Fernando Bezerra: até o Banco Central concorda com o fim do monopólio cambial
Da Redação | 17/02/2006, 00h00
"Não temos a pretensão de ter apresentado o melhor projeto. Por isso, vamos ouvir todo mundo." É assim que o senador Fernando Bezerra (PTB-RN) reage às primeiras críticas feitas ao projeto de reforma cambial, que ele apresentou na semana passada junto com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).
Bezerra afirma que o mérito do projeto é abrir a discussão sobre o assunto, mas faz uma ressalva: até o Banco Central concorda em acabar com a chamada "cobertura cambial", ou seja, a exigência de que todo pagamento de importações passe pelo Banco Central, mesmo que o empresário tenha dólares no exterior, obtido com exportações, capazes de pagar a importação.
- Não há falta de dólares, não temos crise cambial. Então, por que continuar onerando um empresário com três ou quatro por cento na operação cambial? No competitivo mercado internacional, esse percentual pode ser a diferença entre aumentar ou reduzir exportações - sustenta Fernando Bezerra.
O projeto vai passar por duas comissões nos próximos meses, quando será discutido na parte jurídica e econômica. Os autores já decidiram promover audiências públicas antes das votações, ouvindo não só o Banco Central e os exportadores, mas também economistas independentes.
Fernando Bezerra, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria e atual líder do governo no Congresso, acha que o maior debate se dará em torno do artigo que permite a qualquer brasileiro abrir contas em dólares em bancos brasileiros, desde que o dinheiro venha do exterior. O Banco Central é contra. Bezerra lembra: ninguém vai por a mão nos dólares e, por isso, a princípio ele não viu problemas na abertura dessas contas.
P - Este é um bom momento para fazer uma reforma cambial, a poucos meses da eleição presidencial?
R - Não vejo problemas. A economia tem caminhado à margem do processo eleitoral. Esse é um tema muito difícil de ser entendido e, portanto, não afeta em nada o debate eleitoral. Quantas pessoas entendem de câmbio? O mérito do projeto é abrir uma discussão sobre o problema.
P - Uma das primeiras críticas feitas ao projeto sustenta que ele parte do princípio de que o Brasil não terá mais crises cambiais. No entanto, de 1982 para cá o país só não enfrentou dificuldades para arrumar moeda forte nos últimos anos. Como o Sr. vê isso?
R - Discordo disso. Se pensássemos que o Brasil não voltará a ter crise cambial, não teríamos colocado no projeto mecanismos que, acionados pelo Conselho Monetário Nacional, devolvem ao Banco Central, temporariamente, o monopólio do câmbio. Podemos até ter novos momentos de dificuldades, mas a saída é prevista no próprio projeto.
P - Os exportadores não ficam numa situação privilegiada entre os empresários brasileiros, pois eles poderão ter contas em dólares? Afinal, nos últimos anos os sucessivos governos têm tentado reduzir privilégios na área empresarial...
R - Não vejo deste jeito. Até o Banco Central entende que a cobertura cambial é um entrave às exportações. Ouvi do diretor Alexandre Schwartzmann [área internacional] que eles abrem mão dessa cobertura. A preocupação do Banco Central é com o nosso sistema financeiro.
P - Então o BC aceita o fim do monopólio cambial?
R - Eles não têm objeção quanto à cobertura cambial. A dúvida do Banco Central é se os exportadores devem ter as contas em dólares aqui ou se é melhor para o país que as contas fiquem lá fora. Eles temem que, se as contas em dólares ficarem no Brasil, numa crise o Banco Central teria de usar as reservas internacionais do país para cobrir as transferências.
P - Eles têm alguma sugestão para superar isso?
R - Eles concordam que os dólares das exportações possam ficar em contas lá fora. No entanto, acham que, se os dólares entrarem no Brasil, deve haver o câmbio. A princípio, eu não vi o problema que o Banco Central aponta e, por isso, resolvi deixar esta parte no projeto para as discussões no Congresso. O BC já opinou sobre isso e, agora, vamos ouvir opiniões de especialistas. Eu não sou especialista em área cambial e a intenção do projeto é debater o assunto com a sociedade. É um tema árido, mas nem por isso deixa de ser importante. A verdade é que temos de cada vez mais negociar com o exterior e a cobertura cambial obrigatória é um entrave ao aumento do comércio exterior do Brasil. Eu, na minha condição de não-especialista, achava que não tinha risco o brasileiro ter conta em dólares aqui dentro, desde que o dinheiro viesse de exportações.
P - Há quem acredite que o exportador, ao manter os dólares numa conta e com possibilidade de investir no Brasil, passe a especular contra o real, tentando aumentar a cotação do dólar aqui dentro. Há esse risco?
R - Também não vejo assim. Se o exportador segurar um pouco mais o dólar lá fora, ele estará promovendo uma certa estabilidade monetária. Não podemos nos esquecer que o Banco Central hoje compra dólares no mercado interno. Não acredito que esse exportador tenha poder de especular contra o real, que possa mudar bruscamente a cotação aqui dentro.
P - Mas se ele conseguir, mesmo de forma lenta, o dólar mais caro pode gerar inflação aqui dentro, por causa das importações mais caras...
R - Se o dólar subir, não será por causa das contas em dólares mantidas pelos exportadores. Hoje, eles já podem segurar o câmbio por 210 dias. A verdade é que há espaço para o dólar subir, mas não tem havido espaço para o juro cair. A simples queda dos juros vai contribuir para que o valor do dólar cresça uma pouco.
P - O Sr. justificou o projeto dizendo que a obrigatoriedade de que todo dólar passe pelo Banco Central custa até quatro por cento para o empresário. Se isso acabar, o governo não perderá alguns bilhões de receita?
R - Não sei qual será o impacto sobre a receita do governo. Mas sei o quanto três ou quatro por cento pesam para o exportador. Um percentual desses no mercado internacional é muita coisa e pode ser a diferença entre aumentar ou não as exportações.
P - O governo tem algum compromisso com o projeto?
R - Não. Quando nós fizemos o projeto, procurei ouvir alguns setores do governo, mas em caráter informal. Não temos a pretensão de ter apresentado o melhor que se poderia fazer na área cambial. O grande mérito do projeto é promover a discussão, quando o governo manifestará seus pontos de vista.
P - Um dos artigos do projeto revoga a Lei de Remessa de Lucros (4.131/62). Isso foi questionado por alguns críticos, por temerem que os investidores estrangeiros possam ficar melindrados. Para eles, os investidores internacionais preferem os países com legislação estável, sem alterações a longo prazo.
R - Este é um ponto a ser discutido. Mas a mudança está sendo proposta em projeto de lei complementar, que é longamente discutido no Congresso. Não é uma medida provisória, de efeitos imediatos. Se chegarmos à conclusão de que esta lei não deve ser revogada, isso pode ser alterado. Uma das idéias do projeto é unificar a legislação sobre câmbio.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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