Especialistas defendem integração, vacinas e tecnologia no combate à dengue

Da Agência Senado | 06/03/2024, 21h35

A integração de conhecimento, o desenvolvimento de inovações e o uso de novas tecnologias, associados à produção de imunizantes no Brasil, são fundamentais para o combate à dengue no país, além da vacinação da população em tempo hábil e a adoção das medidas tradicionais de prevenção da doença.

A avaliação foi feita nesta quarta-feira (6), em audiência pública, na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT), que debateu as estratégias de combate efetivo da dengue no Brasil. O debate na comissão, presidida pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG), é realizado no momento em que o país enfrenta uma epidemia de dengue.

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Em 2024, o Brasil passa pela maior epidemia da doença, considerando somente os dois primeiros meses deste ano. Dados mais recentes do Ministério da Saúde indicam que oito estados brasileiros e o Distrito Federal concentram 91% de 1.253.000 casos de dengue notificados até 5 de março. Já são 299 mortes por dengue e 765 óbitos em investigação, magnitude de transmissão acima daquela verificada em 2023.

De 2013 a 2022, 52% dos casos notificados no Brasil ocorreram em municípios de grande porte. O Ministério da Saúde reconhece o problema de saúde pública e observa que, quanto maior a população sob risco, maior vai ser a concentração. O país tem 326 municípios acima de 100 mil habitantes e 177 deles têm transmissão persistente, o que representa 48% dos casos na série histórica e 93% dos casos prováveis em municípios acima de 100 mil habitantes. Esse foi um dos critérios utilizados pelo governo para definir as áreas de implementação da vacina contra a dengue.

Situação de emergência

Para o senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), que propôs a realização da audiência pública (REQ 1/2024 - CCT), a ocorrência da dengue é verificada há muitos anos, “e já está mais do que na hora de aplicar conhecimento e tecnologia para isso ser mitigado”.

— Está na hora da gente fazer alguma coisa efetiva. Vemos uma situação de emergência. Tivemos no ano passado os primeiros indícios disso, inclusive com a existência de vacina japonesa aprovada pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] em março. É um problema que precisa ser cuidado. O Brasil tem essa tendência de trabalhar mais na correção do que na prevenção. A gente precisa reverter esse quadro, e isso acontece em muitas áreas, não só na saúde, como nos desastres naturais, deslizamentos de terra e enchentes. Isso deve ser tema de um trabalho muito intenso de prevenção — afirmou.

Problema global

Coordenadora-geral de Vigilância de Arboviroses do Ministério da Saúde, Lívia Carla Vinhal Frutuoso destacou que a dengue é o maior problema de saúde pública atual, presente em mais de 100 países. Metade da população mundial vive em áreas de risco, cerca de 100 a 400 milhões de infecções são estimadas a cada ano pela doença. Nos últimos tempos, aumentou dez vezes o número de casos notificados, passando de 500 para 5,2 milhões, com expansão das áreas da detecção da doença, inclusive em países da Europa.

— A gente percebe que é uma doença amplamente dispersa em todos os continentes do mundo. A gente tem detecção de dengue desde 1986. A partir de 2010, os casos passam a ser contados aos milhões e os intervalos entre essas epidemias são cada vez mais curtos. A nossa maior epidemia, somando as três arboviroses principais [dengue, zika e chikungunya], aconteceu em 2016, quando a gente passou a detectar o zyka no Brasil, logo depois também da introdução do chikungunya aqui nas Américas e também no nosso país, em 2014 — lembrou.

Mosquito “aliado”

Pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Luciano Andrade Moreira defendeu a importância de programa de combate hoje presente em 14 países, como Indonésia, Austrália, Vietnã e Colômbia, e no Brasil conduzido desde 2012 pela Fiocruz. O método — que envolve a liberação de mosquito aedes aegypti infectado com a bactéria wolbachia, para controle de dengue, zyka e chikungunya — consiste na liberação de wolbitos (aedes aegypti com wolbachia) para que se reproduzam com os aedes aegyptis locais e seja estabelecida uma nova população desses insetos, todos com wolbachia.

Até 2023, o programa contemplou 3,2 milhões de pessoas no Brasil em cinco municípios, onde diminuiu a ocorrência de arboviroses. Dados de 2021 mostram redução de 69% nos casos de dengue, 60% nos casos de chikungunya e 37% nos casos de zyca em Niterói (RJ), 38% a menos de casos de dengue no Rio de Janeiro. O programa também é adotado em Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS) e Petrolina (PE).

