A participação do Senado na vinda dos primeiros japoneses

Joseana Paganine | 07/12/2015, 11h25

Há 120 anos, Brasil e Japão assinavam tratado que permitiu que 200 mil migrantes do país asiático se estabelecessem aqui, garantindo mão de obra para as plantações de café, que já não contavam com trabalho escravo. Acordo foi homologado pelo Congresso um ano depois

Em 18 de junho de 1908, aportou em Santos (SP) o navio Kasato Maru. Dele, desceram 781 japoneses que vinham para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Eram os primeiros imigrantes do Japão a pisar em solo brasileiro. Para que isso acontecesse, as negociações entre os dois países começaram bem antes, culminando no Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, firmado em 5 de novembro de 1895, que agora completa 120 anos.

O documento foi aprovado pelo Congresso Nacional em novembro de 1896. Naquela época, como hoje, os acordos internacionais eram firmados pelo Poder Executivo, mas precisavam ser homologados pelo Poder Legislativo. Durante um ano, deputados e senadores da Primeira República dedicaram-se a discutir os termos do tratado e seus custos e benefícios.

O principal propósito era, de fato, atrair imigrantes japoneses. Desde antes da abolição da escravatura, em 1888, já se discutia no Parlamento a necessidade de uma política imigratória para suprir a carência de mão de obra, sobretudo para a lavoura cafeeira de São Paulo. Em segundo lugar, o acordo internacional visava abrir novos mercados consumidores para o café do Brasil.

A imigração italiana começou em 1870. Em seguida, vieram os espanhóis. No entanto, segundo o historiador Clodoaldo Bueno, os imigrantes europeus eram considerados “instáveis”:

— Fazendo muita economia, os imigrantes conseguiam comprar uma pequena propriedade. O sucesso do imigrante se media pela possibilidade de ele largar a enxada e ganhar a vida em outras funções que não fosse o duro trabalho rural ou, pelo menos, de trabalhar em sua própria terra. Alguns se repatriavam ou reimigravam. Iam para a Argentina, por exemplo. Não era uma mão de obra firme e o fazendeiro sempre estava precisando de gente. Então era preciso pensar sempre em outra saída — explica Bueno.

Saída asiática

A China foi a opção inicial. Os chineses já haviam sido trazidos ao Brasil por dom João VI para ensinar o cultivo de chá, mas a empreitada não prosperou. Em 1880, o governo imperial assinou um tratado de comércio e imigração com a China. Essa segunda tentativa também fracassou. Entre os motivos, estavam as condições análogas às da escravidão em que eram mantidos os chineses, que recebiam salários muito baixos, e as diferenças culturais, um obstáculo à integração dos imigrantes. Com a República, o tratado foi suspenso.

Em 1894, o diplomata José da Costa Azevedo, o barão de Ladário, foi em missão à China para promover um novo acordo. Mas, num telegrama enviado de Hong Kong, afirmou ser a imigração chinesa “um mal moral” para o Brasil, sem justificar seu julgamento, e defendeu os japoneses.

“O Japão está no caminho de um progresso febril. Tem leis, tribunais e juízes até certo ponto iguais aos dos países mais adiantados”, escreveu o barão.

Diante disso, o presidente Prudente de Morais determinou que o diplomata brasileiro na França procurasse seu colega japonês para propor um acordo. Em 5 de novembro de 1895, Gabriel de Toledo Piza e Arasuke Sone firmaram em Paris o Tratado de Amizade, de Comércio e de Navegação, iniciando as relações diplomáticas entre os países.

A medida foi festejada pelos parlamentares. O deputado Artur Rios comemorou a vinda do “povo mais ilustrado do extremo oriente”. Para o senador Gomes de Castro, os japoneses eram “um povo que revelou qualidades superiores e uma civilização muito adiantada”.

Houve quem contestasse as despesas que a iniciativa implicaria para o Brasil. Na Câmara, o artigo que previa o envio de pessoal diplomático para o Japão gerou polêmica. Deputados alegaram que a crise econômica não recomendava o aumento dos gastos e autorizaram só a transferência de servidores, mas não a contratação de novos. No Senado, a medida foi considerada pelo senador Coelho Rodrigues “uma economia de palitos”. A emenda da Câmara foi derrubada e o governo, autorizado a manter pessoal diplomático em Tóquio, sem explicitar se haveria transferência ou admissão de novos funcionários.

