Senadores divergem sobre PL dos Agrotóxicos

Da Agência Senado | 11/02/2022, 11h02

A aprovação em regime de urgência na Câmara dos Deputados, nessa quarta-feira (9), do Projeto de Lei (PL) 1.459/2022 , que revoga a atual Lei dos Agrotóxicos e flexibiliza as regras de aprovação e comercialização desses produtos químicos, repercute entre os senadores que, em breve, deverão analisar a proposta. A matéria retorna ao Senado em forma de substitutivo, após 20 anos de tramitação no Congresso.

O projeto original é do ex-senador Blairo Maggi (MT). A atual proposta é resultado da relatoria do deputado Luiz Nishimori (PL-PR), que em seu texto dispõe sobre pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação e exportação, embalagens e destinação final e fiscalização desses produtos.

Concentração do poder decisório no Ministério da Agricultura, alteração da nomenclatura agrotóxico, fixação de prazo para a obtenção de registros no Brasil — com possibilidade de licenças temporárias quando não cumpridos prazos pelos órgãos competentes —, e suavização da classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente são alguns dos pontos que polemizam a matéria.

Nessa quinta-feira (10), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco sinalizou que o PL dos Agrotóxicos terá trâmite “sem nenhuma especificidade” e será apreciado segundo critérios técnicos.

Presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), o senador Jaques Wagner (PT-BA) considera que o projeto pode colocar em risco o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assim como poderá ter impactos negativos sobre o meio ambiente, a biodiversidade e a saúde dos consumidores no Brasil e no mundo.

“Se avançar no Senado como veio da Câmara federal será um desastre do ponto de vista ambiental. Irá permitir que mais agrotóxicos cheguem à mesa dos brasileiros, além de promover o completo desmonte da regulação dos agrotóxicos no país. Claramente prioriza os interesses econômicos e põe em risco toda a sociedade, com repercussões de curto, médio e longo prazo, tanto para as gerações atuais quanto futuras”, diz.

Para se contrapor a esse projeto, o senador apresentou em 2021 o PL 3.668, que acelera o estabelecimento de um marco jurídico para a produção de bioinsumos, de forma a serem usados como meio de manejo biológico.

Ao classificar o projeto como “nocivo ao meio ambiente, à saúde e à economia brasileira”, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) afirma que um assunto como esse tem de ser tratado por especialistas e pela sociedade, sendo imprescindível nova análise das comissões relacionadas ao tema — CMA e Agricultura e Reforma Agrária (CRA) — com promoção de audiências públicas.

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também se manifestou contrário ao projeto que “passou no Senado em uma outra composição legislativa”.

“Somos contra essa tragédia do pacote do veneno. Estamos nos mobilizando numa estratégia de atuação para impedir de todas as formas a tramitação desta matéria. Precisamos avaliar com lupa os impactos danosos do texto. Está em risco a saúde de quem consome os produtos intoxicados por esses venenos, e os recursos naturais ficam extremamente contaminados - da terra à água” — expõe.

Segundo o senador pelo Espírito Santo, o atual governo bate recordes na liberação oficial de agrotóxicos no Brasil, um dos países líderes no uso desses produtos químicos. Somente em 2021 foram aprovados os registros de 550 novos produtos desta natureza.

 “O agronegócio é o carro-chefe de nossas exportações, e nosso mercado externo está exigindo o fim do desmatamento e dos agrotóxicos na cadeia produtiva. Inclusive a China já veio aqui dizer que acredita numa economia verde. Estamos na lanterna mundial”, completa Contarato.

Com a #nãoaopacotedeveneno, a senadora Zenaide Maia (Pros-RN) disse em sua rede social que “além de envenenar alimentos, poluir o solo e contaminar a água, as multinacionais que enriquecem com a venda de agrotóxicos ainda são premiadas, no Brasil, com generosas isenções de impostos! É isso o que queremos para o nosso país?”, questiona.

Favorável à proposta, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) pondera que o Congresso, sendo reformista, tem se de adequar à evolução da sociedade.

— O mundo todo evolui e também os defensivos agrícolas evoluem. E essa agilidade e modernização são importantes para termos cada vez mais alimentos seguros para a população brasileira e para os nossos clientes mundiais —, expõe Fávaro.

Nova nomenclatura

Diferentemente do projeto original, o substitutivo aprovado na Câmara altera a nomenclatura “agrotóxicos”, assim definida na Constituição Federal, para “pesticidas e produtos de controle ambiental e afins”.

— Essa questão da nomenclatura é um dos fatores mais estratégicos de mudança para tentar suavizar uma situação de iminente problema que se identifica, de tal forma a tentar legitimar a celeridade que se pretende agora com uma tramitação mais sumária concentrada no Ministério da Agricultura, — explica o consultor legislativo do Núcleo de Economia do Senado, Henrique Salles Pinto.

“Pesticidas e produtos de controle ambiental e afins” passa uma imagem de desenvolvimento sustentável, o que é bem questionável, segundo o consultor.

O argumento da bancada ruralista é de que em âmbito internacional se utiliza o termo pesticida, enquanto agrotóxico seria pejorativo, sendo, assim, necessária a modernização da legislação nacional.

