Debate aponta falta de transparência no BNDES
Paulo Sérgio Vasco | 15/04/2015, 20h46
A falta de transparência da União na concessão de subsídios foi criticada nesta quarta-feira (15) em audiência publica na comissão mista encarregada de emitir parecer sobre á Medida Provisória (MP) 663/2014, que aumenta o limite de repasse da União ao BNDES e à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em operações de financiamento destinadas à aquisição e produção de bens de capital e à inovação tecnológica.
A exposição de R$ 38 bilhões do BNDES aplicados em ações da Petrobras; a falta de critérios e a concentração de empréstimos do banco em poucas empresas; a troca de títulos do Tesouro Nacional por créditos que rendem bem menos; e a elevada participação de créditos direcionados ao setor publico foram mencionadas pelos palestrantes e pelo senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), relator da medida.
Ataídes apontou distorções no BNDES e questionou o sentido dos empréstimos a entes públicos, visto que o banco deveria ajudar o setor privado sem acesso ao mercado de capitais. Ele também indagou qual seria o impacto das operações do banco nas contas publicas; qual a política que justifica os repasses com o uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); e quais os riscos que os empréstimos representam para o Tesouro Nacional e a sustentabilidade das contas públicas.
De acordo com a MP 663/2014, o limite global para as subvenções econômicas de que trata a Lei 12.096/2009 passa para R$ 452 bilhões. O montante de acréscimo proposto pelo governo, de R$ 50 bilhões, foi estimado a partir de estudos técnicos do BNDES, os quais consideraram a projeção de demanda por financiamentos ate o final do prazo atual de vigência (31.12.2014), assim como as estimativas de demanda por financiamentos de 2015. A subvenção econômica, sob a modalidade de equalização de taxas de juros, é concedida pela União nas operações de financiamento contratadas ate 31 de dezembro de 2015, no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), criado em 2009.
Doações proibidas
Para o procurador do Ministério Publico junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, as empresas que obtêm empréstimos com juros financiados do BNDES deveriam ser impedidas de fazer doações eleitorais. Ele disse que o Congresso Nacional e o TCU não têm conseguido fazer uma fiscalização efetiva dos financiamentos do BNDES a diversos segmentos, que atingiram R$ 400 bilhões nos últimos seis anos.
— Não temos como avaliar se o banco aplica os recursos bem ou não. O banco é hoje uma caixa preta na administração pública. O BNDES resiste a todas as tentativas de fiscalização mais profunda do TCU — afirmou.
Júlio Marcelo de Oliveira ressaltou que o BNDES, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), ingressou recentemente com mandado no Supremo Tribunal Federal (STF), que aguarda despacho do ministro Luiz Fux, pois se nega a oferecer detalhes de empréstimo ao grupo JBS. Ele afirmou que o Tesouro Nacional, “exaurido na sua capacidade de injetar recursos orçamentários no BNDES”, tem utilizado a prática ilegal de emissão de títulos do Tesouro diretamente no caixa do banco, em vez de captar recursos no mercado, a partir da emissão dos títulos, para então promover a inversão de capital na instituição.
— Isso cria uma estrutura engenhosa, mas ilegal, com o Tesouro credor do banco e ao mesmo tempo o banco é credor do Tesouro porque dispõe dos títulos. Essas operações não têm passado pela lei orçamentária. [As autoridades] entendem que, fazendo uma inversão desse montante via título não é despesa, e por isso não deveria estar no orçamento. Essa é uma visão errada. O orçamento não se limita apenas a despesas financeiras. Todas essas operações têm que passar pela lei orçamentária, e isso não está ocorrendo — afirmou.
Júlio Marcelo de Oliveira afirmou ainda que a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo governo é “frontal e sistemática”. Ele entende que o Congresso deve corrigir os rumos e a forma como têm sido aportados recursos no BNDES.
— Acho que a sociedade e o Congresso Nacional gostariam muito de saber essa informação. O BNDES tem a obrigação de dá-la aos órgãos de controle externo — afirmou.
