Congresso enfrenta reforma política após recesso

Dante Accioly | 24/07/2017, 18h38

Senadores e deputados voltam do recesso no dia 1º de agosto com um tema polêmico e urgente na pauta: a reforma política. Os parlamentares negociam mudanças no financiamento das eleições, no funcionamento dos partidos e até na forma de escolher vereadores e deputados. Mas, para entrar em vigor na campanha de 2018, as alterações precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado até setembro deste ano.

O deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política na Câmara, propõe a criação de um fundo de R$ 3,5 bilhões para bancar as eleições de 2018. Nos anos seguintes, o Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FFD) seria de R$ 2 bilhões. O relatório deve ser votado em agosto em uma comissão especial e também no Plenário da Câmara.

A criação do FFD divide a opinião dos senadores, que também vão precisar votar o texto da Câmara. De um lado, parlamentares lembram que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o financiamento de campanha por empresas e que as contribuições de pessoas físicas não são suficientes para cobrir todos os gastos. Para o senador José Medeiros (PSD-MT), sem a reforma “é quase impossível ter eleição”.

– O pessoal está desesperado porque hoje não tem financiamento de campanha. Vai ter que explicar bem para a sociedade que ou faz um fundo de campanha ou faz um fundo privado. O que não pode é dizer: “Olha, não tem financiamento de campanha”. Dinheiro não dá em árvore. Se não é privado, vai ter que ser público – disse Medeiros.

O relatório do deputado Vicente Cândido mantém a doação por pessoas físicas até o limite de 10% do rendimento declarado no Imposto de Renda. Os candidatos a cargos proporcionais (vereadores e deputados) poderiam financiar, com dinheiro do próprio bolso, até 5% da campanha de 2018. Mas isso seria proibido para os cargos majoritários (prefeito, governador, presidente e senador).

O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) defende a proposta de Vicente Cândido. Para ele, a decisão do STF deixou o financiamento “no limbo”.

– Tem que votar a reforma. Não há como entrarmos em um novo processo eleitoral com as regras que estão hoje valendo. Não pode ficar num limbo como está. Não se permite mais o financiamento privado de empresas, mas em compensação o fundo partidário não sustenta. Do jeito que está é o “me engana que eu gosto” – afirmou Flexa.

De outro lado, parlamentares alertam que a criação do FFD pode enfrentar desgaste social e econômico. O líder do PMDB, senador Raimundo Lira (PB), avalia que a aprovação da matéria “vai depender da opinião pública e da situação financeira do país”.

– As eleições precisam ser financiadas diretamente pelo próprio eleitor, não via Tesouro Nacional. Via Tesouro é um financiamento compulsório, não é espontâneo. Na medida em que o eleitor vá se acostumando a doar aos seus candidatos, acho que seria o melhor sistema – disse Lira.

Em junho, após um encontro com lideranças da Câmara e do Senado para discutir a reforma política, o presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), também se mostrou cauteloso sobre a criação de um novo fundo.

– Essa é uma matéria que tenho muita dificuldade de tratar. Não sei se a sociedade vai compreender você usar recursos novos para o financiamento de campanha num momento de dificuldade, crise e desemprego – afirmou Eunício.

Para a senadora Regina Souza (PT-PI), o FFD pode reduzir fraudes e irregularidades no financiamento eleitoral.

– É mais fácil fiscalizar. É só o Tribunal Superior Eleitoral montar um esquema de fiscalização que dá para pegar as pessoas que abusarem. Mas não deixa de ter aquela compra clandestina, que é o cabo eleitoral recebendo dinheiro para angariar votos. Isso está na cultura eleitoral deste país, infelizmente – disse Regina.

Prioridades para 2018

Além do financiamento das campanhas, três pontos estão na mira da reforma política negociada entre Câmara e Senado: novas regras para a escolha de vereadores e deputados; fim das coligações nas eleições proporcionais; e cláusula de barreira para o funcionamento dos partidos.

