Educadores pedem atenção à formação de professores na MP do ensino médio

Da Redação | 08/11/2016, 20h05

Em audiência pública nesta terça-feira (8), a comissão mista que analisa a medida provisória (MP 746/2016) da reforma do ensino médio ouviu educadores a respeito do projeto. Eles pediram que os parlamentares deem atenção à formação de professores na análise da matéria, uma vez que a nova estrutura do ensino médio exigirá mais dos docentes.

Maria Alice Setúbal, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, apresentou um estudo recente que afirma que 42% dos professores do ensino médio não têm a formação adequada nas disciplinas que ministram. Corrigir essa lacuna é, segundo ela, o “divisor de águas” para o sucesso de qualquer tentativa de reforma estrutural.

- Se estamos pensando em aprofundar percursos educativos para que os jovens tenham um conhecimento mais consistente da área escolhida, como professores que não foram formados naquela disciplina vão poder aprofundar esses percursos? - indagou.

Maria Alice Setúbal explicou que, dentro da perspectiva de flexibilização curricular estabelecida pela MP, será necessário que os professores tenham a capacidade de trabalhar os conteúdos de forma mais analítica e integrada. Esse ponto de vista foi compartilhado por Danival Roberto Alves, diretor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira. Ele considera preocupante implementar o currículo por áreas de conhecimentos sem formar docentes capazes de lidar com a interdisciplinaridade.

- Ainda estamos discutindo uma educação “por gavetas”. Nosso professor tem uma atitude nominalista e descritiva. O que ele vai fazer quando tiver à sua frente alunos que escolheram as ciências da natureza, e aumentado o tempo destinado a isso? Uma questão que precisa ser discutida em qualquer proposta de renovação do ensino é quem é o educador que estamos entregando, e que está sendo negligenciado - afirmou.

Ronaldo Mota, reitor da Universidade Estácio de Sá, observou que é preciso incorporar à docência um novo olhar, voltado menos para conteúdos pontuais e mais para ajudar os estudantes e processar conhecimentos, que são cada vez mais naturalmente abundantes na vida cotidiana.

- Há uma ultrapreocupação com a questão de conteúdos, o que é correto, mas ela não pode se sobrepor à questão metodológica. Caminhamos progressivamente para um mundo em que a informação estará totalmente acessível, instantânea e gratuita. É mais relevante se o aluno, no processo de aprendizagem, conseguiu amadurecer a sua capacidade de conhecer como ele aprende - explicou.

Desigualdade

Os participantes da audiência também manifestaram preocupação com a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, criada pela medida provisória. A ideia é criar um canal de financiamento direto entre o Ministério da Educação e as escolas que adotarem o ensino integral para seus alunos, de modo a estimular a expansão dessa modalidade.

Maria Alice Setúbal afirmou que essa política tende a favorecer mais as escolas particulares de classe alta, que são as mais propensas a implementar o ensino integral. Para ela, há o risco de que isso resulte em prejuízo para as escolas públicas, uma vez que haverá menos recursos disponíveis para o apoio a outros níveis da educação.

- Verificamos uma correlação consistente entre alunos que frequentam o ensino integral e um maior nível socioeconômico. Por que, num momento de crise, o MEC faz uma opção para transferir recursos para a educação integral, em vez de ampliar a jornada de todos os alunos do ensino médio? Vamos continuar reforçando a lógica da desigualdade? - perguntou.

A consultora legislativa Mariza Abreu, da Câmara dos Deputados, informou que, segundo estimativas do MEC, a política do ensino integral custará R$ 1,5 bilhão nos primeiros dois anos. Ela disse que, caso os sistemas públicos estaduais decidam investir no ensino integral, precisarão ter a garantia de que o dinheiro estará disponível, o que não é certo no momento atual de crise econômica.

- Acho que existe hoje uma enorme insegurança na relação dos entes federados com o governo federal quando se trata de financiamento de políticas. A primeira pergunta que o Congresso precisa fazer é de onde está saindo esse recurso, e qual garantia os estados podem ter de que esse dinheiro vai ser mantido no processo de implementação dessa política - observou.

Flexibilização

Outro fator de agravamento de desigualdades, segundo os participantes da audiência, pode ser a flexibilização curricular. Embora todos tenham elogiado a ideia e considerado-a uma modernização necessária, alertaram que ela exigiria grande comprometimento e rigor da gestão educacional para garantir a oferta igualitária a todos.

Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco, observou que só haverá plena liberdade de escolha de todos os estudantes tiverem todos os caminhos curriculares à disposição, e isso só será uma realidade imediata nos grandes centros metropolitanos, com maior oferta de escolas. Nos demais locais, disse ele, o poder público terá que intervir.

- O sistema custará mais, é incontornável. Nas áreas de baixa densidade demográfica terá que ser garantida a provisão de todas as trajetórias acadêmicas e técnico-profissionalizantes. Se o Estado não investir mais, necessariamente produzirá desigualdade estrutural - alertou.

Mariza Abreu citou um exemplo histórico para explicar os riscos que podem vir junto com uma mudança estrutural imposta a todas as escolas. Ela lembrou que, nos anos 70, o governo federal obrigou a implementação do ensino médio profissionalizante. O resultado, segundo a consultora, foi que as escolas particulares, com mais recursos, mantiveram seu currículo geral e criaram nova oferta, enquanto as escolas públicas, sem poder manter uma diversidade de atividades, tiveram que optar apenas pela profissionalização obrigatória. Assim, explicou Mariza, a distância de qualidade entre os dois sistemas aumentou.

Nova audiência

A comissão mista que analisa a MP 746/2016 fará nova audiência nesta quarta-feira (9), desta vez para ouvir presidentes de entidades sindicais e organizacionais de estudantes e professores: Carina Vitral, da União Nacional dos Estudantes (UNE); Camila Lanes, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes); Eblin Joseph Farage, da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes); e Iria Brzezinski, da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope).

Também participarão coordenadores de movimentos nacionais: Daniel Tojeira Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Monica Ribeiro da Silva, do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio; e Priscila Fonseca da Cruz, do Movimento Todos pela Educação.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)