Nessa mesma linha, os agrotóxicos também poderão ser denominados de “produtos de controle ambiental” quando forem aplicados em florestas nativas ou de outros ecossistemas, assim como em ambientes híbridos. Nesse caso, o registro estará a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Centralização

Para fiscalização e análise dos produtos para uso agropecuário, o projeto centraliza o poder decisório no Ministério da Agricultura e Pecuária. É essa pasta que deverá ainda aplicar as penalidades e auditar institutos de pesquisa e empresas.

Até então, há em vigência um sistema tripartite de decisão, que congrega a pasta da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, e o Ministério da Saúde, representado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

— Na perspectiva dos produtores rurais isso causa a demora no processo de aprovação dos agrotóxicos. Tem os que alegam que o processo demora até 8 anos para ser concluído por causa dessa burocracia dividida em três partes decisórias. Com a proposta atual, Ibama e Anvisa seriam consultivos, não teriam mais poder de decisão para aprovar ou não a regularização do agrotóxico. Por um lado, tende a haver um ganho de celeridade no processo, mas por outro lado torna extremamente frágil o argumento técnico na perspectiva da segurança dos produtos — explica o consultor legislativo.

Reanálise dos riscos

Enquanto a lei atual proibia expressamente o registo de produtos com substâncias consideradas cancerígenas ou que induzam deformações, mutações e distúrbios hormonais, entre outros, o projeto em análise suaviza e generaliza ao apenas definir como proibido o registro de pesticidas, de produtos de controle ambiental e afins que apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou meio ambiente.

Caberá agora ao órgão competente de registro avaliar o nível aceitável de risco.

— Nessa proposta se camufla o perigo do agrotóxico, ao se suavizar as consequências do seu uso para a saúde humana. O texto atual [Lei do Agrotóxicos] é extremamente rigoroso e não permitia a legalização de produtos que possam causar esses tipos de patogenias, como o câncer. Na proposta, há uma mudança de nomenclatura que dá margem a, no limite, legalizar produtos que podem causar câncer, desde que você tenha um alerta sobre os riscos para a saúde — explica Pinto.

Um caso emblemático, segundo o senador Jaques Wagner, é do glifosato, um herbicida amplamente usado da produção agrícola. Embora declarado cancerígeno em 2015, “ainda é o agrotóxico mais usado do país”.

“E o pior, é que a título de modernização, sumiram com a vedação ao registro de produtos que causam câncer, constante na legislação atual”, observa o senador.

Também ficou estabelecido que quando organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordos e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de pesticida, de produtos de controle ambiental e afins, caberá a autoridade competente tomar providências de reanálise dos riscos, em prazo de até um ano, prorrogável por mais seis meses.

Para isso, precisam ser considerados aspectos econômicos - fitossanitários e a possibilidade de uso de produtos substitutos. O órgão — Agricultura, no caso de pesticidas, e Meio Ambiente, no caso dos produtos de controle ambiental — deverá notificar os registrantes para apresentar a defesa em favor do seu produto.

O atual texto revogou, inclusive, a lista prevista na atual Lei dos Agrotóxicos que previa a impugnação ou cancelamento de registro a partir de manifestação de entidades, como as de classe, as de defesa do consumidor, do meio ambiente e partidos políticos com representação no Congresso.

Prazos

Para pesquisa, produção, exportação, importação, comercialização e uso o prazo máximo para inclusão e alteração de registro irá variar, conforme o caso, entre 30 dias a dois anos.

Para produtos novos são exigidos 24 meses, mas os destinados à pesquisa e experimentação poderão ser beneficiados com a emissão de um registro especial temporário (RET), devendo a análise do pedido ser concluída em 30 dias pelo Ministério da Agricultura.

Os produtos não analisados nos prazos previstos em lei também poderão receber um registro temporário (RT). Isso acontecerá desde que estejam registrados para culturas similares ou usos ambientais similares em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esses países devem adotar o Código Internacional de Conduta sobre a Distribuição e Uso de Pesticidas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Até então, o registro temporário abarcava somente aqueles destinados a fim de pesquisa ou experimentação. Com a nova regra, os parlamentares atendem pedido do setor industrial, crítico a longos prazos de espera.

Outra possibilidade é a de que instituições representativas de agricultores ou de engenheiros agrônomos ou florestais, conselhos da categoria profissional da engenharia agronômica ou florestal, ou entidades de pesquisa ou de extensão ou os titulares de registro possam pedir ao órgão federal registrante a autorização da extensão de uso de pesticidas já registrados para controle de alvos biológicos em culturas com suporte fitossanitário insuficiente.

Nesse caso, o órgão federal terá 30 dias para manifestação, com indicação alternativa para a cultura e o alvo biológico, caso o pedido seja indeferido.

Penalidades

A atual proposta legislativa inseriu no rol das penalidades o crime de produzir, armazenar, transportar, importar, utilizar ou comercializar pesticidas, produtos de controle ambiental ou afins não registrados ou não autorizados. Para os que os cometerem a pena prevista é de 3 a 9 anos de reclusão e multa.

Permaneceu com pena de 2 a 4 anos de reclusão e multa os atos de produzir, importar, comercializar e dar destinação a resíduos e embalagens vazias de pesticida, de controle ambiental em desacordo com a lei.

Não há mais definição de crime para empregador, profissional responsável ou o prestador de serviço que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente.

As multas passam a ser aplicadas no limiar de R$ 2 mil a R$ 2 milhões. O valor máximo anterior era de R$ 20 mil. O montante será definido proporcionalmente à gravidade da infração cometida, a partir da análise dos órgãos de registro e fiscalização.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)