Recenseadores relatam situação das câmaras municipais e apontam necessidade de aprimoramento dos servidores

Da Redação | 06/04/2006, 16h33

Umas funcionam em locais precários, outras não contam com sede própria e algumas não possuem nem regimento interno. Esse é o perfil de algumas câmaras municipais no Brasil, de acordo com os resultados do 1º Censo do Legislativo realizado no país, por iniciativa do Interlegis. Os recenseadores avaliaram a estrutura de funcionamento das casas legislativas de 5.414 dos 5.560 municípios brasileiros e constataram a urgência no aprimoramento profissional dos servidores dessas instituições, como forma de assegurar a participação popular no processo democrático.

O recenseador Marcos Calil, por exemplo, aponta alguns contrastes a partir dos dados coletados pelo censo. Segundo ele, que atuou em São Paulo, Mato Grosso e Goiás, São Paulo é o estado mais atrasado em termos de atualização legislativa, embora ocupe a dianteira na produção industrial do país. A exceção, segundo ele, ficaria por conta da Câmara Municipal de Campinas, que é parceira na realização de programas com o Interlegis.

- São Paulo é atrasado pela falta de oportunidade que as Câmaras dão ao servidores de se aprimorarem por meio dos cursos oferecidos pelo Interlegis e pelo Tribunal de Contas do estado. Nas pequenas cidades em direção à divisa com o Mato Grosso do Sul e o Paraná você encontra câmaras municipais praticamente abandonadas. São municípios pequenos e muito pobres, e muitas vezes o único computador que eles têm foi dado pelo programa do Interlegis - revela Calil, que percorreu aproximadamente 120 cidades no interior dos três estados, entre junho e novembro do ano passado.

Em compensação, Calil diz ter sido surpreendido pela atitude do presidente da câmara municipal de uma localidade do Xingu, na região amazônica, com apenas 3 mil habitantes. Como a administração se encontrava em período de recesso, o representante do legislativo local encaminhou os funcionários para um curso de aperfeiçoamento em Cuiabá (MT), localizada há mais de 1.800 quilômetros de distância daquele município.

- O próprio presidente da Câmara atendia a população, porque todos os funcionários foram fazer o curso para atender a comunidade. A viagem dos funcionários para Cuiabá é feita em mais de 30 horas, em estradas de chão em condições terríveis. Isso no Xingu, enquanto São Paulo têm estradas asfaltadas e os servidores não recebem incentivos para percorrer cem quilômetros para fazer um curso - compara o recenseador.

Resistências

Na avaliação de Calil, a iniciativa pioneira do Interlegis poderá contribuir para a inclusão dos vereadores no mapa do ordenamento político brasileiro e fornecer uma radiografia do legislativo municipal. Ele lembra que alguns municípios percorridos pelos recenseadores não aparecem nem nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

- O vereador é o político mais próximo da comunidade, ele sabe o que ela necessita realmente, algo que os gabinetes dos técnicos de Brasília desconhecem - ressalta.

Calil também identificou resistências ao aprimoramento da atividade legislativa junto aos próprios integrantes das câmaras municipais. Segundo ele, muitas casas legislativas funcionam como uma espécie de apêndice das prefeituras, e seus representantes preferem manter uma relação de subserviência com os prefeitos da região.

Ele relatou que em São Paulo, nas proximidades da divisa do Mato Grosso com o Paraná, encontrou situações absurdas, como o caso do presidente da câmara de uma localidade que mandou cancelar o acesso discado à Internet, que era de R$ 26 mensais, porque era muito caro, enquanto a câmara municipal pagava milhares de reais por mês de gasolina para seu carro particular.

Sem regimento

Para a recenseadora Sueli Moreira, que atuou em 26 dos 52 municípios de Rondônia, a principal deficiência verificada nas câmaras municipais do estado foi a ausência de regimento interno para orientar os trabalhos parlamentares. O trabalho da recenseadora teve início em agosto do ano passado, mas só pôde ser concluído em fevereiro deste ano devido à estação chuvosa da região.

- Foi um trabalho difícil, enfrentando muito barro, mas fiquei feliz de constatar a boa condição da estrutura física das câmaras municipais de Rondônia, em comparação com as de estados mais consolidados - relatou.

Sueli Moreira disse esperar que o censo sirva para o aperfeiçoamento profissional dos funcionários das câmaras e que o Senado e o Interlegis priorizem o trabalho nessa área.

Aprimoramento

Na avaliação de Kerginaldo Lucena - que atuou como recenseador em mais de 120 cidades do Rio Grande do Norte e Pernambuco, entre junho e julho do ano passado - a maioria das pequenas câmaras municipais do país trabalha de forma precária, não por culpa dos próprios servidores, mas em função do "contexto social". Segundo ele, cerca de 55 % das câmaras municipais do país já mantêm programas com o Interlegis, mas a iniciativa isolada não é garantia do aprimoramento dos trabalhos legislativos.

- Não basta o computador. É preciso dotar os funcionários de conhecimentos técnicos - alerta Lucena, ao ressaltar que a maioria dos vereadores brasileiros é formada por pessoas de pouca instrução, semi-analfabetos ou com o primário incompleto.

O trabalho dos recenseadores foi feito de forma voluntária. Os dados do 1º Censo do Legislativo serão encaminhados ao IBGE, ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). As informações também deverão ser encaminhadas às universidades e institutos de pesquisa do Brasil e do exterior.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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