Devolução da MP da Desoneração provoca debate no Plenário

Guilherme Oliveira | 03/03/2015, 20h56

A decisão do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) de devolver ao Executivo a Medida Provisória 669/2015, que reduz a desoneração da folha de pagamento de vários setores da economia, repercutiu entre os senadores durante a sessão deliberativa desta terça-feira (3). A maioria dos parlamentares apoiou a posição de Renan, mas outros, principalmente do governo, lamentaram as consequências para o ajuste fiscal proposto pelo governo.

A última devolução de MP havia ocorrido em 19 de novembro de 2008, quando o então presidente do Senado e do Congresso, Garibaldi Alves (PMDB-RN), recusou o exame da medida 446/08, que alterava as regras para concessão e renovação do certificado de entidades beneficentes de assistência social, conhecidas como entidades filantrópicas.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) foi o primeiro a reagir ao anúncio da devolução da MP das desonerações. Argumentou que o gesto de rejeitar a MP não poderia ser unilateral, tomada apenas pelo presidente. Lindbergh também acusou interferência política em uma decisão que deveria ser, para ele, técnica.

— Se há problema na relação de um partido com a Presidência da República, temos que ter cuidado e responsabilidade para isso não interferir na economia. Mais respeito com o país. O impacto da decisão é gigantesco — declarou.

Líderes da oposição, porém, elogiaram a atitude de Renan. O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), líder do PSDB, disse acreditar que foi uma resposta ao “abuso de edições de medidas provisórias”.

— A autonomia e a independência deste Poder [Legislativo] não podem ser invadidas. Há prazo suficiente para que, pela via legal, a proposta do governo seja debatida e votada soberanamente pelo Congresso — defendeu.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) fez uma análise das alternativas do governo e do Congresso a partir da decisão de Renan de devolver a MP. Para ele, é preciso que as instituições trabalhem juntas para enfrentar o atual cenário econômico.

— Acho que o governo precisa sentar com o Congresso e traçar um plano, com começo, meio e fim, para vencer esse desafio econômico. A gente tem que viabilizar o Brasil, e para isso é preciso segurança jurídica, credibilidade do governo, previsibilidade da economia. São questões fundamentais pra que o empresário e o trabalhador tenham garantia de que têm um país estruturado e em condições de se manter - disse ele.

Elogios à decisão

A oposição saiu em defesa de Renan após o presidente anunciar a devolução da MP. O líder do DEM, senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), classificou a medida provisória como “inaceitável” e entendeu como natural a decisão de Renan.

— Devolver a MP é a prerrogativa que tem o presidente do Congresso. Além de tudo ela é uma agressão completa, pela inconstitucionalidade de acrescer a carga tributária por essa via — justificou.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse esperar que a atitude do presidente do Senado e do Congresso sirva para combater o que ele chamou de “presidencialismo imperial”.

— Tivemos ao longo de anos a submissão do Congresso às vontades do Executivo, e aumentar impostos por MP talvez seja a mais grave interferência. O governo agiu de forma autoritária. Tenho esperança que o Brasil reencontre o caminho do desenvolvimento, mas isso estará mais próximo quanto mais presente esta Casa se fizer nas decisões.

No mesmo tom, o senador José Serra (PSDB-SP), disse que Renan tomou uma decisão “histórica” e chamou atenção para os possíveis efeitos que a MP traria.

— O abuso de MPs acontece porque o Congresso não reagiu. A decisão de hoje com certeza vai fazer o Executivo mudar de atitude. Se entrasse em vigência, essa medida iria aprofundar a recessão, aumentar o desemprego e pressionar a inflação, tudo ao mesmo tempo — enumerou.

Críticas e preocupações

O líder do PT, senador Humberto Costa (PT-PE), disse temer as repercussões da rejeição da MP nos cenários político e econômico e a imagem que esse desentendimento possa passar.

— A economia se move por símbolos, expectativas, perspectivas. Uma decisão como essa pode ter uma dimensão que extrapola o nosso desejo. Não podemos sair da sessão de hoje com uma leitura para a sociedade de que vivemos enfrentamento entre poderes. A harmonia precisa ser promovida.

Humberto pediu que Renan reconsiderasse sua decisão, uma vez que seria possível, segundo o senador, alterar eventuais pontos de discordância da MP durante sua tramitação e deliberação no Senado. Posição semelhante assumiu a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

— O ato de devolver sem discutir não dá condições para fazermos um debate aprofundado. É um precedente ruim. Façamos com que a MP tramite e, se for necessário substituir por um projeto de lei, falemos com o Executivo para que mande — sugeriu ela.

Gleisi também rebateu as críticas do PSDB ao suposto excesso de MPs pelo governo do PT. Ela lembrou que o presidente tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) também enviava muitas medidas provisórias ao Congresso.

O senador José Pimentel (PT-CE), líder do governo no Congresso, argumentou que MPs  que tratam da área tributária, como é o caso da MP 669/2015, são comuns. Ele citou um exemplo associado ao PSDB.

— Tivemos, de 1989 para cá, centenas de milhares de MPs tratando do mundo tributário. O melhor exemplo é o Plano Real, resultado de uma MP que tramitou por mais de quatro anos. A desoneração da folha foi feita por MP, e agora está sendo modificada. Estamos fazendo ajustes para proteger o emprego e o crescimento.

Passo adiante

Outros senadores que se manifestaram na sessão procuraram manter distância da polarização entre governo e oposição. Para eles, a decisão de Renan de barrar a MP foi correta, mas não pode ser definitiva.

O senador João Capiberibe (PSB-AP), líder do PSB, disse que o Congresso não pode patrocinar um vácuo legislativo ao devolver a medida provisória do governo.

— A decisão mostra a necessidade de nos adiantarmos. O Congresso precisa dizer claramente para a sociedade que vai promover mudanças. Temos que dar passos mais largos na direção dessas mudanças.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) elogiou o “gesto de firmeza” de Renan. Considerou o gesto como resultado de uma situação insustentável, que deve ser abordada pelo Parlamento.

— Muitos de nós alertávamos para o risco da farra das desonerações – da folha, do IPI, das tarifas de energia, do congelamento dos preços dos combustíveis. Agora vem a dor de cabeça, a situação que vivemos. A devolução da MP vai gerar perda de receitas da ordem de R$ 27 bilhões. Precisamos fazer um projeto para oferecer ao governo e à nação. Há uma sensação de acefalia na formulação de propostas claras, e precisamos preencher esse vazio — alertou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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