Em sessão, participantes pedem homologação de parecer que garante atendimento a alunos com TEA

Bárbara Gonçalves | 01/04/2024, 14h56

Parlamentares, educadores e membros da comunidade autista defenderam nesta segunda-feira (1º) a homologação, pelo Ministério da Educação, do parecer elaborado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) que garante avanços como a matrícula sem discriminação por deficiência e a inclusão plena dos estudantes com transtorno do espectro autista (TEA) em todas as atividades escolares, com as devidas adaptações necessárias. A sessão plenária do Senado destinada a celebrar o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo foi marcada pela defesa da inclusão.

O senador Flávio Arns (PSB-PR), um dos requerentes e responsável por conduzir os trabalhos, ressaltou a importância do evento na conscientização das pessoas. Ele enfatizou a importância de se ampliar o entendimento sobre o autismo, enfrentar o preconceito e superar os desafios cotidianos associados a essa condição. Para o senador, essa batalha requer uma dedicação incessante e um compromisso firme com a implementação efetiva das leis já existentes:

— Há alguns anos, a data tem servido para estimular o debate social e parlamentar de modo a  resultar em inovações legislativas e em novas medidas de apoio tanto aos indivíduos, às pessoas com transtorno do espectro autista, crianças, adolescentes, adultos, idosos, quanto a seus familiares, aos profissionais da saúde, da educação, cuidadores, professores e demais pessoas envolvidas (…). Serve para discutimos a legislação e as políticas públicas voltadas a essa população e para os seus cuidadores. Mas esse debate não pode acontecer em função de uma data. Tem que ser permanente e envolver toda a sociedade.  

A deputada estadual Andrea Werner (PSB-SP), que é autista no grau 1, disse que o transtorno do espectro autista definiu a vida dela de diversas formas, desde a maternidade até a sua atuação profissional. Mãe de Theo, que também é portador do transtorno, mas no grau 3, Werner informou que o filho, de 15 anos, estuda em escola pública comum, indicando que a inclusão é possível quando as leis são cumpridas e as políticas públicas são elaboradas e aplicadas com base em evidências científicas. 

Nesse sentido, ela defendeu a aplicação do parecer 50, documento orientador do Conselho Nacional de Educação para que, entre outras ações inclusivas, seja assegurado o acompanhante especializado nas escolas públicas. Ela ainda elencou como essencial o diagnóstico precoce no Sistema Único de Saúde (SUS) e a garantia dos tratamentos necessários, tanto na rede pública como por meio dos planos de saúde:

— E é por isso que a gente precisa voltar para a conscientização, porque é preciso entender que pessoas autistas são diferentes, portanto elas precisam de suportes diferentes. Alguns precisam de suporte que seja só pedagógico, outros precisam de suporte que é pedagógico e terapêutico, alguns não precisam de suporte específico na escola. Só que a gente tem que entender que a acessibilidade para um autista é diferente da acessibilidade para um cadeirante, para um surdo, para um cego.

O parecer 50, aprovado pelo CNE em 2023, é entendido pela comunidade autista como um “guia essencial”, baseado em evidências científicas, para assegurar um atendimento adequado aos estudantes com transtorno do espectro do autismo no ambiente educacional. 

O texto prevê o envolvimento de agentes terapêuticos — psiquiatras, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, neurologistas, psicólogos, entre outros — no Atendimento Educacional Especializado (AEE), bem como na elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI) e do Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE). 

Edilson Barbosa, diretor do Movimento Orgulho Autista Brasil, reforçou o pedido para que o ministro da Educação, Camilo Santana, homologue o parecer. 

— O parecer 50 do CNE discutido com especialistas, com entidades, vai mudar a vida dos autistas.  Por isso, ministro da Educação, Camilo Santana, homologa porque vocês vão ter o PEI [Plano Nacional Individualizado], vocês vão ter as famílias nas escolas através de algo escrito — defendeu Barbosa ao pedir aos senadores que também criem um observatório, no âmbito do Senado, para acompanhar a aplicabilidade das leis já existentes. 

Monitoria e capacitação 

Érica Lemos, especialista em autismo, professora e mãe atípica, alertou para o cenário preocupante na educação. Ela relatou que muito profissionais da área estão sofrendo com a Síndrome de Burnout. Na avaliação dela, o Brasil precisa avançar e aplicar um corpo interdisciplinar nas escolas e assegurar o apoio aos educadores:

— Não existe inclusão sem capacitação. Então o professor que está hoje na sala de aula ele é tão vítima quanto as crianças, os próprios alunos autistas. Porque eles se deparam com crianças [com autismo] de nível 1, 2 e 3 de suporte, em escola em tempo integral. Agora como é que essa criança tem condição de acompanhar uma escola de tempo integral se ela precisa fazer, no contraturno, as terapias. Mas que terapias, que o Sistema Único não contempla? Essas crianças estão desreguladas. Os professores estão ficando doentes, solicitando afastamento e não se trata de má vontade. Não se trata de não ter amor no coração, é uma visão muito romantizada essa. O professor precisa de capacitação, ele precisa de recurso, ele precisa de apoio especializado. 

Para auxiliar na aplicação dessa política pública, Lemos entregou ao senador Flávio Arns uma sugestão de projeto de lei que institui o Programa Nacional de Incentivo à Capacitação Técnica para o Atendimento e a Assistência às Pessoas com Deficiências na Área de Reabilitação, Inclusão Escolar e Assistência Social. 

