Comissão de juristas debate financiamento e organização do esporte brasileiro

Da Redação | 20/10/2016, 20h57

A comissão de juristas que estuda e elaboração de um anteprojeto da Lei Geral do Desporto Brasileiro (CJDB) realizou audiência pública nesta quinta-feira (20) para tratar da estrutura organizacional do esporte no país e do seu financiamento. Representantes de entidades esportivas nacionais de vários níveis – da base ao alto rendimento – falaram de suas atuações e necessidades. A comissão foi instituída pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.

Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), defendeu a identificação das particularidades de cada subsistema esportivo (comitês, confederações, federações, clubes, escolas) para criar um modelo de financiamento e responsabilidades eficiente, que atenda às principais necessidades de todos.

No caso da sua entidade, ele relatou que o problema está na iniciação esportiva e no cultivo do hábito do esporte entre crianças portadoras de deficiência.

- No que tange às pessoas com deficiência, a escola, que deveria ser o agente de formação, mas não funciona dessa forma. Na maioria das vezes a criança é dispensada da aula de educação física e é alijada da vida esportiva porque não teve uma iniciação adequada. O comitê assume para si uma tarefa que é do Estado, que é capacitar os profissionais da rede pública a receber a criança com deficiência - disse.

Já Agberto Guimarães, diretor-executivo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), disse que o principal gargalo do órgão que representa é a transição de atletas da base para o profissional. Para ele, o COB precisa se focar no “topo da pirâmide”, e precisa de apoio do Ministério do Esporte para que haja renovação de atletas para desenvolver.

- Precisamos retroalimentar o sistema, para que novos atletas ocupem o lugar dos que terminam as suas carreiras. Existe um gap muito grande entre a formação e o alto rendimento, e às vezes a transição não é bem feita. A renovação não pode ser pura e simplesmente por talento ou coincidência de fatos. Temos que fazer com que isso aconteça a cada ciclo - alertou.

Ambos os representantes dos comitês comemoraram a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, e ressaltaram que o Brasil agora conta com estruturas físicas e expertise em grandes eventos que podem gerar benefícios ao esporte nacional e às futuras gerações, se bem aproveitados. Além disso, observaram, o sucesso de público das competições demonstra interesse crescente da população no esporte e pode motivar empresários e políticos a investirem no setor.

Governança

O ex-velejador Lars Grael, hoje diretor técnico da Confederação Brasileira de Clubes (CBC), alertou que o anteprojeto da Lei Geral do Desporto precisa levar em conta que o direcionamento de verbas para o esporte não pode ter como meta principal a obtenção de resultados instantâneos, e nem basear o aporte financeiro no desempenho em grandes eventos. Para ele, o mais importante é desenvolver mecanismos que garantam a boa gestão e a continuidade das políticas.

- O esporte não admite imediatismo. Os investimentos que fazemos desde a base vão dar resultado a médio e longo prazo. É o que temos que avaliar de hoje em diante, ao definirmos o desempenho das entidades: um compromisso com a sustentabilidade - afirmou.

Membro da comissão, o jurista Pedro Trengrouse afirmou que os grandes beneficiados com o modelo de financiamento público devem ser os atletas, e que o dinheiro não pode ficar preso na burocracia sem conseguir chegar a eles.

- Esse anteprojeto tem que deixar claro aonde o dinheiro tem que chegar e o que tem que fazer. Há um grande emaranhado do esporte brasileiro que precisa ser passado a limpo - disse.

Grael lamentou que, mesmo com várias grandes legislações de benefício ao setor (como a Lei de Incentivo ao Esporte, a Lei Agnelo/Piva e a Lei Pelé), o esporte ainda receba pouco apoio do setor público, se comparado à cultura, por exemplo. Um grande problema que ele vê é a falta de objetividade na definição de atribuições e fontes de receita dos vários níveis de administração do esporte.

- Há uma hierarquização muito grande. As federações estaduais, salvo raras e boas exceções, estão falidas. As leis permitiram investimentos de cima para baixo, em comitês e confederações, e de baixo para cima, chegando nos clubes. E o meio? Quem financia as federações? Isso nunca ficou claro - disse.

Para Grael, a fraqueza das federações significa um risco da proliferação de práticas clientelistas das confederações, que administram boa parte das verbas, o que contaminaria a estrutura inteira.

Os membros da comissão também destacaram a necessidade de transparência e fiscalização do uso das verbas públicas pelos comitês e confederações, que estão no topo da hierarquia e são responsáveis pelo grosso do dinheiro de entra. Agberto Guimarães, do COB, garantiu que essa preocupação sempre existiu.

Universidades e militares

A Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU) fez um apelo para ser incluída como recipiente direta de verbas de apoio. Atualmente, ela recebe repasses dos comitês mediante a apresentação de projetos específicos, que precisam ser analisados. O representante da entidade, Hezir Espíndola, disse que isso tem prejudicado o trabalho.

- Muitas competições universitárias não são realizadas, ou são mal realizadas, porque o recurso chega no dia ou não chega, porque o COB demora a aprovar [os projetos]. É uma luta permanente - lamentou.

Pedido semelhante fez o vice-almirante Paulo Martino Zuccaro, presidente do Conselho Desportivo Militar do Brasil. Ele entende que o desporto militar deve ganhar lugar próprio no Sistema Nacional do Esporte, para que os programas tocados pelas Forças Armadas ganhem mais segurança e previsibilidade.

- Nosso programa é um multiplicador de efeitos, um potencializador das capacidades e dos benefícios que todas as entidades podem oferecer. A gente não quer exclusividade nem quer menosprezar os outros projetos. Quem sabe a nova lei possa sistematizar e organizar tudo isso - propôs.

Zuccaro destacou a participação bem-sucedida nas Olimpíadas e Paralimpíadas de atletas brasileiros que são militares e treinam com o apoio das Forças Armadas. Além dos locais de treinamento e de um salário, eles recebem alojamento e apoio médico, fisioterápico e nutricional. Os investimentos militares foram elogiados pelos membros da comissão de juristas e destacados como um exemplo de eficiência e boa gestão de recursos.

MP do ensino médio

Representando o Conselho Federal de Educação Física, Roberto Jorge Saad falou sobre a importância do fortalecimento do esporte escolar e criticou a Medida Provisória 746/2016, que promove uma reforma no ensino médio. Um dos dispositivos da MP retira a obrigatoriedade de as escolas oferecerem a disciplina de educação física.

- Falamos tanto da escola como berço do esporte e, num contrassenso, vem essa medida, talvez não tão pensada assim, que tira a obrigatoriedade. A educação física tem que estar presente em toda a formação do cidadão, e não só na primeira fase, deixando a fase juvenil desprovida de atendimento na escola - protestou.

Comissão

A comissão de juristas que irá elaborar o anteprojeto da Lei Geral do Desporto Brasileiro, que tem caráter especial e temporário foi instalada em outubro de 2015 com o objetivo de sistematizar a legislação em vigor e regulamentar relações jurídicas da prática desportiva. A previsão era de conclusão dos trabalhos em seis meses, mas o prazo final foi prorrogado para 16 de dezembro deste ano.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)