1968 - O ano que sacudiu o mundo

Da Redação | 25/08/2008, 19h45

Quarenta anos depois, os fatos relacionados a 1968 são tidos como os mais importantes e polêmicos ocorridos no Ocidente depois da 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Considerado como o ano da livre experimentação de drogas, do aparecimento da mini-saia, da pílula anticoncepcional, do psicodelismo e do movimento feminista, foi também em 1968 que aconteceram o Maio Francês, o assassinato de Martin Luther King, os protestos contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos - e em muitos outros países -, a Primavera de Praga e a radicalização da luta estudantil e do recrudescimento da ditadura militar no Brasil.

Essas duas faces de 68 projetam dúvidas sobre qual foi, de fato, a índole do movimento e do seu legado. Ou seja: 68 teria sido uma utopia de milhões de jovens rebeldes e cabeludos empenhados em acabar com a moral repressora da velha sociedade, ou o começo da maior revolta popular que a capital francesa conheceria desde os tempos da Comuna, de 1871? No auge dos acontecimentos, entre 23 e 24 de maio, uma greve geral arrastou 10 milhões de franceses para as ruas e a França parou por um mês. Confiantes, os estudantes escreviam nos muros da cidade: "Isto é apenas o começo!".

E o "aviso" não se dirigia apenas aos reitores, patrões e dirigentes do capitalismo na França. Um dos aspectos originais de 1968 está relacionado à rejeição ao modelo burocrático - stalinista - que o Partido Comunista da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) impunha a seus congêneres em outros países.Portanto, não era apenas a sociedade "burguesa" que estava sendo questionada. Naquele momento, muitos dos que viveram 1968 sentiam-se como protagonistas de um novo ciclo revolucionário mundial, marcado por uma radicalidade que também se expressava através de "uma revolução na revolução".

Presença stalinista

Ao discursar durante visita de solidariedade aos estudantes que ocupavam a Sorbonne, em 20 de maio de 1968, o filósofo Jean Paul Sartre faz duras críticas ao Partido Comunista Francês (PCF), que comandara o refluxo das greves dos operários, estigmatizando-o com o panfleto "Les communistes ont peur de la révolution" ("Os comunistas têm medo da revolução").

Efetivamente, o PCF havia sido contra as mobilizações estudantis, desde o início do movimento. Também se opôs à greve geral e às ocupações de fábricas. Por fim, colaborou com o governo para a implementação dos acordos de Grenelle (nome da rua onde se situava o Ministério dos Assuntos Sociais). Esses acordos, patrocinados pelo governo, entre sindicatos patronais e trabalhadores, estabeleciam um reajuste de 10% nos salários como forma de parar a greve geral no país.

Para muitos analistas, ao criar e alimentar esse impasse no interior do movimento social, o PCF teria ensejado que De Gaulle retomasse a ofensiva. E, realmente, em 30 de maio, o presidente organiza uma manifestação em seu apoio, dissolve a Assembléia Nacional e convoca eleições para dentro de um mês. Em 30 de junho, De Gaulle, aos 78 anos, vence as eleições legislativas, o que significou a derrota política do movimento de 68.

Os argumentos - jamais apresentados, formalmente, mas nem por isso ignorados - dos seguidores da linha de Moscou, devem ser procurados na própria dinâmica dos acontecimentos. O Maio Francês, cujo início se deu a partir de reivindicações específicas dos estudantes da Universidade de Nanterre - que protestavam contra a separação de sexos nos dormitórios universitários -, acabaram ganhando uma dimensão inesperada.

As mobilizações promovidas por estudantes e operários cresceram e se espalharam por todo o país, a partir da greve geral, pondo em risco não apenas a estabilidade do Estado francês, mas as próprias condições para a continuidade da "coexistência pacífica" entre as duas potências (URSS e EUA). No limite dessa argumentação, os velhos e disciplinados militantes comunistas alegavam que estariam agindo em nome do interesse da paz mundial.

"Os acontecimentos não foram previstos nem mesmo pelos que vieram a liderá-los. Uma vez em marcha, escaparam de todos os modelos; ganharam uma amplitude inédita, espalhando-se pelo mundo", observa o escritor César Benjamin.

Franceses divididos

Antecipando-se em mais de um ano à data dos 40 anos dos "acontecimentos" - que é como os franceses costumam se referir ao Maio de 68 -, Nicolas Sarkozi conclamou os eleitores a "liquidar" a herança daquele ano. O pronunciamento foi em abril de 2007, no encerramento da sua campanha. Uma vez eleito, o novo presidente, de certo, não esperava que as comemorações da quarta década do 68 fossem marcadas, na França, por uma avalanche de publicações - mais de cem livros se dedicam ao tema -, edições especiais de jornais e programas de TV. "Um sinal do interesse intacto por esse marco da história contemporânea do país", informa a matéria da Agência France Press.

Essa divisão dos franceses em face ao Maio de 68, de acordo com o sociólogo Jean-Pierre Le Goff, fez com que o movimento operário estudantil alcançasse a dimensão de um mito, opondo dois campos: "os guardiães do templo" e "os revanchistas". Em seu livro Maio de 68, a Herança Impossível, o sociólogo constata que "a sociedade francesa oscila entre fascinação e rejeição, não consegue criar um distanciamento crítico, inserir o 68 na Historia".

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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