é mais vantajoso ter a carteira assinada e ser mensalista do que depender das diárias, que nem sempre são certas: "Tenho mais ou menos quarenta anos que trabalho aqui como diarista e doméstica. Trabalho pra todo mundo. Sou pioneira como diarista e doméstica. Eu prefiro ser mensalista. Diarista a gente não tem nenhuma vantagem, só o dia de serviço ganho, a gente recebe aquele dinheirinho e a mensalista a gente ganha passagem, ganha alguns benefícios. É melhor ser mensalista." Mesmo com a PEC, as domésticas continuam na luta para que o registro da carteira seja efetivo e alguns dispositivos da lei sejam revisados. Um deles trata do processo de demissão das trabalhadoras domésticas. Atualmente, a doméstica só tem direito a três parcelas do seguro desemprego, enquanto as outras categorias têm cinco. Outro ponto que não está pacificado com as entidades de classe é a questão do afastamento pelo INSS por motivo de doença ou acidente. Pela legislação, não está claro quando a Previdência Social deve assumir os pagamentos.  A coordenadora-geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Luiza Batista Pereira, afirma que a aprovação da PEC foi um passo importante, mas cobrou a penalização dos empregadores ilegais: "A PEC não resolveu todos os problemas porque a lei existe, mas ainda existe aquela cultura escravagista dos empregadores que não assinam e não não sofrem nenhuma penalidade por isso. Porque se houvesse uma penalidade mais severa - tem que assinar, tem que pagar todos os encargos que deixou de pagar durante o período do contrato de trabalho que não foi formalizado - eu acredito que muitos empregadores que deixam de cumprir a lei pensaria duas vezes, né." Mesmo com a redução do número de trabalhadoras com carteira assinada, a demissão em massa não aconteceu como argumentavam alguns críticos da PEC na época da discussão da matéria pelo Congresso Nacional. Dessa forma, com 10 anos de legislação, o desafio que se apresenta para os próximos anos, é a concretização e a universalização dos direitos trabalhistas para essa categoria, muitas vezes desrespeitada e vítima de preconceitos de classe e racial.  Sob a supervisão de Maurício de Santi, da Rádio Senado, Luiz Felipe Liazibra.

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