21 de abril de 2022: 230 anos da execução de Tiradentes
Um movimento ocorrido no final do século XVIII em Minas Gerais é um dos marcos pela luta do desligamento do então Brasil-Colônia da metrópole portuguesa. A Inconfidência Mineira acabou não ocorrendo pela delação de um de seus participantes e um dos líderes do movimento, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi condenado ao enforcamento. A pena capital foi executada em 21 de abril de 1792. O movimento e a luta de Tiradentes inspiraram diversas obras de arte desde então.
Transcrição
EM 21 DE ABRIL DE 1792, TIRADENTES FOI ENFORCADO ACUSADO DE LIDERAR UM MOVIMENTO DE INDEPENDÊNCIA DE PARTE DO BRASIL.
C,ONHEÇA UM POUCO DESSA HISTÓRIA NA REPORTAGEM DE RODRIGO RESENDE.
A escola de samba Império Serrano foi fundada em 1947 e em 1948 já havia conquistado o seu primeiro título. E em1949, a expectativa era grande pelo bi, que veio com um samba de Mano Décio da Viola, Estanisláu Silva e Penteado em homenagem a um dos líderes da Inconfidência Mineira: Exaltação a Tiradentes.
A história já foi contada de diversas formas. Minas Gerais era a província mais próspera do século XVIII em função da exploração do ouro. É o que nos conta o professor de História da Universidade de Brasília, Antônio Barbosa.
Barbosa 1: Agora no final do século XVIII a crise começa a se instalar na região exatamente porque há um declínio da mineração. Com esse declínio Minas não consegue mandar as cotas estipuladas por Lisboa, as cotas de ouro, as cotas anuais de ouro e por isso de tempos em tempos é decretado a chamada derrama que é a cobrança desse “atrasado” digamos assim. É nesse contexto que vai surgir o movimento da conjuração mineira que os donos do poder da época vão chamar de inconfidência.
A Conjuração ou Inconfidência tinha como um de seus líderes o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Nascido na fazenda do Pombal, na época parte da cidade de São João del-Rei, Joaquim não era exatamente um representante das classes populares, como nos explica Barbosa.
Barbosa 2: Era o que nós poderíamos chamar hoje de classe média. Ele não pertencia as elites de Minas Gerais mas também não era um zé ninguém. Ele era militar e nessa condição de militar ele ficou conhecido e conheceu muito bem o trajeto a partir de Ouro Preto até o grande porto exportador que era o Rio de Janeiro a capital da colônia. Basicamente é isso. (SOBE SOM) Era um sujeito entusiasmado com a possibilidade da independência na sua região Minas Gerais. Portanto ele vai se transforma no grande propagandista do movimento, algo que inclusive incomodava e incomodava profundamente aos membros da conjuração que pertenciam aos altos escalões sociais da província de Minas Gerais.
A cobrança de impostos pressionava os mineiros ainda que a mineração aurífera já não rendesse tanto. Atrás de portas fechadas, como nos conta Cecília Meireles em poemas do Cancioneiro da Inconfidência, uma organização buscava mudar aquela situação (Interpretação: Janaína):
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados,
antes que tal verso escrevam...
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus - pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
Tiradentes era talvez o mais entusiasmado com a ideia da “liberdade”. Em 1972, 180 anos após a condenação do alferes, os cineastas Joaquim Pedro de Andrade e Eduardo Escorel contaram essa história nas telonas com o filme “Os inconfidentes”. José Wilker interpretou Tiradentes.
Tiradentes 1 – Os filhos dessa terra são tão estúpidos e eles próprios carregam o peso do que lhes roubam. O que é nosso vão levando. E o povo sempre pobre. Tão estúpidos. Não lembram de expulsar esses governadores que de três em três anos vem aqui com suas famílias se enchem de ouro e voltam para Portugal. é pobre não deve sonhar. Se sonho de pobre é crime quanto mais qualquer palavra. Se levas dinheiro ao Visconde não sejas tolo, quando eu voltar não teremos que dar mais nada a ninguém, eu vou ao Rio trabalhar para nós.
Entre diversos pontos importantes do filme que retrata o processo da Inconfidência, um se destaca. O encontro de Tiradentes, José Wilker, com Joaquim Silvério dos Reis, o delator do movimento, interpretado por Wilson Grey. Com a delação, a cobrança dos impostos foi cancelada e o movimento nem chegou a acontecer.
