Especial: Senado 74 – A eleição que abalou a ditadura
Adriano Faria (Rádio Senado) e André Fontenelle | 14/11/2014, 20h11
Em abril de 1974, o regime militar completava dez anos com poucas ameaças no horizonte. Um simulacro de democracia era mantido, com eleições diretas apenas para deputados, senadores, vereadores e parte dos prefeitos. Nas eleições de 1970, a oposição, com muitos de seus líderes presos ou exilados, pregou a abstenção. O resultado foi uma vitória esmagadora da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio à ditadura, que passou a deter dois terços da Câmara e nada menos que 59 das 66 cadeiras do Senado.
O ano de 74 terminaria, porém, em desastre para o governo. Nas eleições de 15 de novembro, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido da “oposição consentida”, se recupera espetacularmente, elegendo 16 senadores, das 22 vagas em disputa; e por pouco não obtém a maioria da Câmara, tendo conquistado 161 das 364 cadeiras, ou 44%. Como o regime permitiu essa derrota eleitoral?
O especial “Senado 74 – A eleição que abalou a ditadura”, produzido pela Rádio e pela Agência Senado, conta essa história. Para o historiador e professor da UnB Antonio Barbosa, 1974 foi o “ponto de inflexão” do regime. Depois de dez anos de ascensão, aquele ano marca o início da queda lenta, mas inexorável, que viria em 1985.
Diversos fatores contribuíram para o fracasso da Arena em 1974. Um deles era externo – no ano anterior estoura a Guerra do Yom Kippur, entre Israel e os países árabes. Estes últimos, derrotados, decidem fazer valer a posição de maiores produtores de petróleo do mundo, e promovem uma alta repentina do preço do barril. O impacto da crise do petróleo contribui para o fim do “milagre econômico” brasileiro do início da década. Em 1974, a classe média já começa a sentir o aperto e as urnas foram a forma de exprimir sua insatisfação.
Também tiveram papel importante as divisões internas do governo, fruto, paradoxalmente, da vitória total de 1970. Em vários estados, diferentes líderes disputam o comando da Arena. Preocupada com a imagem de regime de “partido único”, a ditadura afrouxa as regras eleitorais, permitindo pela primeira vez debates entre os candidatos no rádio e na televisão. Disso se aproveitam nomes até então pouco conhecidos do MDB, como Paulo Brossard (Rio Grande do Sul), Itamar Franco (Minas Gerais), Marcos Freire (Pernambuco) e Roberto Saturnino Braga (Rio de Janeiro).
Quando a contagem dos votos começa, a surpresa é geral. Ao conquistar mais de um terço da Câmara, o MDB adquire o direito de pedir comissões parlamentares de inquérito e exercer de fato o papel de oposição. Líderes como Ulysses Guimarães e Franco Montoro saem fortalecidos das urnas. O próprio presidente Ernesto Geisel é obrigado a reconhecer, em sua mensagem de fim de ano, a vitória do MDB: “Ressentimentos – e não há razão para cultivá-los – não me tolhem, nem sinto simples constrangimento – que até seria compreensível – ao registrar que o MDB alcançou substancial avanço na autenticidade de sua crescida expressão política”.
A reação, porém, não tardaria: a “Lei Falcão” limita a propaganda eleitoral na TV a retratos dos candidatos; e em 1977 Geisel fecha o Congresso e impõe uma reforma política, criando a eleição indireta para um terço do Senado (os chamados “senadores biônicos”) e garantindo para a Arena, na prática, a maioria parlamentar. Tudo para evitar a perspectiva de nova vitória do MDB. A ditadura ganhava, assim, sobrevida. A democracia ficaria para depois, mas o processo de derrocada iniciado pela eleição de 1974 não seria mais revertido.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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