— A wolbachia foi inserida nos ovos do aedes aegypti. Ela bloqueia arbovírus como a dengue, zyka e chikungunya. A wolbachia foi retirada da drosófila, que é a mosca da fruta, e introduzida nos ovos do aedes aegypti. É importante ressaltar que não houve nenhum processo de modificação genética nem no mosquito nem na bactéria nesse processo. A partir de então você tem uma linhagem de mosquitos aedes aegypti contendo a wolbachia e com isso a gente só faz a propagação em larga escala para utilização — explicou.

Produção de vacinas

Algumas iniciativas que podem contribuir para o combate a dengue, como o Brasil Biotec, Cabbi, Remonar e Rede Vírus, entre outros, foram citadas pelo coordenador-geral de Ciências da Saúde, Biotecnológicas e Agrárias do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Thiago de Mello Moraes. Ele defendeu programas de integração regional de cooperação e o desenvolvimento de uma frente múltipla para desenvolvimento de uma nova vacina contra a dengue usando vetores virais ou tecnologia de RNA, feita a partir de um componente sintético que corresponde a uma determinada proteína do agente infeccioso.

— Foi feita uma pareceria entre o MCTI e a UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] para a criação do Centro Nacional de Vacinas, que é um grande problema. Acho que seria o maior desafio do MCTI no momento, que é promover o amadurecimento tecnológico dos projetos. É claro que a gente tem uma série de projetos de desenvolvimento de vacinas. É claro que a gente já tem vacina comercial disponível, o [Instituto] Butantan está finalizando a sua, que em breve deve estar no mercado também, mas a gente não pode abdicar do desenvolvimento — ponderou.

Aedes do bem

A diretora-geral da Oxitec do Brasil, Natalia Verza Ferreira, reforçou que a ciência está contribuindo não só com a inovação, mas com a formação de pessoas. Ela defendeu o “aedes do bem”, um tipo de solução biológica de combate à dengue que não se confunde com a a wolbachia, conforme explicou.

O “aedes do bem” é um produto considerado larvicida, que reúne mosquitos capazes de limitar a reprodução da própria espécie, diminuindo o número de fêmeas, que picam e são as verdadeiras transmissoras de doenças.

— A wolbachia atua no controle da doença, e o aedes do bem atua no controle do mosquito. São tecnologias parecidas, complementares, que podem ser usadas concomitantemente. Não existe uma bala de prata, é um problema complexo e a gente precisa de todas as inovações, todas as ferramentas que a gente puder ter — esclareceu.

Vacina experimental

De acordo com o diretor médico do Instituto Butantan, José Alfredo de Souza Moreira, a dengue é um problema de saúde pública que ultrapassa fronteiras. Ele ressaltou que vacina experimental vem sendo desenvolvida há mais de dez anos com base nos quatro sorotipos da doença, apresentando resultados primários de eficácia e segurança com aproximadamente 80% de proteção para todas as formas gerais de dengue sintomática.

— Esta vacina funciona tanto na população que já tinha sido exposta e tanto na que não tinha sido exposta à doença antes de entrar em nosso ensaio clínico. A vacina funciona independentemente da faixa etária, em crianças, adolescentes e adultos. O Butantã teve esse apoio de instituições públicas estaduais e federais para produzir esse estudo — contou.

“Tecnologias ultrapassadas”

O professor UFMG Álvaro Eduardo Eiras, que produz trabalhos sobre a dengue há quase 30 anos e desenvolve métodos para combater a sua propagação, ressaltou que o Brasil utiliza tecnologias “totalmente ultrapassadas” no controle da doença, justamente por não acompanhar a população dos mosquitos ao longo do ano. Ele defendeu a utilização de armadilhas e o uso de drones para detecção de criadouros considerados críticos, os quais superam os focos localizados no interior das residências.

Também professora, Margareth de Lara Capurro Guimarães, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), acredita que são necessárias novas estratégias para bloqueio de transmissão de mosquitos. Ela ressaltou, porém, que a realidade de muitas moradias e regiões, apesar de todas as recomendações repassadas por agentes comunitários de saúde, mantém as condições adequadas para o surgimento de criadouros dos mosquitos, a exemplo de lixões, cisternas destampadas, água empoçada e carros abandonados.

Diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Américo Pacheco destacou que a instituição tem financiado estudos sobre virologia e arbovírus ao longo dos últimos 30 anos, e mais recentemente vem financiando startups para oferecer soluções sobre o tema, especialmente sobre a dengue. Ele defendeu abordagens integradas e soluções complementares entre diversas áreas de pesquisas para dar continuidade ao combate a doença.  

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)