Octaciano Nogueira: Carta de 88 é extensa demais, embora seja avançada em direitos e garantias individuais

Da Redação | 03/10/2008, 17h47

A Constituição de 1988, que completa 20 anos neste domingo (5), é a Carta brasileira que mais recebeu emendas: 62 até agora. A Constituição de 1824, por exemplo, durou 65 anos e teve apenas uma emenda; a Constituição republicana de 1891 durou 40 anos e também teve apenas uma emenda. Essas duas primeiras cartas do país demonstram um "paradigma constitucional de excelente qualidade", na opinião do professor e cientista político Octaciano Nogueira, entrevistado pela Agência Senado.

Para o professor, o paradigma constitucional brasileiro é outro a partir de 1930. A Constituição de 1934, diz ele, durou três anos e teve três emendas. Já a Constituição de 1937, a Constituição do Estado Novo de Getúlio Vargas, "que acabou com todas as liberdades e instituiu a censura à imprensa", teve 20 emendas em seus oito anos de duração.

A Constituição de 1946, continua Octaciano Nogueira, perdurou até 1965 e teve cerca de dez emendas. Após o golpe militar de 1964, a ditadura impõe a Constituição de 1967 que, apesar de inúmeras emendas - e dos chamados Atos Institucionais -, dura até a promulgação da Constituição Cidadã. Para Octaciano Nogueira, a Constituição de 1988 ficou muito extensa, tratando de assuntos dos quais não deveria.

- A Constituição de 1988 é das piores que o Brasil já teve, é a mais extensa que tivemos. O que é melhor na Constituição de 88, aliás, a coisa mais valiosa, é a carta dos direitos e garantias individuais. Nenhuma outra constituição brasileira deu ao cidadão, ao trabalhador, direitos sociais e políticos como esta deu. Ela é a mais liberal das constituições no que diz respeito aos direitos e garantias individuais, aos direitos sociais, aos direitos do cidadão, aos direitos políticos. A primeira parte da Constituição é perfeita, a melhor que nós já tivemos. Agora, uma Constituição que coloca no texto que os juros precisam ser de 12% ao ano, isso é uma insanidade - diz Octaciano, referindo-se ao parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição de 1988, revogado pela Emenda Constitucional 40/03.

Além dos direitos e garantias individuais, o professor considera um grande avanço a Constituição Cidadã trazer, na parte de direitos e garantias fundamentais (inciso XLII do artigo 5º), a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Mas Octaciano lembra que a Lei Afonso Arinos (Lei 1.390/51) pode ser considerada a primeira lei contra a discriminação racial no Brasil. Outro avanço apontado pelo professor são os direitos do consumidor.

Apesar das 62 emendas já recebidas, o professor acredita que ainda virão muitas outras. Quando pronta, disse Octaciano Nogueira, a Constituição de 88 ficou com 296 dispositivos para serem regulados em leis posteriormente, e cerca de dois terços desses dispositivos ainda não foram regulamentados. As 62 emendas já incluídas no texto constitucional modificaram 117 dos 250 artigos da carta.

Octaciano Nogueira considerou como longos os 20 meses (de fevereiro de 87 a outubro de 88) de duração da Assembléia Nacional Constituinte. A Constituinte de 1946, exemplifica, durou cerca de oito meses. Para ele, os trabalhos realizados pelas 24 subcomissões temáticas quase não foram levados em consideração pela chamada Comissão de Sistematização, que elaborou o anteprojeto para servir de texto básico para a elaboração da nova Constituição.

Octaciano comenta que o período entre a aprovação da Redação Final do texto constitucional (em 22 de setembro de 88) e a promulgação da Constituição (5 de outubro de 88) só pode ser explicado pelo aniversário do presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, ser em 6 de outubro. Entretanto, diz o professor, durante esse intervalo, constituintes alteraram o texto que iria ao Plenário. Ele lembra que o atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, admitiu recentemente ter participado de alterações no texto. Octaciano acredita que até o instituto das medidas provisórias tenha sido inserido no texto constitucional nesse intervalo de tempo.

Outra crítica do professor é à inviabilidade de apresentação dos chamados projetos de iniciativa popular, conforme o previsto na Constituição de 88. Ele lembrou que, até hoje, os três projetos desse tipo tiveram que tramitar como de autoria de deputados, devido a dificuldades operacionais.

- Simplesmente porque nós temos um cadastro eleitoral informatizado, desde 1985, mas não existe instrumento que permita à Câmara dos Deputados conferir as assinaturas do projeto com as do cadastro eleitoral. É o sistema eleitoral mais moderno do mundo, mas essa conferência simples não consegue fazer - afirma.

Octaciano Nogueira é funcionário do Senado Federal desde 1964, quando a Casa realizou seu primeiro concurso público. Ele tomou posse em dezembro de 1964 e aposentou-se em 1990, depois de trabalhar com os senadores Júlio Leite, José Guiomard, Geraldo Mesquita, Petrônio Portela, Teotônio Vilela e outros. É professor da Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis), bacharel em Direito e História, especialista em estudos políticos e já trabalhou no Ministério do Trabalho (foi demitido pela ditadura militar), Ministério da Justiça e Imprensa Nacional. O professor é também estudioso das constituições brasileiras e um crítico da chamada Constituição Cidadã. A última pergunta da Agência Senado a Octaciano foi se a Constituição de 1988 vai durar mais 20 anos.

- Sim, dura. Agora, com quantas emendas eu não sei. Se tiver mais 62 emendas nos próximos 20 anos, aí não será mais a mesma constituição - disse o professor.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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