Especialistas defendem responsabilidade social na parceria econômica com países da África

Da Redação | 16/04/2018, 21h01

A lógica predatória existente no período colonial não pode ser o centro da relação de cooperação externa com países da África. Essa é a opinião dos especialistas ouvidos em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE). O tema foi a influência chinesa na integração regional e no desenvolvimento econômico do continente africano.

O professor José Manuel Gonçalves, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest/UFF) disse considerar o relacionamento da China com a África emblemático. Para ele, tanto a China quanto o Brasil e a Índia são grandes parceiros comerciais da África, mas mantêm objetivos da época colonial: obter matérias-primas, o que não contribui para o desenvolvimento local.

Mesmo as rodovias e ferrovias que são construídas, de acordo com o professor, vão da fonte de matéria prima até o porto e não beneficiam a ligação de outras regiões isoladas dos países. As políticas sociais, muitas vezes, também são usadas para disfarçar o real interesse nas matérias-primas. Para ele, essas trocas com o continente africano ainda são muito desiguais e nem sempre podem ser chamadas de cooperação.

— O que é realmente crucial nesse momento na discussão é: vamos parar com essa impostura de dizer que todo relacionamento com a África é cooperação. Não é! É um relacionamento que dá lucro a alguém e dá mais lucro para fora do que para dentro [dos países africanos] — alertou o professor.

Na visão de Gonçalves, esses parceiros comerciais deveriam comprar, também, produtos industriais nas regiões onde há disponibilidade ou investir onde não há indústrias disponíveis. Como exemplo, ele citou grandes obras feitas na África, em que as empresas internacionais responsáveis poderiam criar fábricas de cimento.

Longo prazo

A professora da Universidade do Rio Grande do Sul Analúcia Danilevicz, coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos Africanos, discorda. Para ela, a postura de parceiros como a China nem sempre é meramente predatória. Ela disse ser preciso analisar não só a intenção de lucro, mas também o perfil da cooperação e o que ela pode produzir como efeito em médio e longo prazo.

Para a professora, a China obviamente busca na África recursos importantes para o seu próprio desenvolvimento, mas também oferece uma contrapartida, definida pelos governos africanos. Como exemplo, citou obras de infraestrutura conseguidas por meio de acordos de cooperação com os chineses, como as vias de ligação urbana de cidades em Moçambique, e a formação de recursos humanos, fruto da cooperação com o Brasil.

— Nós estamos falando de um novo tipo de cooperação, em que os resultados virão em longo prazo, mas que não está imune a todos os problemas que vão surgir. Muitas vezes são problemas que produzem algum impacto social, que também faz parte desse processo.

Analúcia Danilevicz afirmou ainda que é preciso olhar, por exemplo, para a influência da França, com uma presença militar, a atuar em favor de determinados grupos políticos de seu interesse. Ela disse considerar "pesado" deixar de fora da balança condições que realmente podem bloquear o desenvolvimento de países africanos. Para ela, esse não é o caso da China.

Código de conduta

Questionado pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que presidia a audiência, sobre o que o Brasil poderia fazer para realmente cooperar com o desenvolvimento do continente africano, o José Manuel Gonçalves lembrou que a África não tem recursos humanos para explorar seus recursos naturais, o que a fragiliza. Por esse motivo, um investimento essencial, segundo o professor, seria na educação.

Além disso, ele sugeriu a criação de um código de conduta para as empresas brasileiras que atuam no continente africano, já que algumas delas são acusadas de pagar até 50% menos para os trabalhadores locais.

O professor ressaltou que a África é o continente mais pobre e mais fragmentado do mundo, com a metade de seu produto interno bruto concentrada em apenas três países. A corrupção, explicou, reduz muito a capacidade de investimento. Os problemas institucionais de muitos países geram insegurança jurídica, o que também dificulta os investimentos. De acordo com Gonçalves, também é preciso resolver o problema do déficit de capital, fazendo com que recursos que estão foram do continente regressem.

— É uma espécie de desafio do continente, encontrar meios para que a África possa investir seriamente nela própria. Porque os interesses internacionais na África não são interesses que possam coincidir sistematicamente com o desenvolvimento. E talvez criar uma correlação de forças que obrigue uma nova leitura — sugeriu.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)