Entrada do Brasil na OCDE provoca polêmica na CRE

Da Redação | 13/06/2019, 16h56

O economista e professor da Fundação Getulio Vagas (FGV) Paulo Nogueira Batista advertiu os integrantes da Comissão de Relações Exteriores (CRE) sobre a possível perda de autonomia que o Brasil terá para traçar políticas públicas caso o país ingresse na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por iniciativa do senador Jaques Wagner (PT-BA), a CRE debateu as negociações entre Brasil e Estados Unidos sobre a entrada do país na organização. Também participaram da audiência representantes dos ministérios da Economia, da Agricultura e das Relações Exteriores.

Para Paulo Nogueira, não seria conveniente para o Brasil ficar preso a estratégias de desenvolvimento características de países muito diferentes.

— A OCDE é um clube normativo, com normas que restringem severamente a aplicação de políticas de desenvolvimento que convêm a nós. E o governo Trump ainda condiciona nossa entrada a abrir mão do tratamento especial diferenciado [TED] na Organização Mundial do Comércio [OMC], o que será um pedágio muito pesado para o país. Então é absurdo. Estamos optando por uma estrada estreita e problemática que conduz ao precipício. O precipício é perder a soberania na definição de uma série de políticas públicas num grande número de áreas — disse.

Conhecimento

O diretor do Departamento de Estratégia Comercial da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Fernando Alcaraz, disse, no entanto, que o Brasil será beneficiado com o ingresso na OCDE. A organização, afirmou, tem 60 comissões de estudos e avaliações de políticas em todas as áreas, com pessoal qualificado de diversas partes do mundo. Esse conhecimento, disse, estará disponível ao país e poderá ser usado na gestão governamental brasileira.

De acordo com ele, mesmo que a OCDE recomende políticas públicas, a decisão final cabe ao país e, portanto, não haveria riscos à soberania.

— Pelo fato de ser um key partner [parceiro preferencial], mas ainda não um membro pleno, aderimos já a uma a uma série de instrumentos da OCDE, porém sem direito a voto. Queremos melhorar o ambiente de negócios e dinamizar nossa economia, por isso reivindicamos a adesão plena. Hoje a OCDE está revisando, por exemplo, a legislação no que tange a fluxos de capitais e nós não temos nenhuma condição de interferir.

Influência

A falta de poder dos países em desenvolvimento para influenciar decisões internas da OCDE, aliada ao tratamento não diferenciado que o Brasil terá, também são aspectos apontados por Paulo Nogueira como nocivos o Brasil.

Um cenário muito diferente ao que o país tradicionalmente encontrou na OMC, onde liderou as nações em desenvolvimento e foi o mais beneficiado pelo mecanismo de solução de controvérsias.

Para Nogueira, o Brasil vai se apequenar ao aceitar abrir mão do TED, condição imposta pelos Estados Unidos para que o país faça parte da OCDE. Países como Coreia do Sul, Nova Zelândia, Estônia, México e Chile, ressaltou, não abriram mão do TED para entrar na OCDE. A exigência também não está sendo cobrada de Argentina, Colômbia, Bulgária ou Romênia, que também negociam o ingresso na organização. China e Índia, outros dois países que fazem parte dos Brics, nem cogitam abrir mão do TED para entrar na OCDE, segundo o economista.

Clube dos Ricos

Atualmente 36 países compõem a OCDE. Conhecida como “clube dos ricos”, a organização criada em 1961 até hoje mantém a marca, segundo Paulo Nogueira, por ter sido fundada por uma grande maioria de nações com alto índice de desenvolvimento socioeconômico. Diferenças que prejudicariam também o mercado de capitais no Brasil.

— A liberalização da conta de capitais praticada na OCDE é bem mais radical que a recomendada pelo FMI [Fundo Monetário Internacional]. Muitos economistas, aos quais eu me alinho, entendem que adotar este tipo de política não favorece países em desenvolvimento. Uma das muitas razões por que China e Índia nem cogitam entrar na OCDE é esta, justamente porque adotam um regime de administração da conta de capitais. Muito mais bem-sucedido que o de outros países emergentes que adotam políticas liberais — opinou.

Mas para o secretário de Política Exterior do Itamaraty, Norberto Moretti, a entrada do Brasil na OCDE será benéfica ao país. Segundo ele, todos os acordos do Brasil hoje beneficiados com TED na OMC serão mantidos e só perderão o benefício nas negociações futuras.

— Quando levamos em conta o potencial de atração de investimentos que a adesão à OCDE provoca, além do aprimoramento das políticas públicas subsequentes, os ganhos econômicos são inegáveis. A tendência da OMC hoje é limitar o TED apenas aos países mais pobres do mundo, e nós não nos enquadraremos mais. Além do mais, historicamente, o tratamento especial diferenciado falhou como estratégia de desenvolvimento para a maioria dos países que o adotaram. Porque o TED desestimula a exportação de produtos de maior valor agregado. O mais importante para nações como o Brasil é trabalhar na reforma das regras da OMC do que se ater ao TED — defendeu.

Moretti ressaltou ainda que, segundo estudos do Itamaraty, o Brasil estaria hoje em conflito com menos de 10% dos protocolos da OCDE. Ou seja, a eventual adesão não causaria, segundo ele, esforços traumáticos de adaptação, com a conveniência de reduzir consideravelmente as avaliações de risco dos investidores internacionais.

Exportações

O coordenador-geral de Competitividade do Ministério da Agricultura, Carlos Halfeld, disse que as exportações do agronegócio não sofrerão perdas se o Brasil abrir mão da TED para entrar na OCDE. Isso porque o país ainda está longe de atingir as cotas relativas à exportação de cada produto no âmbito da OMC, uma consequência direta da diversificação do comércio exterior brasileiro.

O senador Jaques Wagner e o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento Welber Barral ressaltaram que a fase de adesão de um país na OCDE é lenta e precisa do apoio de todos os integrantes efetivos. Para eles, esse processo provoca incertezas e pode amarrar o país a pré-requisitos durante anos, para que as negociações sejam mantidas.

Fila

Barral ainda disse que Argentina e Colômbia estão na frente do Brasil nesse processo, o que deve atrasar a adesão brasileira na fila de nações latino-americanas.

— A nota oficial brasileira [sobre o ingresso do Brasil] menciona que a adesão se dará em linha com a proposta dos EUA. Nas rodadas Uruguai e Doha da OMC, o Brasil era o líder dos emergentes. Nos termos em que negocia a entrada na OCDE, o Brasil perde essa posição. Modifica nossa condição negociadora em temas relevantes da OMC e perde protagonismo — disse.

O senador Angelo Coronel (PSD-BA) também criticou a “subserviência” aos EUA e disse temer que a nova diretriz provoque perdas em negociações de comércio do Brasil com a China.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)