Há 50 anos, o Congresso dava fim ao governo Jango e às reformas de base

Valter Gonçalves Jr. | 28/03/2014, 19h30

Os últimos atos da tragédia política vivida pelo país em 1964 tiveram tom melancólico. Na madrugada de 1º para 2 de abril, ao presidir o Congresso em uma sessão relâmpago, o senador Auro de Moura Andrade, do PSD de São Paulo, atropelou os protestos dos parlamentares que apoiavam João Goulart, ignorou as questões de ordem apresentadas e declarou o fim do governo de Jango. “Comunico ao Congresso Nacional que o senhor João Goulart deixou, por força dos notórios acontecimentos de que a nação é conhecedora, o governo da República”, afirmou, em meio a gritos de apoio e de protesto de deputados e senadores.

“O senhor presidente da República deixou a sede do governo, deixou a nação acéfala. Numa hora gravíssima da vida brasileira é mister que o chefe de Estado permaneça à frente de seu governo. Abandonou o governo”, disse Auro de Moura Andrade. “Declaro vaga a Presidencia da República e, nos termos do artigo 79 da Constituição, declaro presidente da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli”.

Foi lido – e desconsiderado – o ofício enviado ao Congresso por Darcy Ribeiro, então chefe da Casa Civil. “Em virtude dos acontecimentos nacionais das últimas horas, para preservar de esbulho criminoso o mandato que o povo lhe conferiu, investindo-o na chefia do Poder Executivo, [Jango] decidiu viajar para o Rio Grande do Sul, onde se encontra à frente das tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais, com seu ministério”, declarava Darcy.

Últimos embates

No dia 2, o clima era de ressaca política. “Jango estava impedido de governar. Perdera as condições. Evidenciara demais a sua política de favorecimento à implantação atrevida do comunismo no Brasil”, disse o senador Eurico Rezende, da UDN do Espírito Santo. “Jango não poderia estar no território brasileiro, a não ser naquele ponto de uma cidade do país – Porto Alegre –, ainda debaixo da agitação do deputado Leonel Brizola. Por conseguinte, estava física e metafisicamente impedido”, reforçou o senador Padre Calazans, da UDN de São Paulo.

Para evitar uma guerra civil, o presidente da República preferiu não resistir ao Golpe de Estado. Começavam os 21 anos de Ditadura Militar.

O senador Arthur Virgílio, do PTB do Amazonas, que, como líder do governo, veementemente defendera o presidente João Goulart e suas reformas de base, ainda duelava no Plenário do Senado.

“Vou dizer aquilo que penso, indiferente à força que atualmente nos cerca, a força que pode tudo, menos esmagar ideias, menos esmagar a liberdade, menos esmagar a democracia. Força que aparentemente pode prevalecer, força que tem prevalecido em algumas oportunidades, mas que tem sido varrida, pelo mundo afora, pela liberdade, que finalmente vence sempre”, disse o senador, posteriormente cassado.

Ansiedade

No dia 31 de março – que passou a ser celebrado pelos militares no poder –, o Plenário do Senado aguardava as informações sobre a crise com ansiedade. Os parlamentares que eram alheios à conspiração contra o governo de João Goulart esperavam em vão por uma notícia tranquilizadora.

“Os acontecimentos no Rio de Janeiro tomam vulto, a crise militar. De tal modo isto é reconhecido, que está havendo uma verdadeira corrida nas agências bancárias que funcionam no edifício do Congresso Nacional”, afirmou o senador Aurélio Vianna, do PSB da Guanabara. Enquanto pedia que “os líderes da República” buscassem o entendimento diante da crise, deixando “o conformismo e a insensibilidade política”, as luzes do Plenário se apagaram. A sessão foi suspensa por cinco minutos. Em seguida o parlamentar tentou novamente uma resposta entre os colegas, especialmente entre os de oposição, nos quais notara “certa euforia”.

“Ninguém precisa ser profeta para descortinar o futuro que nos espera se não houver um entendimento que salve as instituições democráticas, o direito de ir e vir, de opinar livremente, de reivindicar, de protestar”, alertou Aurélio Vianna. “São verdadeiras as notícias? Esta Casa pode ser informada sobre os acontecimentos?”, continuou. O senador Josaphat Marinho, do PSD da Bahia, lamentava a ação de radicais. “Uma minoria radicaliza, uma maioria se omite”.

“Comando das reivindicações”

Em aparte, o senador Afonso Arinos, da UDN do Rio de Janeiro, informou que falara ao telefone com Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, e prometeu logo apresentar um comunicado. Mais tarde se saberia que Magalhães Pinto, também da UDN, principal partido de oposição ao governo, se movimentava para derrubar Jango. As tropas de Minas Gerais, chefiadas pelo general Olympio Mourão Filho, seguiam em direção ao Rio de Janeiro, onde se esperava resistência de forças militares leais ao presidente da República. Naquele momento, reunido com seus auxiliares, Jango tinha que tomar a difícil decisão de resistir ao Golpe ou capitular.

O silêncio era estratégico. O senador João Agripino, da UDN da Paraíba, porém, disse ao Plenário, ante a insistência do colega Aurélio Vianna, que também aguardava o desenrolar dos acontecimentos. “É difícil ter informações em Brasília e muito mais dar informações à Nação”. Em seguida, reconheceu a gravidade do momento e passou a falar do governo de Jango usando o tempo passado. Criticou o Comício das Reformas, protagonizado pelo presidente na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no qual Jango pediu apoio popular para pressionar o Congresso pelas reformas e anunciou desapropriação de terras.

“O presidente, que deveria ser um magistrado, o primeiro magistrado da Nação, deveria ficar equidistante das lutas sociais, deveria ficar afastado para ter autoridade e emprestar solidariedade ao que lhe parecesse justo... entendeu que era seu dever assumir o comando por aquelas reivindicações”, criticou João Agripino, lembrando que, junto com Afonso Arinos, defendera a posse de Jango, contra a posição majoritária de seu próprio partido, na ocasião da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.

“Indisciplina”

Afonso Arinos leu, então, a “proclamação dirigida à Nação”, de Magalhães Pinto. O político mineiro manifestava solidariedade à Marinha. “Não se trata agora de simples indisciplina interna que precisa ser mantida naquele setor das Forças Armadas. Mas estão em causa os princípios fundamentais do regime democrático”, declarou. O governador mineiro via na chamada revolta dos marinheiros, ainda que já debelada, razão para afastar Jango da Presidência.

Lida a carta, o senador Bezerra Neto, do PTB de Mato Grosso, tentou defender o presidente. A crise fora debelada, os revoltosos, que apresentavam diversas reivindicações, se entregaram. As punições ficariam a cargo do novo ministro da Marinha, o almirante Paulo Mário.

João Agripino reforçou as acusações contra Jango. “O presidente da República foi que estimulou, fomentou, dirigiu, comandou, quis, por ação ou omissão, a indisciplina. As Forças Armadas, guardiãs da democracia, estarão destruídas no dia em que soldados se recusarem a obedecer ordens de sargentos e os sargentos, as dos oficiais. E os oficiais, as dos superiores hierárquicos ou do ministro de Estado”.

O senador capixaba Eurico Rezende chamou Jango de “carbonário” quanto à questão do campo. “Ele colocou a reforma agrária como a vedete das reformas”.

Aurélio Vianna ainda voltou a defender o presidente. “A nomeação do ministro da Marinha, Paulo Mário, não foi [proposta] pela CGT. Todo mundo já desmentiu. Mesmo assim segue a afirmação. Não é possível dialogar nesses termos.”

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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