Fim do auto de resistência é defendido por ONG de direitos humanos

Larissa Bortoni | 29/01/2015, 18h22

Tornar mais duras as regras para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes da ação de agentes do Estado e minimizar a violência policial no Brasil. Essa é a finalidade do Projeto de Lei 4.471/2012, pronto para ser votado na Câmara dos Deputados.

A matéria, que já foi debatida em audiência pública no Senado, tem o apoio da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), que divulgou relatório, nesta quinta-feira (29), sobre as condições dos direitos humanos no Brasil. Segundo a instituição, os brasileiros ainda são vítimas de violência policial, tortura e superlotação nos presídios. O levantamento inclui outros 89 países.

Violência e superlotação

O relatório da HRW denuncia que a polícia foi responsável por 436 mortes no estado do Rio de Janeiro e 505 no estado de São Paulo nos nove primeiros meses do ano passado. Em São Paulo, houve um aumento de 97% em relação ao mesmo período de 2013.

Ainda de acordo com a Human Rights Watch, 2,2 mil pessoas morreram durante operações policiais em 2013, o equivalente a seis pessoas por dia.

Sobre a superlotação e a violência nos presídios, a ONG internacional registrou a existência de mais de 500 mil presos no país. Esse número cresceu 45% entre 2006 e 2013, excedendo em 37% a capacidade das prisões. Além disso, há mais de 230 mil indivíduos em detenções provisórias, em consequência da morosidade judicial. No estado do Piauí 68% dos detentos estão nessa situação.

A tortura é um problema crônico nas delegacias e prisões. A ONG conta que recebeu, entre janeiro de 2012 e junho de 2014, 5.431 denúncias de tortura, além de tratamento degradante e desumano. As reclamações chegaram de todo o país e 84% dos incidentes aconteceram em delegacias, penitenciárias, celas e em instituições para a internação de menores infratores.

Auto de resistência

As normas atuais previstas no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941) permitem o uso de quaisquer meios necessários para que o policial se defenda ou vença resistências. Determina ainda que nesses casos é preciso que seja feito um auto de resistência, assinado por duas testemunhas.

Apesar de ainda não tramitar no Senado, o projeto que acaba com o auto de resistência já foi debatido pelos senadores na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa em 2014. Na ocasião, a presidente da CDH, senadora Ana Rita (PT-ES) defendeu a sua imediata aprovação.

— O auto de resistência foi criado exatamente para dar proteção policial, só que isso se reverteu contra a população, sendo usado de forma indevida, inadequada, levando à morte tantos e tantos, sem que haja, de fato, uma investigação. As provas acabam sendo totalmente mascaradas, desvirtuadas, e os processos não chegam ao final — afirmou a senadora.

De acordo com o PL 4.471/2012, toda vez que a ação policial resultar em lesão corporal e morte, um inquérito deverá ser instaurado. Os autores da proposta — os deputados Paulo Teixeira, Fábio Trad, Delegado Protógenes e Miro Teixeira — enfatizam, na justificação, que a deficiência das investigações dos casos de lesão ou morte por ação da força policial “não só representa uma clara violação dos direitos humanos, como também uma violação de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário”. Acrescentam que as alterações no Código de Processo Penal poderão proporcionar a ampliação do controle e da fiscalização sobre a atividade de segurança pública no país.

Comissão da Verdade

Em entrevista à Rádio Senado, o senador João Capiberibe (PSB-AP) lembrou que a aprovação do projeto que acaba com o auto de resistência é uma das oito recomendações de mudanças legais que fazem parte do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. O relatório foi entregue ao Congresso em dezembro do ano passado.

— A falta de punição, a omissão do Estado brasileiro diante do que foi feito no passado é que terminou institucionalizando a tortura que continua sendo praticada nas delegacias de polícias em todo o País. Nós temos um caso emblemático, que é daquele ajudante de pedreiro Amarildo, da Rocinha, que, depois de preso, em poucas horas seu corpo desapareceu — disse Capiberibe.

Após ser votado na Câmara dos Deputados, o projeto que acaba com o auto de resistência será analisado pelos senadores e, se não for alterado, poderá ir à sanção presidencial.

Audiência de custódia

Outra medida em análise no Congresso pode reduzir os casos de tortura policial. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 554/2011, do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), torna obrigatória a apresentação imediata de presos à autoridade judicial para uma “audiência de custódia”.

Pela legislação vigente, apenas o auto de prisão em flagrante é encaminhado ao Judiciário. Pelo texto proposto, a polícia teria o prazo de um dia para apresentar o preso a um juiz.

Na audiência, conforme o PLS 554/2011, o juiz deverá tomar as medidas cabíveis para preservar os direitos do preso e apurar eventual violação. A oitiva não poderia ser usada como meio de prova contra o depoente e se destinaria exclusivamente à verificação da legalidade e necessidade da prisão, à prevenção da ocorrência de tortura e maus-tratos e à preservação dos direitos assegurados ao preso.

O projeto determina também que a audiência se dará na presença do advogado do preso ou, se não houver, na de um defensor público. É obrigatória ainda a presença de integrante do Ministério Público.

O projeto já foi aprovado pelas Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Agora, aguarda votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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