Fator medo pode adiar retomada do setor de serviços, diz presidente do BC

Da Redação | 01/06/2020, 14h05

O medo de uma segunda onda de contágio pelo coronavírus pode retardar a retomada do setor de serviços até meados de 2021. A estimativa é do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que participou nesta segunda-feira (1) de uma audiência pública remota da comissão mista que acompanha as medidas adotadas pelo governo federal no enfrentamento da pandemia.

Segundo ele, o tráfego de pessoas na rua no horário de pico em países como Suécia, China, Estados Unidos, Espanha e Itália permanece abaixo da média de 2019. Isso, de acordo com Roberto Campos Neto, indica que o “fator medo” pode comprometer a retomada no setor terciário, que engloba atividades como turismo, bancos, restaurantes e corretagem de imóveis, por exemplo.

— Independentemente do lugar, a gente não conseguiu voltar ao nível de fluxo que tinha em 2019. A mensagem que fica é a seguinte: tem um elemento de fator medo na população que, mesmo depois que a quarentena for encerrada ou diminuída, o fluxo de pessoas vai demorar a voltar. Esse fator medo existe hoje na população e vai ficar com a gente até que haja uma vacina facilmente disponível ou pelo menos, eu diria, até o meio do ano que vem. Isso é importante para entender que a volta em alguns setores de serviços vai ser mais lenta.

Dados preliminares do Banco Central apontam para uma queda superior a 50% nas vendas no varejo. Embora setores como metalurgia, alimentos e bebidas tenham demonstrado alguma recuperação, no setor de serviços a redução bateu os 80% e tem demorado a reagir.

— A parte de não duráveis caiu pouco e já está recuperando bem. Os serviços têm uma recuperação mais lenta. Essa parte de serviços ligada a diversão, participação em eventos e turismo, muito provavelmente vai voltar um pouco mais lenta.

Roberto Campos Neto registrou que a pandemia provocou uma expressiva saída de capitais de mercados emergentes. Foram cerca de US$ 90 bilhões retirados da economia, um choque superior ao causado pela crise econômica de 2008. O Brasil está entre os emergentes que experimentou um dos maiores fluxos de capitais, o que impactou o câmbio. De 20 moedas analisadas pelo Banco Central, o Real teve a maior desvalorização em 2020: -24,7%.

— A saída do Brasil foi maior do que média dos mercados emergentes. É uma mensagem de que a parte de financiamento externo não é uma variável que nós podemos contar no curto prazo. A gente teve uma queda muito grande em março. Foi uma das maiores quedas. O Brasil foi o país que mais sofreu com a desvalorização da moeda nos mercados emergentes, seguido de perto pela África do Sul.

O presidente do Banco Central detalhou ainda o estrago gerado pela pandemia em indicadores como desemprego, variação do produto interno bruto (PIB) e consumo das famílias. O saldo médio de empregos em março deste ano foi negativo em 221,4 mil postos de trabalho. Em abril, foram mais 936,2 mil demissões.

— A gente vê como sem precedentes uma queda deste tamanho. Se você olhar esse gráfico em vários países do mundo, vai ter essa mesma sensação. Uma queda muito forte e muito rápida de emprego.

O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) registrou uma queda de 5,9% em março. O dado, impactado pelo efeito financeiro gerado pela pandemia, é considerado como uma prévia do PIB para o período. Na comparação anual, o IBC-Br aponta uma queda de 1,52%. Embora o agronegócio registre crescimento de 0,6% no primeiro trimestre, indústria e serviços retraíram -1,4% e -1,6%, respectivamente.

— Uma queda muito grande em março. O IBC-Br inclusive foi abaixo daquele mês muito ruim com a greve dos caminhoneiros, quando a atividade econômica parou durante um tempo.

O efeito da pandemia também impacta o consumo das famílias. No primeiro trimestre, o indicador caiu 2%.

— Sob a ótica da demanda, o consumo das famílias caiu bastante, mesmo com impacto limitado. O que significa que o segundo trimestre deve ser bem pior do que primeiro. A partir do terceiro trimestre esperamos já uma recuperação.

Resposta fiscal

O presidente do Banco Central destacou que o Brasil é um dos países que mais está gastando dinheiro para combater os efeitos da pandemia. De acordo com Roberto Campos Neto, a resposta de política fiscal compromete 5% do PIB brasileiro. Entre os emergentes, o país está atrás apenas de Tailândia (9,6%), Peru (11%) e Chile (15,1%).

— A gente consegue ver que o Brasil fez um plano fiscal que, comparado com o mundo desenvolvido, é bem menor, mas comparado com o mundo emergente está como um dos maiores. Em 2020 a gente volta com uma despesa muito grande, mas que é necessária. É importante o Brasil nesse momento entender isso: esse gasto é necessário para fazer frente aos efeitos da crise. Mas a gente não pode perpetuar esse gasto, porque seria muito difícil manter um equilíbrio fiscal de pior a crescente com juros baixos.

Durante a audiência pública, o presidente do Banco Central rebateu o que classificou como “mitos” em críticas endereçadas ao governo federal. Ele disse, por exemplo, que o país não experimenta uma retração na oferta de crédito. Enquanto a variação do saldo das carteiras de crédito no Brasil subiu 10,3% no primeiro trimestre, países como Alemanha (3%), Franca (6,1%), Itália (-0,7%) e Espanha (-1%) apresentaram desempenho mais modesto.

— Um mito que eu gostaria de desmistificar é que o crédito está colapsando. Não é verdade. O credito não está colapsando no Brasil. O credito está crescendo. Crescendo bem mais que a média de mercado emergente e crescendo bem mais, para pessoa jurídica, do que em mercados desenvolvidos que fizeram medidas mais potentes. Outro mito é que o sistema privado não está atendendo e que a função de atender o crédito nesse momento seria de banco público. O privado foi muito maior que o publico, quase três vezes em termos de novas contratações.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)