Desde 2012, a Lei Berenice Piana (Lei 12.764 de 2012), instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e reconheceu o autismo como uma deficiência, assegurando todos os direitos de inclusão e assistência. No entanto, os participantes da sessão alertaram para a necessidade de cuidados especializados para o portador de TEA, principalmente no ambiente escolar, já que ele requer vários níveis de suporte, indo desde a exigência de poucos recursos até um cuidado mais específico, quando o aluno é um autista não oral e apresenta crises. 

Caroline de Souza, autista de nível de suporte 2, não oral, pedagoga e influenciadora digital, utiliza de ferramentas de comunicação aumentativas para se comunicar e fez um depoimento que emocionou os presentes. Ela falou justamente sobre as enormes barreiras para portadores de TEA que necessitam de suporte 2 e 3: 

— O mundo não foi pensado para nós, ele não nos quer, mas nós existimos. Autistas nascem, crescem, se tornam adultos, idosos. E o que nos aguarda? Autistas de suporte maior tem muitas demandas que precisam ser atendidas. Nós precisamos de políticas públicas pensadas para nossas necessidades. Precisamos que as leis que já existem sejam cumpridas, precisamos que a sociedade pare e pense em nós. A inclusão em todos os âmbitos sociais não é um favor, ela é um direito. Mas nós passamos a vida lutando ter o mínimo de dignidade, de qualidade de vida. Nós não queremos apenas sobreviver. Queremos viver bem, como qualquer outra pessoa. O nosso lugar é onde quisermos estar e não iremos nos retirar. 

Érika Dellavechia, presidente do projeto social Angelina Luz, de porto Alegre, também se juntou a Caroline Souza e reforçou o pedido de atenção para assistência e inclusão das crianças autistas não orais; “São crianças não pertencentes à escola”. 

Saúde

Outra queixa trazida pelos participantes foi relacionada ao descaso no campo do atendimento à saúde. Eles citaram preocupação com o diagnóstico tardio na rede pública, citando exemplo de mães que aguardam até dois anos por um laudo. Já na rede privada, eles relataram denúncias de aumento no valor do plano de saúde em mais de 50% ou o cancelamento unilateral quando o cliente possui TEA. Além de citarem a ausência de lugares especializados adequados para tratamento e a falta de especialistas preparados no processo diagnóstico. 

Flávia Marçal, professora da Universidade Federal do Amazonas, reconheceu que desde 2012 houve um avanço significativo em relação às políticas públicas voltadas a essas pessoas, mas disse que é preciso dar mais passos à frente na inclusão dos autistas em tratamentos de saúde. Ela mencionou como exemplo a criação dos centros especializados em transtorno do espectro autista. 

— Não é possível se avançar numa política mais ampla para todas as pessoas com deficiência se nós não enxergamos as particularidades do transtorno do espectro autista. Por isso a criação de centros especializados é essencial para que, inclusive, o país possa desenvolver mais pesquisa no campo da saúde dos cidadãos nessa condição. 

Priscilla Damasceno, servidora do Senado e portadora do transtorno nível 1, mãe de dois filhos com TEA em nível 2 de suporte, destacou as dificuldades encontradas na área da saúde, principalmente no que tange ao diagnóstico. 

— Infelizmente, com o autismo, descobrimos que a sociedade em geral ainda não está adequadamente preparada para acolher os autistas com suas características peculiares. Descobrimos, também, que a oferta de diagnóstico e tratamento adequado do transtorno do espectro autista é bastante limitada, até mesmo para pessoas com acesso a bons planos de saúde e consultas particulares. Quem dirá, então, para a grande maioria da população, que depende do Sistema Único de Saúde?

Priscilla Damasceno integra o grupo SenAutismo, formado por servidores do Senado, e que reúne pais de filhos autistas ou portadores do transtorno. O objetivo do grupo é fortalecer a luta pela ampliação dos direitos dessas pessoas. 

Simbolismo

Por várias vezes o senador Flávio Arns ressaltou o simbolismo da sessão ao destacar que as crianças e adolescentes com TEA estavam compondo a mesa. Uma delas foi Arthur Campos Oliveira, estudante da cidade de Taguatinga. O garoto lembrou que o autismo foi reconhecido como uma deficiência, e por isso o portador merece ser respeitado nos seus direitos e como senso de humanidade:

— O grande inimigo das pessoas com autismo é o bullying. É o que muitas pessoas acabam passando. E isso acontece com todos, não é só com o autista. E isso acontece por causa das diferenças. Nós temos que respeitar as diferenças das outras pessoas. 

Ainda no início da sessão, o Hino Nacional foi cantado pelo cantor João Daniel, que também possui TEA e é integrante da banda Hey Johnny.

O Dia Mundial de Conscientização do Autismo é comemorado anualmente em 2 de abril, conforme data definida no calendário da Organização das Nações Unidas (ONU).

A estimativa é de que haja no mínimo dois milhões de pessoas com TEA no Brasil, mas o país ainda não dispõe de números oficiais sobre o contingente real. Pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) inseriu questões específicas sobre pessoas com essas especificidades no Censo Demográfico (2022), conforme determina a  Lei 13.861, de 2019.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)