Crise teve início com gravação clandestina de funcionário cobrando propina

Da Redação | 28/03/2006, 14h08

Depois de 11 meses, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios chega a seus últimos momentos. Nesta quarta-feira (29), ao meio-dia, o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), lerá o relatório final de uma CPI que centralizou a atenção do país por quase um ano.

A maior crise política do governo Lula - da qual resultou a queda de importantes auxiliares do presidente da República, como os então ministros da Casa Civil, José Dirceu, da Fazenda, Antonio Palocci, e da Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken - teve início em maio de 2005. A divulgação de uma fita de VHS em que o então chefe do departamento de Contratação e Administração de Material da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, aparecia recebendo R$ 3 mil em dinheiro, como suposta propina de empresários interessados em ganhar licitações dos Correios, provocou a criação de CPIs no Congresso. Na gravação, Marinho se dizia representante do então deputado federal Roberto Jefferson (RJ), presidente do PTB, que comandaria, segundo ele, um esquema maior de corrupção no governo federal.

Apesar de o requerimento para a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios ter sido protocolado no dia 18 de maio, a comissão somente foi instalada um mês depois, após várias tentativas para impedir seu funcionamento. Em 15 de junho, a CPI Mista dos Correios passou a funcionar, com o objetivo de "investigar as causas e conseqüências de denúncias e atos delituosos praticados por agentes da ECT".

Mesmo assim, os oposicionistas não ficaram satisfeitos e acusaram a CPI de "chapa branca", já que todos os cargos importantes ficaram com o PT e com o partido aliado PMDB: o senador Delcídio Amaral (PT-MS) ficou com a presidência, o senador Maguito Vilela (PMDB-GO), com a vice-presidência - ainda no início dos trabalhos, ele foi substituído pelo deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) -, e o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) ficou responsável pela relatoria dos trabalhos da CPI. Apesar das críticas, em pouco tempo esses parlamentares passaram a ser elogiados pela postura neutra que adotaram à frente da comissão.

Esquema

Antes mesmo de iniciar oficialmente seus trabalhos, a CPI dos Correios já era surpreendida por novas denúncias. Roberto Jefferson, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo e em depoimento na Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, não só confirmou a existência de um esquema de corrupção no governo Lula como denunciou ainda que deputados do PP e do PL vinham recebendo o que chamou de um mensalão para aprovar projetos de interesse do governo. O então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, acusado por Jefferson de ter conhecimento do esquema de compra de votos, pediu demissão do cargo no dia em que a CPI foi instalada, voltando para a Câmara dos Deputados, onde teria o seu mandato cassado no final do ano.

Foi Roberto Jefferson quem trouxe ao conhecimento da população o nome de Marcos Valério Fernandes de Souza, o responsável pela publicidade dos Correios e de outras estatais que, segundo ele, também estariam envolvidas no esquema de corrupção. Segundo Jefferson, era Marcos Valério quem fazia a distribuição do mensalão e o repasse ilegal de recursos que teriam sido utilizados em campanhas do PT e dos partidos aliados. O esquema, que ficou conhecido como valerioduto, teria repassado somente ao PTB R$ 4 milhões, segundo o próprio Roberto Jefferson.

A crise política também atingiu o então ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica (Secom) do governo Lula, Luiz Gushiken, acusado de intermediar os repasses das estatais para Marcos Valério. Apesar de ter negado qualquer ingerência da Secom nos contratos de publicidade ou em contas de patrocínio das estatais, Gushiken não soube explicar, por exemplo, como é que o Banco Popular, criado para ajudar famílias de baixa renda, teria gastado R$ 28 milhões em publicidade institucional e apenas R$ 24 milhões em empréstimos a seus clientes desde a sua criação, há pouco mais de dois anos. A Secom acabou perdendo o status de ministério para tornar-se um núcleo subordinado à Presidência da República.

Novas CPIs

Como o leque das denúncias abriu-se e não ficou mais restrito aos Correios, senadores e deputados resolveram criar outra comissão parlamentar mista de inquérito - a de compra de votos, que ficou mais conhecida como CPI do Mensalão, e que se destinaria somente à investigação das denúncias de pagamento de propinas a parlamentares. Presidida pelo senador Amir Lando (PMDB-RO), a comissão dividiu muitas tarefas com a CPI dos Correios, mas, no final de 2005, com o prazo final para seu funcionamento esgotado e sem que houvesse um pedido de prorrogação oficial protocolado em tempo hábil, foi obrigada a encerrar suas investigações sem sequer ter votado seu relatório final e apontado os beneficiários do esquema.

A criação da CPI dos Correios também abriu brechas para romper o bloqueio de mais de um ano para a criação de uma outra CPI: a dos Bingos, que ainda investiga as denúncias de que o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz teria cobrado propina ao bicheiro Carlinhos Cachoeira para beneficiar casas de jogos do Rio de Janeiro. A CPI dos Bingos foi instalada no dia 29 de junho do ano passado.

Com o desenrolar dos trabalhos, as denúncias passaram a envolver assuntos tão diversificados que, para melhor organizar-se, a CPI dos Correios desdobrou-se em cinco sub-relatorias, com o objetivo de descentralizar as atividades, agilizar os trabalhos e permitir o aprofundamento da análise em torno de assuntos relevantes. Surgiram, assim, as sub-relatorias de Contratos; de Normas de Combate à Corrupção; DNA, SMP&B; e Fontes Financeiras; Fundos de Pensão e IRB (Instituto Brasil-Resseguros).

Balanço

Até o final de 2005, a CPI dos Correios já havia realizado 85 reuniões e 87 tomadas de depoimentos. Nesse período, foram recebidos 1.697 requerimentos, a maioria para convocação de depoentes (637) e de quebra de sigilo (558). Desse total, foram apreciados 1.428. A comissão também examinou 1.785 ofícios, totalizando um número de 3.213 documentos analisados pelos deputados e senadores.

Todo esse trabalho, no entanto, ainda não foi suficiente para se chegar a uma conclusão. No final do ano, um relatório preliminar da CPI divulgou o que a sub-relatorias já haviam concluído: o valerioduto não era financiado apenas com recursos de estatais, como pensavam a princípio os senadores e deputados, mas também com dinheiro de empresas privadas, por meio de contratos de publicidade firmados com Marcos Valério. Entre as empresas denunciadas, estavam várias de grande porte, como a Brasil Telecom, a Telemig Celular, a Amazônia Celular, a Usiminas e a Cosipa, além de instituições financeiras como o Banco Rural e o BMG.

As constantes novas descobertas fizeram com que a CPI dos Correios, que deveria ter encerrado suas atividades no final de 2005, tivesse sido prorrogada até abril de 2006. Os parlamentares ligados à CPI não pararam as atividades nem mesmo durante o mês de janeiro, quando ocorre o recesso parlamentar de final de ano. Nesse período, as sub-relatorias trabalharam a todo vapor para colher novos depoimentos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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