A questão econômica não se resumia aos gastos diplomáticos. O senador Gomes de Castro contestou o fato de o governo despender dinheiro dos impostos para trazer estrangeiros com o objetivo de ocupar postos de trabalho dos próprios brasileiros.

— Os nobres senadores compreendem que país nenhum, ainda que estivesse regurgitando dinheiro, que não é essa a nossa situação, pagaria passagens a imigrantes para se empregarem em condutores de bondes, engraxates, vendilhões, fazendo uma concorrência esmagadora ao povo brasileiro — afirmou.

Preço da passagem

Gomes de Castro também reclamou de os estados do Norte, bastante despovoados, não se beneficiarem da imigração. À época, a vinda dos imigrantes devia ser custeada pelos estados. Segundo ele, a maior parte dos estados do Norte e do Nordeste não podia bancar as despesas.

— O Amazonas, não obstante ter muito dinheiro, tem muitas necessidades, não pode estar a pagar, só de passagem, 500$ a 600$ [réis] por cabeça de japonês — disse Gomes de Castro, reivindicando que a União arcasse com esses custos.

O historiador Clodoaldo Bueno vê nesse embate um fator positivo em relação ao funcionamento do Parlamento de então:

— É lógico que havia representantes do café e outros que também se envolviam nas questões do café. Mas o Congresso tinha uma visão mais ampla do que se imagina. Lendo os anais, vê-se que representantes de vários estados tratam de questões nacionais, que outros interesses também estão bem representados, não só o café. Havia uma corrente forte contra a imigração subsidiada.

Superpopulação fez Japão incentivar emigrações

O Tratado de Amizade, Comércio e Navegação inaugurou as relações diplomáticas e econômicas entre o Brasil e o Japão. Foi também o início da história de 1,6 milhão de brasileiros descendentes dos 200 mil japoneses que se estabeleceram no Brasil — a maior população de japoneses fora do Japão. Mas, para os desbravadores japoneses, esse início não foi fácil. A pobreza e o preconceito foram os desafios.

Em meados do século 19, o Japão iniciou um processo de modernização, com a abertura para o mundo ocidental. A imigração surgiu, para o governo japonês, como solução para a superpopulação e a pobreza. Em 1896, o país tinha 40 milhões de habitantes e escassez de terras.

Primeiro, estimulou-se a ida de trabalhadores rurais para a Califórnia e o Havaí, nos Estados Unidos. Mas as denúncias de maus-tratos foram muitas e o Japão interrompeu o fluxo migratório. Foi quando a proposta do governo brasileiro surgiu como uma nova possibilidade. Ao contrário do Japão, o Brasil era subpovoado. Com um território 22 vezes maior do que o japonês, o país contava com apenas 12 milhões de habitantes. A população japonesa era quase quatro vezes maior do que a brasileira.

Choque

A ideia dos imigrantes era vir para o Brasil, enriquecer e voltar para o país natal. Após 40 dias de viagem pelo mar, os primeiros japoneses chegavam, em geral, ao porto de Santos e daí eram distribuídos entre as fazendas de café de São Paulo e do Paraná. Era quando eles se davam conta da realidade que os esperava.

— Os japoneses que vieram eram pobres, mas não sabiam que iriam trabalhar nas fazendas de café. No Japão, trabalhavam em pequenas propriedades. Aqui, encontraram o mar verde dos cafezais, o sol dos cafezais. Tudo era diferente, a dimensão da terra, o sol, os instrumentos de trabalho. Imagina isso para quem nunca tinha visto uma pessoa diferente de um japonês? — conta o monge Ademar Sato, responsável pelo Templo Budista Terra Pura, em Brasília.

O editor de imagens Roberto Suguino também narra o choque cultural vivido pelos avós maternos no Brasil. O avô desceu em Santos em 1917, com apenas 1 ano e 10 meses. A avó chegou em 1934, com 12 anos. As duas famílias foram para Arthur Bernardes (PR).