Tiradentes e Silvério 2 – Silvério eu podia ter te matado. “Foi teu escravo que me abriu a porta”. E onde é que ele está? “Foi dormir. Está bom”. Então a canoa deve estar pronta. “Para que precisa de uma canoa?”. Para passar o rio. Eu vou fugir Silvério. Dia e noite ainda agora dois homens estão me seguindo. Alguém nos traiu Silvério “Talvez seja a impressão tua”. Tenho certeza? Amanhã vou pra um lugar afastado. E parto com eles da espada. “Estás louco homem? Aí é que eles nos pegam. Escuta, não deves fugir. Eu soube que o Visconde desconfia de alguma coisa. E foi isso que eu vim te avisar. Mas não deve fugir porque isso confirmaria a suspeita. Ao contrário. Tens que falar com o vice-rei e ver se ele sabe de alguma coisa. Em Minas há novidades”. Eu não quero mais nada com minha. Eu não quero saber de nada que vem de lá.
A obra mostra ainda como Tiradentes foi até certo ponto abandonado pelos demais, após a prisão de vários dos inconfidentes. É o caso do personagem inconfidente interpretado por Nelson Dantas.
Padre 3 – Já me contaram que um alferes chamado por alcunha, o Tiradentes andava convocando gente para um levante. Eu disse que descem naquele garoto com um chicote porque ele não passava de um bêbado que andava prometendo prêmios em casas de meretrizes para quando se fizesse uma República no Brasil.
Tiradentes foi o único condenado à morte. A sentença é apresentada aqui pela atriz Margarida Rey, que interpreta a Rainha de Portugal Dona Maria no filme de 1972.
Rainha 4 – Que seja conduzido pelas ruas ao lugar da forca. E que nela morra a morte natural para sempre. E que depois de morto lhe seja cortada a cabeça. E levado ao lugar mais público para ser pregado no poste mais alto e seu corpo será dividido em quartos que ficarão expostos pelo caminho das minas até que o tempo os consuma.
Durante o restante de período colonial, encerrado com a independência em 1822, e o Brasil-Império, até 1889, a figura de Tiradentes praticamente desapareceu. Mas ela volta com força com a proclamação da República, como nos explica o professor Antônio Barbosa.
Barbosa 4: E para os responsáveis pela república era fundamental encontrar um símbolo de alguém que pudesse ser visto como mártir da causa da independência. E aí se redescobre Tiradentes que passou praticamente todo o século dezenove no limbo. Afinal de contas quem determinou a sua morte foi a mãe de Dom Pedro I. A avó de Dom Pedro segundo. Então para o império brasileiro não havia o menor interesse em revolver esse terreno no qual emerge a figura de Tiradentes.
Foi redescoberta e transformada, não é professor?
Barbosa 5: E ele vai não apenas simbolizar esse novo tempo como vai ter a sua fisionomia produzida, fabricada aos moldes da fisionomia clássica que se supõe seja a de Jesus Cristo. Até nisso a imagem do mártir pela independência, o protomártir da Libertação do Brasil, da dominação portuguesa vai ser aproveitado simbolicamente pelo regime republicano.
Em 21 de abril de 2022, se completam 230 anos da execução de Joaquim José da Silva Xavier. Enforcado no Rio de Janeiro, Tiradentes ainda habita o imaginário histórico do país. E inspira obras como o poema “Com Muita Honra” de Carlos Drummond de Andrade, escrito em 1972.
Interpretação Pedro
“Com muita honra”
Solta a linguagem
dos insubmissos, a arenga
dos desatinados
e até nas fábulas
que vai urdindo,
a louca palavra
dos verdadeiros.
Aluado
de jogar pedra,
de ser pateado
na Casa da Ópera,
de morrer na forca
morte infamante,
despedaçar-se
distribuir-se
pelos caminhos
e consciências
viver na glória.
Tiradentes foi o primeiro brasileiro a ter o nome inserido no livro de heróis da Pátria. A música Exaltação a Tiradentes, do Império Serrano, foi regravada inúmeras vezes por artistas da MPB. Começamos esta reportagem ouvindo a versão cantada pelo próprio autor, Mano Décio da Viola. Vamos encerrar ouvindo a interpretação de Elza Soares.
Da Rádio Senado, Rodrigo Resende.