Debate sobre 'fatiamento' do quesito julgado dominou sessão final do impeachment

Da Redação | 31/08/2016, 17h19

A sentença pelo afastamento definitivo da presidente afastada, Dilma Rousseff, na sessão de seu julgamento no Senado, nesta quarta-feira (31), ocorreu por volta de 13h30min, mais de duas horas depois da abertura dos trabalhos pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Antes, a maior parte do tempo foi dedicada à discussão de pedido, aceito pelo ministro, para que o texto do quesito a ser votado fosse fatiado em duas partes.

A questão que inicialmente seria respondida pelos senadores, segundo o roteiro definido em acordo com os líderes partidários, objetivava saber se a presidente Dilma havia cometido os crimes que lhe eram atribuídos e deveria “ser condenada à perda do seu cargo, ficando, em consequência, inabilitada para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de oito anos”.

Com o fatiamento, a questão da inabilitação para função pública passou a ser um quesito autônomo, a ser decidido à parte. Para garantir essa cisão, a bancada do PT entrou com requerimento de destaque para votação em separado desse trecho (DVS), instrumento regimental muito comum no processo legislativo. Primeiro, vota-se o texto principal das matérias, ficando os destaques de trechos para serem discutidos e apreciados em segundo momento.

Direito subjetivo

Para os petistas e aliados, o que estava em questão era assegurar “direito parlamentar subjetivo”, o direito ao destaque, previsto no processo legislativo. Foi o que argumentou o senador aliado Randolfe Rodrigues (Rede-AP), primeiro a levantar a tese. Ainda segundo Randolfe, aquela era uma decisão “interna corporis”, a ser arbitrada nos termos do Regimento do Senado.

- Todo senador ou senadora tem o direito de votar, separadamente, individualmente, cada parte de uma resolução a ser proferida. E o que nós estamos tratando é uma resolução – defendeu.

Em reforço, ele afirmou que no processo de impeachment de 1992, do então presidente Fernando Collor, hoje senador, o julgamento da inabilitação foi feito em separado, resultando na publicação de uma resolução do Senado. Randolfe  também sustentou que a própria Lei 10.079, de 1950, que rege o processo de impeachment, prevê que o julgamento sobre a inabilitação ocorra à parte do julgamento sobre a perda do cargo.

Preclusão

Ao contraditar, o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), argumentou que o pedido estava “precluso”, ou seja, já havia passado o tempo para a discussão sobre a forma do quesito, que a seu ver deveria ter ocorrido durante a elaboração do roteiro da sessão de julgamento. Também disse não haver dúvida, a partir da leitura do artigo 52, da Constituição, que a condenação à perda do cargo leva à inabilitação para função pública.

Observou que uma preposição - “com” - contida na redação de dispositivo desse artigo faz toda a diferença. A respeito do julgamento de impeachment, ele ressaltou que, pelo texto, a condenação, por ao menos dois terços dos votos do Senado, se limita “à perda do cargo, ‘com’ inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

- E, mesmo que escapássemos desse comando, o que não é possível – estamos aqui para preservar e respeitar a Constituição –, sua excelência, a presidente Dilma Rousseff estaria enquadrada na Lei da Ficha Limpa – ainda argumentou, lembrando que essa lei torna inelegível políticos cassados.

Aloysio Nunes (PSDB-SP) acrescentou ainda que os senadores estavam ali na condição de juízes, para proferir uma sentença. Não se tratava, segundo ele, de decisão sobre as habituais e regimentais matérias legislativas, como projetos de lei e propostas de emenda constitucional. Por isso, na sua visão, não seria possível a a aceitação do destaque da bancada petista. Também argumentou que a Constituição veio depois da Lei do impeachment, a ela se impondo.

"Violência"

O senador Fernando Collor, citado em razão do seu processo de impeachment, também se manifestou contra o “fatiamento”, por entender que a Constituição uniu perda de mandato com inabilitação. A seu ver, o que ocorreu à sua época foi considerado uma “violência”. Ele explicou que, como já havia renunciado ao cargo, o processo havia perdido seu objeto, por inteiro. Não seria admissível, portanto, continuar o julgamento apenas para decidir sobre sua inabilitação. Ele perdeu mandado de segurança no Supremo para tentar garantir a manutenção de seus direitos políticos.

- É uma lembrança muito triste esta que trago ao Plenário, nesta manhã, muito triste. Triste por ter me sentido vilipendiado no direito mais elementar de qualquer cidadão naquela posição, quando apresenta sua carta renúncia e, com isso, fazendo com que deixasse de existir o tribunal reunido do Senado Federal como tribunal de julgamento - disse.

Uma das mais atuantes defensoras da presidente Dilma, a senadora Kátia Abreu (OMDB-TO) fez questão de lembrar, particularmente a Aloysio Nunes, que o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) favorável ao impeachment, recebeu quatro destaques. Ou sela, mesmo sendo peça do julgamento, pode ser modificado por esse instrumento do processo legislativo.

Riscos

Lewandowsky, ao fim, reconheceu que o tema não era “pacífico”, admitindo visões diferentes. Confrontou todo o conjunto de disposições legais, mas acabou admitindo o pedido de destaque. Ressaltou que, do ponto de vista da Constituição, ele tem posição sobre a matéria, mas que ali sua atuação não era a de membro de corte constitucional.

Alegou ainda que aplicava o regimento para impedir que o julgamento fosse interrompido por eventual mandado de segurança impetrado pela defesa da presidente Dilma ou partido político, que poderiam ir ao Supremo e alegar que havia sido cortado “direitos subjetivos” relativos à prerrogativa de apresentação de destaques.

- Eu não quero correr esse risco e tenho certeza de que vossas excelências também não querem correr esse risco – finalizou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)