— Minha avó não conhecia beterraba. Quando lhe deram para cozinhar, ela estranhou aquela água vermelha e achou que era veneno. Não comeu — diz.

A avó contava que no Japão todas as panelas eram esmaltadas. Ao chegarem ao Brasil, o único objeto esmaltado que encontraram foi o penico.

— Como não falavam português, acharam que penico era panela e nele cozinhavam. Foi uma visita brasileira que avisou que não era panela — conta.

Suguino explica que os avós nunca retornaram ao Japão porque ganhavam muito pouco aqui. Foi ele, o neto, quem conseguiu retornar à terra dos antepassados. Atualmente, 175 mil brasileiros vivem no Japão, a maioria descendente de japoneses, os decasséguis.

Suguino emigrou em 1990. Foi admitido numa montadora de carros. Lá, soube que os antigos imigrantes eram mal vistos.

— O japonês acredita que quem emigrou quando a situação estava difícil foi um traidor da nação, saiu quando o Japão mais precisava. Não é verdade. Os japoneses pobres foram incentivados pelo governo a sair do país — afirma ele, que voltou para o Brasil depois de oito anos.

“Japoneses no Brasil foram vítimas da ignorância da guerra”, diz monge budista

A família paterna do monge Ademar Sato chegou no segundo navio japonês a aportar em Santos (SP), em 1910. Foi para uma fazenda de café perto de Araçatuba (SP). O pai dele nasceu no Brasil, em 1914. Segundo o monge, era um típico caipira paulista, chamava-se Seite. Mas tinha também nacionalidade japonesa. Por causa disso, foi convocado para lutar na guerra entre o Japão e a China, que começou em 1937.

Encerrada sua missão na guerra em 1942, ele foi da China para o Japão, onde se casou com a japonesa Kinuko. O casal voltou num dos últimos navios japoneses que vieram para o Brasil antes de o país cortar relações com o Japão por causa da 2ª Guerra Mundial. Aqui, foi preso por ser um militar japonês e passou dois anos na cadeia, repetindo o destino de muitos outros imigrantes durante o conflito mundial.

O monge Sato relembra:

— Os imigrantes de maneira geral sofreram repressão nessa época. Italianos e alemães, por causa da aparência, foram mais aceitos no país. Os japoneses têm aparência especial e foram vítimas da ignorância que a guerra significa. Entrei na escola primária sem falar português. As crianças corriam atrás de mim tacando pedra e gritando: “Japonês, volta para o Japão!”. Isso me provocava muito terror.

Durante a 2ª Guerra, o Brasil chegou a ter espécies de campos de concentração onde eram aprisionados imigrantes italianos, alemães e japoneses. Segundo o monge Sato, sua mãe sofreu um grande trauma quando o marido foi preso.

— Minha mãe cultuava a cultura japonesa no Brasil: disciplina, respeito ao próximo, gentileza. Ao mesmo tempo, tinha um grande preconceito contra o brasileiro. Com o Japão devastado pela guerra, a intenção de voltar foi frustrada porque o país não podia recebê-los. De modo geral, os japoneses buscaram, então, a inserção social por meio dos filhos, incentivando-os a estudar.

Ademar Sato estudou economia e direito em São Paulo. Na juventude, participou dos movimentos estudantis e da ação católica universitária contra a ditadura militar. Acabou se exilando no Chile. O monge só surgiu em 1995, quando ele se mudou para Brasília e foi morar perto do templo budista previsto por Juscelino Kubitschek e inaugurado em 1973, hoje tombado como Patrimônio Histórico do Distrito Federal.

— Tudo converge para o budismo, não o que aprendi quando criança, mas o budismo que uni com a minha formação política e social. A luz de Buda é para todos. Antes, este templo budista só atendia em língua japonesa. Mas os imigrantes japoneses foram morrendo e nem todos os descendentes se interessaram pelo budismo. Abri o templo para todos. O número de frequentadores aumentou de forma significativa. Como dizia [o antropólogo] Darcy Ribeiro, raça forte é raça misturada.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)