Incêndio no Museu Nacional retoma debate sobre importância dos museus

Da Redação | 03/09/2018, 17h14

O incêndio que atingiu o Museu Nacional, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, na noite de domingo (2), reabriu o debate sobre o papel sociocultural dos museus e o investimentos nas instituições. O acervo de cerca de 20 milhões de itens foi praticamente todo consumido pelo fogo, ainda sem causa definida. A instituição, a primeira do tipo no Brasil, foi criada por D. João VI em 1818, à época chamado de Museu Real. Com duzentos anos, recebeu 192 mil visitantes, apenas em 2017.

No Senado, está em análise um projeto de lei que institui o dia 18 de maio como o Dia Nacional do Museu, seguindo o exemplo da comunidade internacional, que também comemora a data. O PLS 249/2018, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), está em análise na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), onde é relatado pela senadora Marta Suplicy (MDB-SP).

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), existem, em todo o país, cerca de 3,7 mil museus, que receberam mais de 32 milhões de visitantes em 2017, segundo o instituto. A intenção do projeto é ampliar ainda mais o número de visitantes, não só nos museus, mas também nos memoriais e instituições de preservação da memória, por meio do estímulo a exposições e eventos, contribuindo para o reconhecimento dos museus como instituições de natureza cultural.

“A exposição de objetos e documentos históricos, interpretados e expostos sob diversos prismas, é sempre valiosa para preservação da memória, da diversidade e dos sentidos nacionais no imaginário da população”, afirmou Maria do Carmo, na justificativa da proposta.

Tolerância

O texto destaca ainda como objetivo a realização, de forma articulada com instituições internacionais, de exposições e eventos que promovam a cultura, a paz, a tolerância e a cooperação entre os povos. A proposta também pretende encorajar o poder público nos três níveis a facilitar o transporte e o acesso aos museus.

— O museu é uma fonte de cultura. É preciso que essas instituições percorram todos os estados fazendo exposições, principalmente nas escolas de cidades que muitas vezes nem cinema têm — declarou Maria do Carmo.

A autora explica ainda que, por meio de seleções de “vestígios deixados pelo tempo”, os museus recontam as características de sociedades, economias e culturas que já passaram. “É nesse contato com o outro, organizado sempre sob certas perspectivas, que se propicia ao visitante compreender culturas, sistemas e formas de ver o mundo diferentes daquelas com que está familiarizado”, argumentou.

Construção do futuro

A historiadora e museóloga Andréa Fernandes Considera, professora da Universidade de Brasília (UnB), explica que houve uma evolução na função dos museus, que passaram a se preocupar cada vez mais com o papel social que desempenham. Ela chama atenção para a lei que regula os museus no Brasil (Lei 11.904, de 2009), que em seu primeiro artigo define os museus como instituições a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento.

— Só faz sentido preservar algo se aquele contexto faz sentido para uma determinada comunidade. Cada vez mais os museus, através das memórias que eles preservam, vêm se tornando um fato social.

A legislação brasileira traz ainda como princípio fundamental do museu a valorização da dignidade humana, a promoção da cidadania e o cumprimento da função social.

— A questão não é preservar o objeto por preservar, é preservar para quem e para quê. Museu não é algo do passado, é algo que está presente hoje e está ali também para a construção de um futuro. Se temos um objeto dentro de um museu, em 2018, é porque ele faz sentido para as pessoas hoje — afirmou.

A pesquisadora informa ainda que a museologia brasileira é recente e o investimento do Estado “muito aquém do ideal”. Andréa opina que é prioritário um crescimento qualitativo dos museus. Segundo ela, a instituição de um dia dedicado aos museus deve, mais do que incentivar a criação de outros, possibilitar a melhoria da qualidade e seriedade dos trabalhos nas instituições já existentes. A exemplo do caso do Museu Nacional, que, desde 2014, não recebia a verba de R$ 520 mil anuais necessária para sua manutenção.

Promoção cultural

Os museus são locais estratégicos e motores importantes de desenvolvimento das sociedades, pois realizam pesquisa, difundem a cultura, preservam locais de memória, além de servir como instrumento de inclusão social a serviço do cidadão, afirmou a presidente do Conselho Federal de Museologia (Cofem), Rita de Cássia Mattos, em audiência pública sobre o assunto promovida em maio a pedido de Maria do Carmo.

— Os museus buscam construir, em conjunto com os diversos segmentos da sociedade, um desenvolvimento [social] que seja apoiado no respeito às identidades e à pluralidade cultural — defendeu Rita de Cássia.

A presidente do Cofem reafirmou ainda a importância do estabelecimento do dia nacional como forma de valorizar e dar visibilidade às instituições. Esse esforço já ocorre anualmente, segundo Marcelo Araújo, presidente do Ibram, por meio de uma semana com programação especial em maio. A ação, que ocorre há 16 anos, é um meio de promover e mobilizar os museus brasileiros em torno de um tema definido pelo Conselho Internacional de Museus (Icom), em comemoração ao 18 de maio, Dia Internacional dos Museus.

— Buscamos assegurar a visibilidade crescente das nossas instituições, aumentar o número do público visitante e, principalmente, intensificar essa relação com as comunidades, que é o grande objetivo da instituição museológica contemporânea — esclareceu.

Este ano o tema da semana foi Museus hiperconectados: novas abordagens, novos públicos. O evento aconteceu em um contexto mais especial para os museus brasileiros, lembrou Marcelo.

No Senado

Para Alan Silva, do Museu do Senado, o Dia do Museu contribuirá para que a sociedade fale e reflita sobre os museus, criando alternativas de crescimento para essas instituições. Para ele, os museus poderão crescer, não só em visibilidade, mas também em orçamento e nos objetivos a serem alcançados, como a promoção da cidadania.

— Esse impulsionador de conteúdo que é o museu passa muitas vezes desapercebido para as pessoas, mas ele está ali no dia a dia cumprindo um papel importante — declarou.

O Museu do Senado foi criado em 1991 para preservar a história da Casa por meio de acervo artístico e documental. Com aproximadamente três mil itens, o museu conta com obras de arte, mobiliário histórico, móveis assinados por designers, painéis, esculturas e tapeçarias, entre outros. Segundo Alan, são recebidos anualmente cerca de 180 mil visitantes.

— Há todo um roteiro de fala dos nossos mediadores para criar um conceito de cidadania no visitante, pois a população brasileira é muito heterogênea no que diz respeito à formação. O programa de mediação tem esse aspecto pedagógico que é muito transformador, capaz de mudar a opinião das pessoas [sobre o papel do Senado] — explicou.

O Museu promove até o dia 25 de setembro a exposição Os 130 anos da Abolição da Escravatura e as Discussões no Senado, que está aberta para visitação no Salão Negro do Congresso. A exibição conta com visita guiada para pessoas com deficiência visual, com descrição do ambiente e acesso a livretos, textos e legendas em braile, além de alguns objetos disponíveis ao toque. O Museu funciona de segunda a sexta-feira de 9h às 13h e de 14h às 18h. Aos sábados, domingos e feriados o funcionamento é ininterrupto, das 9h às 18h.

De Emilly Behnke, sob a supervisão de Paola Lima, da Agência Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)