Felicidade é tema controvertido

Da Redação | 26/05/2010, 23h10

Até onde se tem notícia, a inclusão da felicidade como um direito em lei é inédita na história da legislação brasileira. A Constituição atual fala, por exemplo, em bem-estar, dignidade e fraternidade, o que para muitos remete ao anseio do povo por felicidade.

O Senado abriu espaço ao debate do tema por sugestão do Movimento Mais Feliz, entidade voltada para mobilização social que tem como responsável a agência internacional de publicidade 141 Soho Square. Talvez por isso, na discussão houve quem qualificasse a proposta de "marketing".

Embora ausente da Constituição e dos outros textos legais, a felicidade aparece nos estudos interpretativos de diplomas como o Código Civil, especialmente no que refere às relações amparadas no Direito de Família. Na forma de lema, o conceito de felicidade está vinculado a um episódio fundamental para a constituição política brasileira e a formação da identidade nacional: o Dia do Fico, que se deu em 9 de janeiro de 1822. Naquela ocasião, o então príncipe regente D. Pedro de Alcântara insurgiu-se contra as ordens das Cortes Portuguesas, e, para não voltar a Portugal, declarou a célebre sentença: "Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico".

Civilização

A ideia de felicidade nasceu com o estabelecimento da humanidade na face da terra e ganhou corpo no ritmo do processo civilizatório. Aparece, por exemplo, ao final da tragédia Édipo Rei, de Sófocles, escrita por volta de 427 a.C: " (...) É por isso que, aguardando o dia supremo de cada um, jamais, antes que um homem nascido mortal atinja o término de sua vida sem haver sofrido, jamais afirmeis dele que foi feliz".

Esse anseio de ser feliz, presente em várias culturas e expresso em diversas manifestações literárias e artísticas, tem levado a resultados de difícil mensuração. Na verdade, a medida é sempre subjetiva.

Alguns autores ousaram mesmo confrontar o sonho da felicidade e colocá-lo, não como um ideal alcançável, mas como uma fantasia infantil e, portanto, capaz de comprometer realizações possíveis no precário mundo habitado pelos seres humanos. Entre os que têm censurado a inútil obrigação de ser feliz está o escritor francês Pascal Bruckner, autor do livro A Euforia Perpétua: "A depressão é o mal de uma sociedade que decidiu ser feliz a todo preço".

Desdenhar da felicidade também tem sido ofício de poetas e compositores. No rol dos mais irônicos e engenhosos versos da música popular brasileira está o que celebrizou a canção A Flor e o Espinho, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito: "Tire o seu sorriso do caminho / Que eu quero passar com a minha dor". 

Numa posição intermediária, estão os que expressam conformismo, ao verem a felicidade como possível, embora apenas por breves instantes. É o caso de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, autores de um dos clássicos da Bossa Nova "A Felicidade": "Tristeza não tem fim / Felicidade sim / A felicidade é como a gota / De orvalho numa pétala de flor / Brilha tranquila / Depois de leve oscila / E cai como uma lágrima de amor". 

E há os que, a exemplo do sambista baiano Batatinha, encarem felicidade e tristeza como sentimentos que se confundem, ou se metamorfoseam um no outro, resultando disso uma visão do ser humano algo singular e distante do senso comum que distingue entre as duas categorias. Em Hora da Razão, ele escreveu: "Se eu deixar de sofrer / Como é que vai ser / Para me acostumar?". O tema seria retomado em Imitação: "Ninguém sabe quem sou eu/ Também já nem sei quem sou / Eu bem sei que o sofrimento / De mim até se cansou / Na imitação da vida / Ninguém vai me superar / Pois sorrio da tristeza / Se não acerto chorar".

A despeito dos torneios literários, e até das pesquisas científicas que apostam num determinismo genético para a incidência da felicidade, há quem afirme que é feliz - não importando os inevitáveis sofrimentos da vida. Se é uma verdade insofismável que a melhoria das condições sociais amplia o bem-estar e as chances de felicidade, também não se pode negar que para ser feliz é preciso muita convicção. Inquirir oráculos e domar esfinges, como faziam os antigos gregos, e muitos dos nossos contemporâneos, não é suficiente. 

Nelson Oliveira / Agência Senado

Inclusão do direito à busca da felicidade na Constituição recebe apoio de juristas 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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