Má gestão da água agrava escassez e desequilíbrio climático, alertam especialistas

Da Agência Senado | 23/03/2022, 13h33

Em alusão ao Dia Mundial da Água, a Comissão de Meio Ambiente (CMA) debateu em audiência pública nesta quarta-feira (23) como melhor gerir a água, especialmente em um cenário que pode ser de escassez crônica no mundo nos próximos anos.

O presidente da comissão, senador Jaques Wagner (PT-BA), alertou que o Brasil, por ter as maiores reservas hídricas do planeta, parece ainda não ter a dimensão da relevância geopolítica que o acesso ao recurso tem e terá no futuro, diante de um quadro de agravamento das condições socioeconômicas advindas das mudanças climáticas.

— O painel da ONU sobre mudanças climáticas, IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em inglês], alerta que esses fenômenos têm reduzido a segurança hídrica e alimentar de populações no mundo todo. Hoje, metade da população mundial sofre de grave escassez de água por ao menos uma parte do ano, devido a fatores climáticos e não climáticos. A insegurança alimentar aguda e ocorrências de inundações e secas aumentaram na África e nas Américas Central e do Sul — destaca Wagner.

O parlamentar chamou a atenção para o fato de que a contaminação da água no Brasil dificulta o acesso.

— Entre setembro de 2020 e março de 2021, o volume de água que chegou às hidrelétricas foi o menor em 91 anos. A Fiocruz e a Universidade Federal do Oeste do Paraná [Unioeste] ainda provaram, com base em dados da Bacia do Tapajós, que 75% da população da região têm taxas de contaminantes acima do recomendado pela OMS [Organização Mundial da Saúde], devido ao garimpo ilegal. Outras pesquisas revelam que 763 cidades, entre 2018 e 2020, apontaram que a água saída da torneira nestas cidades apresentavam substâncias químicas e radioativas acima dos limites recomendados pela OMS — apontou.

Devido a este quadro preocupante também no Brasil, Jaques Wagner defende, entre outras ações, que a educação ambiental seja transformada em matéria específica em todo o ensino brasileiro.

— A educação ambiental devia ser curricular. A maior parte da população brasileira ainda não tem noção das consequências do aquecimento global e seus impactos, inclusive no potencial risco do surgimento de novas pandemias. Setenta por cento das pandemias advém de zoonoses, da quebra do equilíbrio da natureza — concluiu o senador, exemplificando com o próprio caso da covid-19.

Novas pandemias

O teólogo e escritor Leonardo Boff, que tem décadas de atuação ambientalista, também participou da audiência. Com base em dados científicos, ele alertou que o planeta pode sofrer pandemias ainda piores que a covid-19 devido a desequilíbrios climáticos.

— Grandes cientistas como David Quammen, que previu o ebola e o coronavírus, afirma claramente que se não mudarmos nossa relação com a Terra até 2030, virá uma gama de vírus letais e eventualmente virá "the next big one", o grande, aquele que não poderemos combater e a que não seremos imunes. Não haverá vacinas, antibióticos e poderá haver uma dizimação da raça humana. Poderemos criar oásis de salvação, mas grande parte da humanidade pode desaparecer — advertiu.

Para Boff, o grande dilema da humanidade, especialmente do Brasil, é se ela irá tratar a água como um bem social ou uma mercadoria.

— A água é fonte de vida ou lucros? É mercadoria ou um bem natural, insubstituível? A água deve ser privatizada? O Brasil tem sido alvo das maiores empresas privadas desse setor, inclusive dos fundos ligados a George Soros, à Coca Cola e a grandes empresas norte-americanas, alemãs e francesas.

O teólogo ainda apontou que outro problema do Brasil é o alto desperdício.

— O Brasil é a potência das águas. Treze por cento de toda a água potável do mundo está no nosso país. Mas aqui é também desigualmente distribuída: 70% na Amazônia, 15% no Centro-Oeste, 6% no Sul e Sudeste e 3% no Nordeste. Mas 40% da água tratada no Brasil é desperdiçada — ressaltou.

Agravamento

O diretor-interino da Agência Nacional de Águas (ANA), Rogerio Menescal, garantiu que a ANA atua com base em quadros de agravamento das condições climáticas para os próximos anos.

— Nosso planejamento nesta área é baseado no IPCC, levando em conta o aumento em inundações e secas. Nossos cenários indicam a diminuição de disponibilidade hídrica nas regiões Nordeste e Norte, e aumento de inundações na região Sul. Ou seja, o país precisa trabalhar com cenários de adaptação a esses quadros — avisou.    

Já a representante da Articulação do Semiárido (ASA), Valquíria Smith, foi outra para quem o modelo econômico dominante no planeta tem dificultado o acesso regular de bilhões de pessoas à agua da forma como poderia ser. Segundo ela, este quadro no Brasil tem sido agravado por uma descaso às políticas públicas ligadas às mudanças climáticas nos últimos anos. Dentre as consequências desse descaso, Valquíria destacou os processos de desertificação das regiões do Semiárido.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)