O deputado Vicente Cândido também relata uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 77/2013) que muda o jeito de escolher vereadores e deputados estaduais, distritais e federais. Hoje, eles são eleitos pelo sistema proporcional, em que todos os votos vão para os partidos e as coligações – e não para o candidato.

O relator defende um modelo misto: metade dos parlamentares continuaria sendo eleita de forma proporcional, enquanto a outra metade chegaria à Câmara pelo voto majoritário em distritos eleitorais.

– O eleitor passa a ter uma consciência plena de quem de fato o representa no parlamento. Elege-se deputado no distrito aquele candidato que obtiver o maior número de votos. Sem transferência de votos. Fortalece-se a relação entre representantes e representados e freiam-se as tendências fragmentárias típicas de sistemas unicamente proporcionais – afirmou Vicente Cândido.

De acordo com o relator, o sistema eleitoral misto valeria apenas a partir de 2020. Vicente Cândido sugere que, em 2018, os deputados federais, estaduais e distritais ainda sejam eleitos pelo modelo proporcional. Mas isso ainda não é consenso entre os parlamentares.

Os outros dois temas da reforma política também dependem de análise dos deputados. A PEC 282/16 foi aprovada no ano passado pelo Senado e aguarda parecer de uma comissão especial da Câmara, antes de seguir para o Plenário. A relatora é a deputada Shéridan (PSDB-RR).

O texto proíbe as coligações nas eleições proporcionais a partir de 2020 e impõe regras para que os partidos tenham acesso ao dinheiro do Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV. Pela proposta, só recebe o benefício a legenda que, em 2018, garantir 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara em pelo menos 14 estados, com 2% de votos válidos em cada um deles. A partir de 2020, o corte sobe para 3% dos votos em 14 estados.

Senadores defendem a cláusula de barreira. Mesmo aqueles de partidos que podem sofrer com as novas regras, como é o caso da Rede.

– O que não pode é continuar essa farra que está a política brasileira hoje. Um sistema político com 33 partidos, convenhamos, é inviável. Os partidos têm que se adequar à nova realidade: partido decente não pode concordar com o sistema político em que, a cada eleição, partido estabelece preço para ser vendido – disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A senadora Regina Souza defende uma regra de transição, para que a cláusula de barreira não prejudique legendas históricas, como o PCdoB.

– Temos muito partidos com consistência ideológica que podem ficar prejudicados, e isso é muito ruim. Mas tem também muita sigla de aluguel. Talvez fosse necessário fazer uma exceção para os que já estão no Congresso, conseguiram se firmar e têm representação. Mas a impressão que me passa é que muita gente tem uma gana de acabar com os pequenos, e principalmente com os ideológicos – avaliou Regina.

Pouco tempo

Com tantos pontos polêmicos na pauta, senadores têm uma dúvida: será que as mudanças serão aprovadas a tempo de valer nas eleições de 2018? Para Randolfe Rodrigues, as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal contra o presidente Michel Temer podem comprometer o calendário de votações na Câmara.

– Acho conturbado. É delicado porque ainda temos uma e depois mais duas denúncias contra o presidente da República para serem apreciadas pela Câmara. Acho que o tempo vai ficar muito apertado. Precisaríamos de um grande acerto entre Câmara e Senado para aprovarmos alguns pontos mínimos de consenso da reforma – afirmou Randolfe.

O líder do PMDB, senador Raimundo Lira, diz ter certeza de que uma reforma política ampla para 2018 é inviável.

– Não vai dar tempo. Até setembro, não vai dar para fazer uma reforma eleitoral consistente. Talvez sejam aprovadas uma ou duas questões pontuais. Por exemplo: o distritão, que vai deixar na cabeça do eleitor a certeza de que aquele deputado mais votado vai ser eleito – disse Lira.

O senador José Agripino (DEM-RN) está mais otimista.

– Não interessa clima desfavorável. Você vai ter que montar um esquema de votação compulsório porque, se não, você não tem eleição com regras definidas. Não interessa negócio de clima. Interessa que você vai ter que votar. Não tem plano B: ou vota ou vota – afirmou Agripino.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

MAIS NOTÍCIAS SOBRE: