Mudança na lei pode impedir consumidor de conhecer origem transgênica de produtos, alerta advogado

Da Redação | 11/08/2015, 19h35

Alterações sugeridas na Lei de Biossegurança (Lei 11.105, de 2005) podem reduzir drasticamente as chances de os consumidores continuarem a saber se um alimento industrializado possui ou não em sua composição matéria-prima de origem transgênica. O alerta foi feito pelo advogado Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA), durante audiência pública no Senado, nesta terça-feira (11).

Até agora, segundo ele, o debate em torno do projeto de lei em análise (PLC 34/2015) está centrado na questão do fim o uso do símbolo de transgenia nos rótulos dos produtos, uma letra “T” dentro de um triângulo amarelo. Advertiu, contudo, que a mudança mais sensível afeta as regras de rastreabilidade, dificultando a identificação de elementos geneticamente modificados (OGMs) na composição dos produtos.

Guetta explicou que, atualmente, a identificação é feita a partir de exames da matéria-prima: se ela tiver origem transgênica, então o produto final será rotulado como transgênico. Com a alteração sugerida, contudo, a identificação passa a ser feita sobre o produto final, resultado de uma ou mais fases de processamento industrial. Então, disse o expositor, as moléculas de DNA já estarão rompidas e as análises de laboratórios resultariam inúteis como meio de identificação.

 No produto final, não necessariamente vamos encontrar a prova laboratorial, e o que importa para o consumidor é saber se a matéria-prima é ou não transgênica.  Então, se esse projeto for aprovado, muito provavelmente o que vai acontecer é que o consumidor será ludibriado – comentou Guetta.

Iniciativa

A audiência foi uma iniciativa conjunta das Comissões conjunta das Comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), que darão parecer sobre o projeto. Foi sugestão dos senadores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), esse o relator da matéria na CCT. Um segundo debate ocorrerá nesta quarta-feira (11), a partir das 9h.

Atualmente, produtos com qualquer percentual de substância transgênica devem trazer essa informação, obrigação regulada por portaria que instituiu a rotulagem com triângulo preenchido pela letra “T”.  Pelo projeto, o alerta deve passar a ser necessário apenas naqueles em que a substância transgênica supere 1% da composição. Porém, nesse caso, o símbolo atual deve ser substituído apenas pelos dizeres: “Contém transgênico”.

Criminalização

Mesmo com o alerta para outros aspectos do projeto, a pauta do debate foi dominada pela questão da rotulagem. O autor do texto, deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), também presente, disse que o projeto não retira o direito à informação, mas adapta o padrão de rotulagem para evitar símbolo que “criminaliza” o produto. E disse que a portaria que criou o rótulo resultou de pressão de grupos contrários a inovações tecnológicas no campo, como o Movimento dos Sem-Terra (MST).

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), Edmundo Klotz, mostrou-se favorável à proposta, principalmente à previsão da retirada do símbolo da transgenia. Na opinião dele, o símbolo apenas "desinforma e estigmatiza os alimentos", com o objetivo de desestimular o consumo. Citou pesquisa mostrando que 69% dos entrevistados desconheciam o significado.

 O símbolo pode ser confundido com radiação, inflamável, eletricidade.  Tem gente que confunde até com sinal de transito. Outros entendem como sinal de perigo ou proibição - salientou.

Espécies doadoras

Edmundo Klotz também é contra a menção nos rótulos das espécies doadoras de genes, pois são nomes científicos que pouco ou nada significam para a população e só colaboram para a percepção equivocada de risco. Maurício Geutta, porém, considerou essencial a informação, pois assim as pessoas podem buscar fontes de informação quando sentirem necessidade.

Para a coordenadora da Escola Nacional de Defesa do Consumidor, Andiara Maria Braga Maranhão, a proposta do deputado Heinze pode trazer retrocesso, pois oferece um patamar de segurança inferior ao que é garantido hoje aos consumidores. Andiara lembrou que o Código de Defesa do Consumidor foi aprovado há 25 anos, estabelecendo o direito à informação:

– Não é uma questão de vantagem ou desvantagem, mas é um dever de quem produz e um direito de quem compra.  Informação e transparência são obrigações legais que precisam ser atendidas – argumentou.

Clareza

A representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Juliana Ribeiro Alexandre, disse que, independente da regra em vigor, a pasta tem condições de verificar seu cumprimento. Segundo a ela, o Mapa será sempre a favor das informações, visto que é um direito do consumidor. Todavia, devem ser diretas, claras e não podem induzir a erro o consumidor.

Para Juliana Ribeiro, o símbolo da transgenia adotado atualmente – a letra "T" dentro de um triângulo amarelo – não é o ideal e poderia ser modificado. Ela também acha que a identificação científica do organismo doador de genes é uma informação muito complexa para o consumidor usar em sua tomada de decisão e pode ser dispensada.

Segurança

A questão da segurança dos transgênicos foi o enfoque de alguns debatedores. O presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Edivaldo Domingues Velini, explicou que não é possível concluir pela segurança ou insegurança “coletiva” de organismos geneticamente modificados, mas avaliar caso a caso, o que é feito pela CTNBio. Depois, garantiu que os alimentos produzidos e consumidos no país têm padrão de segurança reconhecido internacionalmente.

Em relação aos agrotóxicos, Edivaldo Velini reconheceu que o consumo no Brasil vem aumentando em consequência da elevação da produtividade agrícola, porém não é uma relação linear. Entre 2012 e 2014, houve 17% de aumento na produção de alimentos no país, enquanto o consumo de agrotóxico cresceu 11%.

 Temos uma situação melhor até que a de muitos outros países. Consumimos, por exemplo, dez vezes menos que o Japão e quatro vezes menos que Alemanha – afirmou.

Direito do consumidor

A professora Marijane Vieira Lisboa, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), salientou que não existe consenso científico sobre a segurança dos transgênicos, e sim uma polêmica intensa. Segundo ela, pelo estágio atual das pesquisas, não se pode concluir nem que sejam inócuos nem que sejam perigosos. Frente a isso, afirmou que o direito do consumidor à informação sobre a origem transgênica é incontestável deve ser amparado em sistema de rastreabilidade eficaz, além de informações claras nos rótulos, como permite o triângulo.

 Ainda acrescentaria que isso é fundamental para crianças, pessoas semianalfabetas e até quem, como eu, tem problema de catarata e sofre na escuridão de um supermercado para enxergar o que está escrito em pequenas letras. Então, vou direto ao triângulo – salientou.

Garantia

Já Adriana Adriana Brondani, diretora do Conselho de Informações sobre a Biotecnologia (CIB), sustentou que já existe vasta produção científica confirmando a segurança dos produtos transgênicos. Segundo ela, os estudos que indicam o contrário são “controversos”, tendo sido recebidos com críticas pela sociedade científica.

Adriana também atacou que chamou de “mito do alimento natural”. Lembrou que os alimentos hoje consumidores resultaram de modificações genéticas ao longo de eras, em decorrência de processos naturais ou artificiais resultante de cruzamentos de plantas de diferentes regiões. E afirmou que a transgenia é mais uma estratégia, por meio de alterações no próprio genoma da planta.

Senadores

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) questionou o projeto, que a seu ver não garante a identificação dos produtos que contenham transgênicos. A senadora Regina Souza (PT-PI) rebateu afirmações de que o modo de identificação dos produtos transgênicos é ruim para as exportações brasileiras.

 Os números são crescentes na pauta de exportações e o consumo gigantesco, para que se diga que há criminalização - argumentou.

Considerando o alto grau de analfabetismo no país, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) sugeriu que use simbologia clara e fácil para identificar os produtos compostos por transgênicos, como é o caso da legislação em vigor.

Antes de encerrar a audiência, o senador Lasier Martins (PDT-RS) informou que foram recebidas mais de 50 manifestações de telespectadores sobre o projeto em análise, a ampla maioria contrárias à extinção do símbolo atual de informação dos produtos, o triângulo amarelo com a letra “T”.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)