"Isso é assunto de adulto", dizia a avó
A servidora pública Erika Leal Mello viu o pai espancar a mãe quando era criança, e vai carregar sempre as marcas daquela cena. Como ela, muitos filhos e filhas seguem sendo as testemunhas mais frequentes da violência doméstica no Brasil.

Transcrição
AVISO: a reportagem a seguir contém descrição de atos de violência.
Os pais de Erika se separaram quando ela tinha sete anos. Um dia, descendo do ônibus, ela avistou o carro do pai na frente da casa.
(Erika) "Quando a gente chegou lá, tava a minha avó e o meu pai esperando na porta da casa, e ele disse, sério: "Eu vim conversar com a senhora sua mãe". Eu fui também, e a minha avó me puxou e falou, "Não, a gente fica aqui". E aí, menina, pronto... Aí foi só barulho, socação, grito e acusação... E aí eu me lembro que eu me soltei e fui pro corredor, e a minha avó me puxou... E a minha irmã chorava, chorava... Eu falava, "Vovó, a gente tem que... tá acontecendo alguma coisa!...". E aí, ela dizia assim, "Não, você fica aqui. Isso é assunto de adulto".
A história narrada pela servidora pública Erika Leal Mello ilustra uma realidade constatada pela última Pesquisa Nacional de Violência contra Mulher do DataSenado. Das 3,7 milhões de mulheres agredidas nos 12 últimos meses, 71% estavam na presença de outras pessoas – na maioria dos casos, 79%, seus filhos e filhas.
E mais: em 40% dos casos de violência, as testemunhas adultas não ofereceram qualquer ajuda às vítimas.
Erika hoje é uma mulher de 54 anos, financeiramente independente e mãe de dois filhos adultos com quem costuma conversar sobre as relações de gênero. Mas vai carregar sempre no seu corpo as marcas que aquela cena deixou no corpo da mãe.
(Erika) "No dia, o que chamava a atenção era o sangue e a pele. Depois, isso tudo cicatriza, mas os hematomas ficam muito tempo, sabe? Vão amarelando, esverdeando... É uma coisa horrorosa... É uma marca indelével, no corpo e na memória, porque ela vai... não é da periferia do corpo, ela entra, atravessa".
A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, do DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, ouviu 21.641 mulheres a partir de 16 anos, em todos os estados do Brasil, de maio a julho de 2025. A divulgação da pesquisa é parte do esforço do Senado na campanha da ONU 21 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher.
A pesquisa completa está em senado.leg.br/datasenado
Da Rádio Senado, Raíssa Abreu

