Onda populista nos EUA e na Europa não é duradoura, avaliam especialistas

Da Redação | 08/05/2017, 21h39

A onda populista gerada pela saída do Reino Unido da União Europeia, conhecida como Brexit, pela eleição de Donald Trump e pelo crescimento de candidatos nacionalistas em eleições recentes na França, na Holanda e na Áustria não é um movimento final, e faz parte de um ciclo. Essa é a opinião de alguns dos especialistas ouvidos em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).

A audiência faz parte de uma série de debates promovidos pela comissão sobre o Brasil e a ordem internacional.  Desta vez, o tema era o populismo e crise de legitimidade política na Europa e nos Estados Unidos. Um dos principais temas discutidos foram as eleições na França. O centrista Emmanuel Macron, entusiasta da continuidade da União Europeia foi eleito no último domingo, derrotando a candidata de extrema direita Marine Le Pen.

Na opinião do professor Paulo Delgado, ex-deputado federal, um dos fatores que favoreceram Macron na França foi o fato de sua adversária, Marine Le Pen, ter oferecido um "discurso de pólvora". Ele disse acreditar que, em países onde há uma fricção muito grande no sistema político, como é o caso do Brasil e da Argentina atualmente, esse tipo de discurso não tem força.

- Não fale em pólvora perto de um povo esquentado. A saída do mundo é pelo centro, a saída do mundo é a moderação - afirmou.

Ciclos

Para o professor, o que continua em vigor são os chamados ciclos longos de Kondratiev, que indicam os efeitos cíclicos da economia mundial.  Ele disse acreditar que os movimentos que ocorrem hoje, no mundo, não são um destino final, mas uma consequência do fim de um ciclo em que estados centralizados diminuíam a tensão no mundo entre as pessoas comuns. Agora, com o fim das superpotências e a diminuição da tensão entre os líderes mundiais, o conflito se acirra entre os cidadãos, como mostra o número de expatriados que tentam ir para outros países.

O professor Mathias Alencastro, doutor em Ciência Política e especialista em política europeia e africana, também não acredita no caráter duradouro e na narrativa global da onda populista. Na avaliação do professor, tanto o Brexit quanto e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos tiveram razões locais para acontecer.

Alencastro avalia que o populismo, nesses dois casos, deu provas de incapacidade de governar, já que os participantes mais radicais dos movimentos foram excluídos e tornaram os movimentos genéricos. A eleição de Macron na França, disse o professor, reforça essa teoria e gera otimismo.

Eleições parlamentares

Já o professor Lucio Rennó, PHD em Ciência Política, acredita que é preciso analisar se as mudanças que ocorreram atualmente na política em vários países no mundo significam apenas ciclos de alternância de posições econômicas ou realinhamentos ideológicos reais. Por enquanto, segundo o professor, há indicativos de que Macron seja realmente algo inédito na política e isso pode ficar mais claro após as eleições legislativas na França, em junho.

- Os próximos momentos do Macron serão fundamentais porque teremos eleições legislativas na França. Temos a formação de um governo que pode ser reforçado ou renovado, dado o resultado eleitoral, mas a construção do governo Macron será um indicativo dos caminhos que ele irá trilhar ideologicamente. Talvez seja cedo para responder a essa pergunta – afirmou o especialista, ao sugerir um novo debate no futuro.

O presidente da comissão, senador Fernando Collor (PTC-AL), também aponta as eleições parlamentares na França como um fator que deve definir a direção do governo. Para ele, uma das principais questões que se colocam após a eleição de Macron é a sua capacidade de governar, já que as análises indicam que ele não conseguirá eleger um número significativo de deputados. Com isso, será preciso escolher com que discurso se aliar.

- Ele não poderá fazer um governo de coalisão juntando socialistas com republicanos porque são como água e óleo, não se misturam. Ele vai ter que optar entre governar com os socialistas e continuar com um governo que não deu certo, o do presidente François Hollande, ou governar com os republicanos - observou.

Brasil

Mathias Alencastro avalia que a eleição de Macron é positiva para o Brasil e significa mais abertura comercial, mais investimento em ciência e tecnologia e mais política externa. A exigência para o Brasil será de elevar o padrão de cooperação internacional. Para ele, o Brasil, agora, tem um panorama internacional mais claro para planejar no longo prazo.

- Tem dois caminhos: o Brasil pode tentar se alinhar em torno governo Trump, que está apostando em uma regressão tecnológica e civilizatória dos Estados Unidos, retirando financiamento das agências de energia, de meio ambiente e de ciência ou da União Europeia, da Angela Merkel e do Macron, que vão tentar fazer exatamente o contrário, elevar o padrão - afirmou.

Representatividade

O professor e mestre em Políticas Públicas Alex Canuto avalia que não há uma crise de representatividade, mas sim um aumento dela com a inclusão de novos grupos que antes não tinham espaço na política. Essa inclusão é propiciada, em parte, pela internet. A crise, afirmou, é uma alegação de grupos que antes tinham todo o poder e que, agora, o dividem com novos atores.

No Brasil, disse o professor, esse novo panorama pode ter reflexo nas eleições de 2018, mas há uma dificuldade para que isso ocorra: a falta de flexibilidade no sistema político que existe nos Estados unidos e na França, por exemplo. Ele citou a falta de previsão legal para as candidaturas independentes, que permitem a ascensão de novas lideranças.

- O nosso sistema político, eleitoral e partidário possui alguns filtros. É um sistema que, da forma como está construído hoje, favorece a construção e consolidação de oligarquias partidárias. Por exemplo, você não tem, no Brasil, o instituto da candidatura independente como tem nos Estados Unidos. Muitas vezes a gente vê as coisas se distorcendo para uma expressão que é usada muito na mídia: a  compra de partidos – concluiu.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)