Abertura dos Trabalhos Legislativos - 2006

Da Redação | 15/02/2006, 00h00

Senhoras e Senhores Congressistas,

Ao longo dos últimos 180 anos, mais que um ato simbólico, esta solenidade adquiriu o significado de celebração.

Aqui, cultivamos todos os dias a Liberdade, o ritual da Democracia e o culto à Soberania do povo brasileiro.

Nos anos em que deixamos de realizá-los, não foi por não querer, mas por não poder celebrá-los. E a impossibilidade de fazê-lo sempre foi um sinal de alerta para a Nação.

Nem sempre que aqui se calou a voz do povo, silenciaram também os protestos, as reclamações e o clamor de seus representantes. Por isso, em todos esses casos, eles foram sempre as primeiras vítimas do arbítrio e da violência que contaminaram o poder político em seus excessos, sempre condenados pelos homens e execrados pelo juízo sereno da História.

 Nesses momentos, não deixamos de ser uma Nação. Mas éramos uma Nação inanimada, vencida, pálida, padecendo a paz soturna dos cemitérios, de que falou o grande e inesquecível "estadista do Império", Nabuco de Araújo.

Sempre que daqui desertou a Imprensa e se impediu a convivência, saudavelmente conflituosa, dos profissionais que todos os dias celebram conosco as conquistas e conosco lamentam os retrocessos por que passamos, nessa via conturbada e fugaz a que damos o sugestivo nome de processo histórico, esse afastamento foi um sinal de alerta.

Pode haver Congresso sem Democracia -- mas não existe Democracia sem Congresso. Nenhum Parlamento, aqui ou em outra parte do mundo, sobrevive sem a crítica e na ausência das primeiras e mais caras das liberdades: a da livre manifestação do pensamento, que se materializa com a liberdade de Imprensa.

Reivindicações e protestos fazem parte do ofício que aqui se exerce todos os dias, em busca do consenso, ideal sempre perseguido, mas nem sempre alcançado. A palavra é o nosso principal instrumento. Falar é o nosso ofício, mas ouvir, a nossa primeira missão e maior obrigação. Sem ouvir a voz das ruas, não exercemos dignamente o mandato.

Há mais de um século, o Presidente Campos Sales, restaurador da abalada estabilidade financeira do país, cunhou o termo que ele mesmo chamou de "política dos Estados". O povo e a imprensa, porém, foram os responsáveis pela expressão de como esse termo passou à História: "política dos Governadores".

Ele a sintetizou em apenas uma frase: -"O que querem os Estados, quer a União". Vivíamos o advento de um novo e inédito regime, a Federação, depois de quase quatro séculos de centralização do poder. Os Estados e seus Governadores eram, efetivamente, o único elo que ligava o poder central aos novos Estados na recém proclamada República Federativa. Os tempos mudaram e, com eles, o Brasil.

 A prática defendida por Campos Sales, teve que se adaptar às transformações que mudaram a fisionomia da Nação. E, se tivéssemos que sintetizá-la, em nova versão, teríamos que dizer hoje: "O que quer o povo, quer o Congresso".

O processo político brasileiro viveu, no ano legislativo que ontem se encerrou, uma de suas mais inquietantes e prolongadas crises, cujas repercussões ainda não foram inteiramente superadas. Métodos e práticas inaceitáveis - delituosas muitas delas - afetaram a legitimidade do sistema eleitoral, suporte e principal fundamento da Democracia representativa.

Urgia agir com presteza, como em outros momentos de nossa História. O País testemunhou a dedicação no encargo de ouvir testemunhas, afrontar mentiras, ouvir evasivas e engolir manobras de acusados.

Um esforço na busca dos elementos que permitam oferecer ao Ministério Público, quando for o caso, os elementos de convicção e as provas materiais que lhe habilitem a produzir as peças acusatórias sobre as quais a Justiça dará o seu veredicto. Sentenças que não são exclusivas do Judiciário. A sociedade saberá julgar aqueles cuja estatura não estiver à altura dos mandatos.

Não posso deixar de expressar publicamente o reconhecimento e de manifestar meus agradecimentos - em nome da instituição que tenho a honra de presidir - aos Deputados e Senadores que, nas Comissões Parlamentares de Inquérito, vêem executando, com zelo, equilíbrio e competência, os seus deveres, sem que por isso a Câmara e o Senado tenham deixado de cumprir os seus deveres votando projetos de interesse do País.

A decisão conjunta de convocar extraordinariamente o Congresso foi fundamentada na convicção de que, interromper o curso das investigações, paralisar a contagem dos prazos regimentais para o exercício do sagrado direito de defesa seria prejudicial, não somente às instituições, mas, sobretudo, afrontaria as expectativas da sociedade brasileira.

Quando se fizer o balanço de uma das mais conturbadas quadras por que passou o Congresso, os brasileiros hão de fazer justiça à serenidade, ao equilíbrio e à responsabilidade que cercaram a mais densa, a mais intensa, a mais longa, a mais abrangente das investigações públicas já realizadas, aqui e em qualquer outra parte do mundo.

Não hesitamos em expor, crua e publicamente, como convém a toda Democracia, os defeitos, as falhas e as mazelas que perturbaram e macularam o sistema eleitoral do País.

Reconhecer os erros é uma virtude.

 Defendi mudanças no discurso de minha posse. Portanto, corrigir os defeitos é uma obrigação, um gesto de humildade. Somente as instituições permeáveis às mudanças, que respeitam a crítica, que têm coragem de se depurar, corrigir seus erros, conseguem manter a confiança da sociedade, cada vez mais atenta e fiscalizadora.

 Por isso, estamos discutindo medidas para prevenir os abusos eleitorais já identificados e comprovados. A verdadeira mobilização nacional, provocada pelo funcionamento simultâneo de três CPIs, causou sobressaltos, mas não impediu o cumprimento dos demais deveres.

O volume das matérias aprovadas pelas duas Casas do Congresso extrapola os resultados de várias outras sessões legislativas. Não apenas pela quantidade de deliberações, mas pela qualidade. Destaque-se, entre outras, a legislação infraconstitucional do Poder Judiciário, o combate ao desmatamento, o fim da verticalização e outros temas relevantes para o País, com a reforma eleitoral de emergência.

Uma vez mais, porém, é meu dever, como já tenho feito publicamente dizer, pelo menos em relação ao Senado, que, em nada menos do que 65% das sessões ordinárias, o Plenário ficou impedido de deliberar, por ter a pauta de decisões relevantes sido trancada pela banalização de medidas provisórias. Daí a modificação que fizemos.

Claudicante no início - é verdade -, porque convocado para o dia 16 de dezembro, a convocação revelou-se produtiva. Mais do que eliminarmos vícios antigos, os números são desapaixonados e eloqüentes. Em 43 dias úteis, o Senado Federal realizou 42 sessões e aprovou 123 matérias. No mesmo período a Câmara fez 34 sessões e votou 101 matérias, em sua maioria, importantes para o País.

Se mais não foi feito, registre-se que está é uma Casa política onde não há forças hegemônicas e várias matérias - como Orçamento e o Fundo da Educação - converteram-se em cavalo de batalha entre Governo e Oposição, às vésperas da eleição.

 Feito o balanço que os costumes legislativos recomendam, é meu dever lembrar as circunstâncias sob as quais iniciamos um ano decisivo para a experiência e a vivência políticas do País.

Pela segunda vez em nossa História política, vamos testar o instituto da reeleição depois de mais de cem anos de vedação constitucional. Este é um ano de eleições gerais, o mais importante de todos os eventos que caracterizam o regime democrático brasileiro.

Vamos, de novo, celebrar a democracia representativa, na mais significativa de suas liturgias - as eleições. Confiamos que seja um pleito tranqüilo, tal como têm sido os dos últimos anos, desde que as eleições - exemplo para o mundo - foram informatizadas. E esperamos que as medidas adotadas pelo Congresso as livrem dos métodos espúrios de financiamento irregular.

Mais uma vez, tal como fiz ao assumir a Presidência, espero que a sensibilidade das Senhoras e dos Srs. voltem suas vistas e suas preocupações para tentarmos modernizar, agilizar e desburocratizar o processo interno de aprovação do Orçamento, nossa primeira e principal obrigação, desde que foi a fonte inspiradora da criação do mais antigo Parlamento do mundo.

Estou convencido, como a maioria do Congresso, de que é preciso pôr um limite à escalada sem fim do aumento da carga tributária - hoje uma verdadeira expropriação - que a Nação tem sido obrigada a suportar nas últimas décadas, reflexo do fato de a reforma tributária aprovada pelo Senado ainda não ter sido concluída. Definir previamente programas essenciais ao desenvolvimento nacional insuscetíveis de contingenciamento, e aos quais se restringiriam as emendas parlamentares, seguramente contribuiria para tornar essa prática insuspeita.

Esta, porém não é a única área que exige medidas moralizadoras. Para coibir os abusos representados por milhares de obras inacabadas em todo o país, situação que constrange todos os governos e desperta a justa indignação dos brasileiros, é preciso uma ação permanente e conjunta dos três Poderes, atuando direta e sistematicamente, mediante programação plurianual, e de forma preventiva, para erradicar de vez este mal.

Outro impasse que pretendemos superar em 2006 é o dos precatórios.

Hoje, as dívidas judiciais dos Estados está em cerca de 43 bilhões de reais. E as dos Municípios em torno de 20 bilhões.

A convivência harmônica com o Poder Judiciário permite que, hoje, os Ministros e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, esteja aqui também para apresentar uma engenhosa e criativa proposta para os precatórios que o Senado e a Câmara -- tenho certeza -- analisarão com a atenção merecida.

No âmbito interno, criamos uma comissão para alterar o Regimento Interno - em face da modernidade - e tornar o processo legislativo mais ágil. A mudança deve levar em consideração a urgência de medidas essenciais à eficiência do poder público e que, ao mesmo tempo, atendam aos reclamos da população nas proposições que digam respeito ao interesse coletivo e evitem tratamento privilegiado às pressões corporativas, nem sempre legítimas, mas admissíveis em toda Democracia.

 Da mesma forma, acredito que seria útil para a produtividade de nossos trabalhos, regularmos e limitarmos as sessões solenes, especiais e comemorativas, restringindo-as àquelas que sejam de extrema relevância.

Acredito que, a despeito das dificuldades a serem ainda superadas, temos condições de dar à opinião pública brasileira as respostas que de nós espera a sociedade.

É um avanço termos eliminado a antiga e indefensável prática do pagamento extra nas convocações extraordinárias do Congresso e, mais do que isso, termos abreviado o período de recesso, ampliando a duração das sessões legislativas. Um binômio de regalias condenado pela sociedade que alimentava um círculo vicioso a provocar as desgastantes convocações extraordinárias.

Ao homem público, não cabe aguardar elogios por cumprir suas obrigações. Esta prestação de contas é um dever do Congresso Nacional. Investigar, punir culpados por corrupção, eliminar privilégios e votar projetos para uma sociedade mais justa é uma obrigação de todos. Sempre que houve uma sintonia entre a atuação do Poder Legislativo e as aspirações da sociedade - de onde provém nossa legitimidade - todos ganham. Pois a Câmara e o Senado são instituições onde não se entra ou se permanece contra a vontade do povo brasileiro. Devemos continuar assim: moralizando e valorizando o Legislativo.

Muito obrigado!

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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