Métodos de gestão
Para a presidente da Associação dos Auditores do TCU, Lucieni Pereira da Silva, a União cada vez mais adota os métodos de gestão na década de 1990, antes da criação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
— A União fez esforço na década de 90 para evitar essas práticas em estados e municípios. E hoje ela é praticada pela própria União, que autiliza para atingir a dívida liquida as suas disponibilidades e haveres, usa recursos do FAT para contribuir para a trajetória da divida. A gente não veio aqui para dizer se a política pública é boa ou ruim, mas o debate político que tem que ser feito com dados — afirmou.
Lucieni disse que a falta de transparência e de informações sobre uma instituição financeira 100% pública, como o BNDES, que possui regras específicas e empresta dinheiro público, representa um risco para o contribuinte.
— O BNDES atua para inviabilizar as fiscalizações que o TCU faz, para obstaculizar auditoria que está sendo feita neste momento por solicitação da Comissão de Fiscalização da Câmara. Se [os órgãos de controle externo] não podem conhecer essas informações, quem vai ter acesso a esses dados? Se os órgãos que atuam para fiscalizar determinada política subsidiada por dinheiro público são ceifados com instrumentos jurídicos, o que vamos esperar de nossa democracia? — questionou.
Nesse caso, disse Lucieni, recorrer ao principio do sigilo bancário para impedir investigações não se justifica, visto que o BNDES não é um banco privado, e sem as informações qualitativas sobre os empréstimos, a análise dos repasses fica comprometida.
— Até que ponto está havendo ajuste fiscal? Ou até que ponto as estatais estão sendo usadas para o governo atingir a meta fiscal? Para investir dinheiro em empresas que são verdadeiras caixas-pretas? O que se estima é que nosso orçamento da saúde terá queda de uns 7 bilhões de reais, significativo quando temos política pública que precisa de aporte de recursos. A transparência está bastante precária em nosso país — afirmou.
Custo das operações
Na avaliação do economista Mansueto Facundo de Almeida Júnior, o que deve ser discutido é o custo das operações do BNDES.
— Quanto ao que o governo deve subsidiar ou não, esse debate é político, e não técnico. O que tem que ficar claro é o custo dessas operações. A Lei de Responsabilidade Fiscal coloca que, para cada um real a mais de despesa, tenho que comprovar a fonte de receita. Nem sempre essa regra acontece para as operações de subsídio. O crescimento da produtividade da economia foi zero nos últimos quatro anos. Não adianta dar crédito subsidiado dessa forma — afirmou.
Mansueto disse que empréstimo do Tesouro para banco público sempre existiu, mas que o “anormal” foi o crescimento nos últimos anos.
— O governo emprestou para bancos no ano passado 445 bilhões de reais, ou 10,65 do PIB [produto interno bruto]. O Brasil e a Índia têm a maior dívida líquida do mundo. Se o Brasil fosse um país rico, nossa dívida bruta ia ser baixa. Mas o que o Brasil paga de juros sobre a dívida pública é mais do que a Grécia [paga] — afirmou.
Mansueto observou que a carga tributaria, hoje em 36% do PIB, vai aumentar, e que por isso o governo tem que discutir a política de pagamento de empréstimos. Ele afirmou que o gasto com programas sociais é crescente desde 1990, mas que o governo tem que deixar claro para a sociedade o custo dos subsídios setoriais “e o que está criando para o futuro”.
O deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), por sua vez, criticou a engenharia contábil do governo e disse estar “inconformado” com a estratégia adotada em relação ao BNDES. Ele afirmou ainda que as operações externas do banco exigem a atenção da sociedade e do Congresso, visto as obras realizadas com dinheiro da instituição em Cuba e outros países.
— A conta vai aumentar, e há setores que merecem tratamento diferenciado. Mas devemos eleger quem financiar com recursos financiados — afirmou.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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