Série 'Falas do Trono', do Senado, é considerada patrimônio documental pela Unesco

Isabela Vilar e Nelson Oliveira | 20/10/2014, 19h07

Dia 3 de maio de 1888, 13h. A Princesa imperial regente, Isabel, acompanhada pelo marido, Conde D’Eu, é recebida por parlamentares no Palácio Conde dos Arcos, sede do Senado, no Campo da Aclamação (atual Campo de Santana), Centro do Rio, onde hoje funciona a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É lá que, no discurso de abertura do ano legislativo, ela defende o fim do trabalho servil no país. A Lei Áurea, que aboliu a escravidão, foi aprovada em regime de urgência, apenas dez dias após a fala da princesa regente.

“A extincção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brazil, adiantou-se pacificamente do tal modo, que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiraveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o proprio interesse privado vem espontaneamente collaborar para que o Brazil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a unica excepção que nelle figura em antagonismo com o espirito christão e liberal das nossas instituições”, escreveu a princesa, em substituição ao pai, Dom Pedro II, que estava na Europa.

Essa e outras manifestações que retratam o relacionamento entre o Executivo e o Legislativo no período imperial fazem parte da série Falas do Trono, que integra o acervo do Arquivo do Senado. A série, que reúne as mensagens dos imperadores para os deputados e senadores nas reuniões de abertura e encerramento do ano legislativo da Assembleia Geral Legislativa brasileira, será incluída no registro nacional do Programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura  (Unesco). A aprovação se deu em reunião realizada pelo comitê nacional do programa, no início deste mês.

Construção da memória

Nos discursos, o imperador falava sobre temas importantes da história política, os problemas que o país enfrentava e propostas para resolvê-los. Na abertura do ano legislativo, indicava metas e, no encerramento, fazia um balanço sobre a situação do País e as medidas tomadas pelo governo imperial.

A fala tem essa característica de uma mensagem do Poder Executivo para o Poder Legislativo. Isso é bem interessante porque é uma tradição que não existia. Até o país se tornar independente, não havia separação entre os poderes. É a criação de uma tradição – explica o consultor legislativo Marcos Magalhães.

Para ele, o reconhecimento da Unesco tem como consequência a valorização do patrimônio documental e arquivístico do Senado. Muitas pessoas, segundo o consultor, associam o Senado apenas à história republicana mais recente e não têm conhecimento sobre a existência de um acervo precioso como os arquivos do período do Império.

Chamar atenção para uma parte desse patrimônio, para uma das suas preciosidades, no caso as Falas do Trono, é destacar a riqueza e o valor desse patrimônio arquivístico para a memória histórica nacional.

Além disso, o consultor chama a atenção para o papel do Legislativo na construção dessa memória já que a época em que se deram as Falas, o Século 19, foi um período de construção da identidade do Brasil como Nação.

Retrato histórico

Nas Falas do Trono está um retrato da história do Brasil, ano a ano, desde 1826 até 1889, quando foi proclamada a República. Em um trecho da fala de abertura do ano legislativo de 1830, o imperador Dom Pedro I aborda a necessidade de leis que facilitassem a distribuição de terras após acordos internacionais para o fim do tráfico de escravos.

“O trafico da escravidão cessou, e o governo está decidido a empregar todas as medidas que a boa fé e a humanidade reclamem para evitar a continuação debaixo de qualquer fórma ou pretexto que seja: portanto, julgo de indispensável necessidade indicar-vos que é conveniente facilitar a entrada de braços uteis. Leis que autorizem a distribuição de terras incultas e que afiancem a execução dos ajustes feitos com os colonos, seriam de manifesta utilidade e de grande vantagem para nossa industria em geral”, recomendou o imperador.

As Falas também incluem discursos dos regentes que administraram o Brasil entre os anos de 1831 e 1840, período compreendido entre a abdicação de Dom Pedro I e a emancipação de D. Pedro II, aos 14 anos. O primeiro discurso de abertura proferido pelo jovem imperador também está registrado na série:

“Grande prazer sinto por me achar no meio de vós; nunca o trono imperial é tão magestoso, como quando se vê rodeado dos representantes da nação. Desejando que o ato de minha sagração se tornasse mais solene com a vossa presença, ordenei que tivesse lugar no tempo da atual sessão legislativa”, disse D. Pedro II.

Memória do Mundo

O Programa Memória do Mundo identifica documentos ou conjuntos documentais que tenham valor de patrimônio documental da humanidade. Os escolhidos são inseridos no Registro Internacional de Patrimônio Documental, a partir da aprovação por comitê internacional de especialistas. A inscrição é feita pela instituição detentora do acervo.

Instalado há oito anos, o Comitê Nacional do Brasil nominou, entre 2007 e 2014, 73 acervos brasileiros de diversos tipos e diferentes épocas. Entre eles estão os Manuscritos Musicais de Carlos Gomes (Fundação Biblioteca Nacional); o Arquivo Guimarães Rosa (Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP) e o Mapa Etno-Histórico do Brazil e Regiões Adjacentes - por Curt Nimuendajú (1943) (Museu Paraense Emílio Goeldi).

Onde encontrar

As falas do Imperador estão registradas em documentação autêntica, original e em bom estado de conservação, sob a responsabilidade da Coordenação de Arquivo, da Secretaria de Gestão de Informação e Documentação (SGIDOC) do Senado. Os documentos não estão disponíveis para consulta física, mas qualquer pessoa pode ter acesso ao conteúdo digitalizado (veja informações abaixo).


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