Luiz Gonzaga e a agenda nordestina

Nelson Oliveira | 03/12/2012, 13h55

Autor e intérprete de uma obra musical de valor incontestável, inclusive se cotejada com modelos harmônicos não regionais, o homenageado desta segunda-feira (3) no Senado também imprimiu à sua trajetória um sentido político, ainda que sem o grau de intencionalidade de muitos artistas brasileiros. A exemplo de sua música, a participação política de Luiz Gonzaga sempre foi espontânea, ausente de cálculo.

Como bem observou em seu discurso o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), o Rei do Baião foi “o precursor das canções de protesto”, ao gravar em 1953 o hoje clássico Vozes da Seca, parceria com Zé Dantas, autor da letra repleta de regionalismos e dos modos de falar da gente simples. Embora se dirigindo de maneira respeitosa aos governantes, os compositores são incisivos ao relatar o drama dos nordestinos vitimados pela seca e ao pedir urgência para soluções não paternalistas:

(...) doutô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.
É por isso que pidimo proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído para as rédias do pudê
Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê
Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê”

Apesar desse posicionamento muito claro, Gonzaga nunca aderiu a movimentos de contestação. Por isso, nos anos 70, foi cobrado pelo filho, o então universitário e artista iniciante Luiz Gonzaga Júnior, a assumir uma postura de rebeldia frente ao regime militar. Para o sanfoneiro, entretanto, a questão era mais complexa.

Nascido em Exu (PE), e de família humilde, Luiz Gonzaga demonstrou desde cedo muita coragem, mas tinha ciência das pequenas possibilidades de enfrentamento numa esfera mais ampla. Por conta de rejeição social, chegou na adolescência a enfrentar o poderoso da cidade, pai da jovem com quem pretendia se casar. Perseguido, engajou-se no Exército, saída usual para os rapazes sem instrução e perspectiva profissional. Só daria baixa para assumir a carreira de músico.

E foi nos primeiros tempos no Rio de Janeiro, quando ainda passava o chapéu para sobreviver como cantor popular, que conheceu o estudante cearense Armando Falcão, futuro ministro da Justiça de Juscelino Kubitschek e do general Ernesto Geisel (1974-1979). A gratidão pela ajuda e a amizade de Falcão o levou a homenagear o cearense durante o célebre show de 1972 no Teatro Teresa Rachel, no Rio.

Noves anos depois, na noite de 30 de abril de 1981, Gonzagão estaria entre os que condenaram o atentado a bomba no Riocentro, onde se realizava um evento alusivo ao Dia do Trabalho reunindo grandes estrelas da Música Popular Brasileira. Nenhum dos músicos ou da plateia se feriu, apenas o capitão e o sargento (este mortalmente) que guardavam a bomba num Puma estacionado próximo ao ginásio.

Como ídolo, o Rei do Baião pode não ter atendido a algumas expectativas da esquerda, mas sua afirmação artística como nordestino egresso da caatinga contribuiu para assinalar de forma indelével na agenda nacional a necessidade de mudanças para uma região historicamente à espera de soluções.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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