Fenômeno Trump é fruto de um mal-estar real, diz indicado para Embaixada nos EUA

Sergio Vieira | 11/08/2016, 16h58

A Comissão de Relações Exteriores (CRE) aprovou hoje por unanimidade a indicação do diplomata Sergio Amaral para a chefia da Embaixada do Brasil em Washington (EUA). Durante a sabatina, um dos temas mais abordados pelos senadores foi o processo eleitoral norte-americano e a possibilidade do vitorioso ser o magnata Donald Trump, considerado um outsider por analistas especializados e também por alguns participantes da sabatina.

Amaral, que durante sua explanação inicial afirmou que não iria tratar do processo eleitoral naquele país, acabou abordando o tema devido aos questionamentos dos senadores. Para ele, o crescimento de Trump, que venceu as prévias do Partido Republicano numa disputa contra diversos nomes tradicionais da legenda, é fruto de um "mal-estar" que tomou conta de parte da opinião pública norte-americana, fruto do aumento da desigualdade social provocado, entre outros fenômenos, pelo processo de globalização.

O diplomata também percebe o crescimento de um "neo-populismo" no continente europeu, já produzindo resultados eleitorais como a saída do Reino Unido da União Europeia, além do fortalecimento de partidos de extrema-direita em países como França, Alemanha e Holanda.

- As propostas de Trump se tornaram em parte a voz de quem vem perdendo com a globalização e com o aumento da desigualdade nos Estados Unidos. A classe média diminuiu lá e os vencimentos dos mais pobres estão congelados desde a década de 70 - acrescentou.

O "problema" provocado pelo candidato republicano, ainda segundo o diplomata, é que parte de suas propostas seriam "inviáveis" ou vistas como "potencialmente conflituosas". Ele chegou a citar a ideia veiculada por Trump de construir um muro separando o México dos Estados Unidos, ou diminuir os repasses para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Outra consequência do discurso protecionista de Trump, também presente na área econômica, é que ele já vem contagiando as propostas da candidata Hillary Clinton, sua opositora pelo Partido Democrata.

- Ela já vem apresentando restrições quanto à efetivação do Tratado Transpacífico (TTP) ou a realizar um acordo com a União Europeia - informou.

Para ele, o grande desafio dos maiores partidos nas democracias ocidentais é tentar encontrar um rumo capaz de responder ao aumento da onda de insatisfação com as consequências negativas da globalização. Ainda no que tange ao processo eleitoral norte-americano, ele reitera que os Estados Unidos tem uma estrutura institucional muito robusta, o que o faz crer que propostas "inconsistentes" acabem adequando-se depois a essa realidade no exercício efetivo da gestão pública.

- A ironia da história é que justamente agora, quando nosso país adota uma postura mais aberta, outras partes do globo flertam com o protecionismo - afirmou.

Relações com o Brasil

Para Amaral, o momento agora nas relações Brasil-EUA será o de "construção da confiança", após um período que ele definiu como sendo de "desconfianças". Ele avalia que a condução da missão brasileira em Washington, no caso de sua efetivação no posto após a aprovação em Plenário, será "madura, apartidária, desideologizada e objetiva, nem a favor nem contra os Estados Unidos", alinhada com as diretrizes anunciadas pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra.

Reiterou que as relações do Brasil com os Estados Unidos são "boas e antigas", lembrando que aquele país foi o primeiro a reconhecer nossa independência do Brasil de Portugal, em 1822.

- Muito de nossa institucionalidade nasceu de inspiração norte-americana - reforçou o diplomata, admitindo que desde meados do século 20 por vezes as relações bilaterais tornaram-se "pendulares", a ponto de definir a atuação externa brasileira de acordo com a direção que tomava esse "pêndulo".

No que se refere a uma maior integração econômica, Amaral percebe como uma prioridade o aprofundamento das negociações visando a convergência regulatória, necessária para que exportemos mais produtos para aquele país.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)