Afetadas pela crise, universidades poderão vir a contar com fundos patrimoniais

Da Redação | 03/08/2017, 09h35

Em meio às notícias sobre o sucateamento das universidades públicas federais e estaduais, que estão sem recursos até mesmo para atividades básicas de manutenção e pagamento de contas de água, energia e internet, o Senado analisa proposta que pode ajudar a alterar esse quadro. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 16/2015, que já pode ser votado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), permite a criação de fundos patrimoniais para financiar as atividades de instituições de ensino superior, fortalecendo o ensino e desenvolvendo a pesquisa de excelência.

A iniciativa da senadora Ana Amélia (PP-RS) aproxima o Brasil das melhores práticas internacionais, incentivando as doações para instituições de ensino, via dedução do Imposto de Renda devido pelos doadores pessoas físicas ou jurídicas, como ex-alunos e empresas parceiras.

“Não se trata aqui de desresponsabilizar o Poder Público para com o financiamento de suas instituições de ensino superior, mas sim de construir alternativas para a captação de recursos adicionais, de maneira sustentável e voltada para o longo prazo”, justifica a senadora.

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, onde a prática da filantropia e da doação a organizações não governamentais é arraigada entre a população, suas mais importantes universidades possuem fundos bilionários, os chamados endowment funds. O da Universidade de Harvard tem patrimônio estimado em cerca de US$ 35 bilhões. Outras, como Stanford, Princeton e Yale, administram fundos com riquezas estimadas entre US$ 20 e 25 bilhões.

Para o relator da proposta na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Armando Monteiro (PTB-PE), não é por menos que essas universidades são rotineiramente classificadas entre as melhores do mundo: há recursos para investimentos graças ao imenso patrimônio formado, seja por vultosas doações, seja pelo retorno financeiro das aplicações, propiciado por boas administrações independentes.

“A proposição, ao estabelecer um mecanismo para combater as restrições orçamentárias que as instituições públicas de ensino superior vêm enfrentando quanto ao desenvolvimento de suas atividades de ensino e pesquisa, vem ao encontro do anseio de todos nós por viver em um país mais desenvolvido”, sustenta Armando.

Públicas e privadas

O relator apresentou um texto alternativo na CAE, com modificações ao proposto originalmente, para permitir que universidades privadas sem fins lucrativos, fundações de amparo à pesquisa, organizações de fomento à cultura, museus e hospitais beneficentes também sejam autorizados a criar fundos patrimoniais. No texto original só havia a previsão para as instituições públicas de ensino superior.

A ideia é que os fundos patrimoniais sejam uma poupança de longo prazo, a ser investida com objetivos de preservação de valor e de geração de receita, tornando-se fonte regular e estável de recursos para as instituições a que se vinculam. Eles serão geridos por um conselho de administração composto, no mínimo, por cinco membros.

Haverá, ainda, um Comitê de Investimentos, composto por pelo menos três membros que tenham notórios conhecimentos e experiência nos mercados financeiros e de capitais. O comitê atuará como órgão consultivo na definição de regras sobre investimentos, resgate e utilização dos recursos.

Ainda pelo texto, normas relativas à política de investimento devem ser públicas e alinhadas, no que couber, às regras dos fundos de investimento existentes no mercado.

Arquitetura jurídica

Monteiro alterou, pelo substitutivo, a arquitetura jurídica dos fundos patrimoniais, que pelo projeto original seriam entes com personalidade jurídica de direito privado. Foi adotado como modelo o instituto jurídico denominado “patrimônio de afetação”, segundo ele relativamente recente no direito brasileiro. De modo específico, o formato a ser seguido é que já vem sendo usado pelos fundos imobiliários, regidos pela Lei 8.668, de 1993.

Na prática, os fundos serão “entes despersonalizados”, com patrimônio sob a propriedade fiduciária do instituidor — no caso, universidade, fundação ou associação privada. O texto deixa claro que, apesar de registrados pela entidade, os bens dos fundos não integrarão o patrimônio da entidade instituidora para qualquer efeito jurídico. Os bens dos fundos não poderão, por exemplo, responder por obrigações que sejam da instituidora.

Apesar de ser um instituto ainda novo, o “patrimônio de afetação” já vem tendo outras aplicações no país, de acordo com Monteiro. Como exemplo, citou o uso do modelo na criação de consórcios e nas incorporações imobiliárias, em que cada empreendimento possui patrimônio próprio, com contabilidade separada das demais operações da construtora, para maior segurança dos compradores.

Ao explicar o motivo de ter afastado a solução original de formatação dos fundos como entes com personalidade jurídica de direito privado, Monteiro disse que essa opção apresenta inconvenientes técnico-jurídicos. Como exemplo, disse que, a depender da legislação do imposto sobre doações (ITCD) em cada estado, haveria o risco de incidência desse tributo sobre os recursos do fundo quando valores fossem transferidos para uso do ente instituidor.

Deduções

Pessoas físicas terão um limite de dedução de até 6% do valor do Imposto de Renda devido. No caso da pessoa jurídica, o limite para dedução é de até 1,5% do lucro operacional na apuração do lucro real do Imposto de Renda e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). No parecer da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), o projeto havia sido aprovado com emenda que retirava a possibilidade de deduções para empresas, mas o relator resgatou esse ponto na CAE, que já constava do texto original.

Armando esclarece que o projeto apenas incluiu na legislação tributária novas modalidades de doação passíveis de serem dedutíveis do Imposto de Renda, sem alterar a renúncia de receita da União. Assim, eventual aumento de doações será acomodado dentro dos tetos já previstos para pessoas físicas e empresas (Leis 9.249 e 9.250, de 1995).

Restrições

No substitutivo, entre as restrições impostas para a operacionalização dos fundos, Monteiro determinou a separação contábil, administrativa e financeira em relação ao patrimônio do instituidor. A proposta também veda a utilização de recursos do fundo para a remuneração de qualquer agente público que tenha vínculo com o instituidor. Fica ainda proibido a criação e custeio de programas de previdência para dirigentes e empregados da entidade apoiada.

O texto apresenta ainda uma detalhada descrição de iniciativas que poderão ser custeadas com recursos dos fundos, no apoio a atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Dentro desse objetivo, será possível destinar recursos para reforçar e preservar o patrimônio da instituidora e financiar pesquisas e programas de extensão, além de bolsas de estudo.

A matéria está pronta para análise da CAE.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)