As histórias além dos números: detalhes sobre os óbitos pela Covid no Brasil — Rádio Senado
Pandemia

As histórias além dos números: detalhes sobre os óbitos pela Covid no Brasil

A CPI da Pandemia ouviu cidadãos que tiveram Covid-19 ou perderam familiares para a doença. A enfermeira de Manaus, Mayra Pires Lima, perdeu dois irmãos. Uma das irmãs de Mayra deixou 4 filhos, dois deles, gêmeos, com 4 meses de idade. Márcio Antônio, do Rio de Janeiro, perdeu Hugo, o filho de 25 anos. Para o senador Marcos Rogério (DEM-RO), os depoimentos foram utilizados como estratégia para desgastar Jair Bolsonaro. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que a audiência foi uma oportunidade de exercício de empatia.

18/10/2021, 19h28 - ATUALIZADO EM 18/10/2021, 19h55
Duração de áudio: 10:58
Edilson Rodrigues/Agência Senado

Transcrição
LOC: A CPI DA PANDEMIA OUVIU NESTA SEGUNDA-FEIRA FAMILIARES DE VÍTIMAS FATAIS DA COVID-19. CIDADÃOS DE DIVERSOS LOCAIS DO PAÍS CONTARAM AS SUAS HISTÓRIAS E LAMENTARAM AS AÇÕES DO GOVERNO CONTRA A DOENÇA. REPÓRTER RODRIGO RESENDE. Alguns senadores que fazem parte da CPI da Pandemia decidiram, desde o início da Comissão, quebrar uma regra. No lugar da placa com o nome tradicionalmente colocada em frente ao parlamentar, optaram por divulgar a cada reunião naquele espaço o número de brasileiros mortos oficialmente por Covid até aquele dia. EM 18 de outubro a placa indicava 603.324 vítimas fatais. Uma delas, a irmã da enfermeira Mayra Lima, de Manaus: Mayra - Ela agravou, foram feitos todos os tratamentos, toda a equipe médica fez o tratamento, e ela faleceu no dia 10 de fevereiro, às 12h50. Dois dias antes, os filhos dela, os gêmeos, fizeram quatro meses de idade. E ela faleceu, deixando os dois órfãos, assim como tantas outras crianças em Manaus ficaram órfãs, desamparadas. (Rodrigo) O presidente da CPI, Omar Aziz, conterrâneo de Mayra, lembra que aquele número não esconde as muitas histórias que foram encerradas por causa da Covid: Omar - Porque cada uma das mais de 600 mil vítimas tem uma história, uma história diferente, infelizmente com um final sempre muito triste, não há final feliz nessa história. Não é uma novela em que as coisas acontecem no enredo e, lá no final, os casais ficam felizes, as pessoas sobrevivem. Aqui não, aqui é a realidade, aqui é a vida, é o que nos foi posto. Infelizmente, muito disso poderia ter sido evitado (Rodrigo) E ainda que algumas histórias não tenham sido encerradas, sofreram graves consequências. Ou sequelas. É o caso do Arquivaldo Leão, de Trindade, Goiás, que pegou Covid em julho: Arquivaldo - Esses últimos 90 dias têm sido muito difíceis para mim. À noite a gente pensava: "não vou amanhecer o dia". É essa a sensação que a gente sente, Senador Humberto, à noite, quando o tempo vai esfriando um pouco mais e a gente vai sentindo a falta de ar. No 18º dia em que eu estava em tratamento, eu sofri um derrame facial, auditivo, ocular e que também prejudicou um pouco parte do meu corpo, e a partir desse dia eu não consigo mais andar sozinho (Rodrigo) A dor da lembrança e da indignação ainda está na voz de Rosane Brandão. O marido João Alberto, professor da Universidade Federal de Pelotas faleceu em 26 de abril: Rosane - Nós não estamos nos lamentando, não estamos indignados com o ciclo natural da vida. Nós sabemos que as pessoas nascem e nós sabemos que as pessoas morrem, mas nós estamos falando daqueles que deveriam estar entre nós neste momento não fossem as escolhas deste Governo. Se manifestam aqui, através de nós, esposas, esposos, todas as vozes; se manifestam as pessoas que perderam os seus amores, vítimas do negacionismo, da incompetência, da ignorância, da maldade das fake news, que levaram o nosso País ao caos. (Rodrigo) A senadora Soraya Thronicke, do PSL do Mato Grosso do Sul, também pegou Covid e chegou a ser hospitalizada. Se recuperou, mas lamenta pelas vítimas fatais. Algumas que não puderam nem mesmo ver o início da vida de seus filhos: Soraya - E hoje eu quero lembrar aqui e de longe mandar o meu abraço para o Marcos, que é meu assessor, que perdeu a Luciana – eu já falei isso tantas vezes –, perdeu a sua esposa, que teve bebê numa segunda-feira e faleceu na outra segunda-feira. Quando a Luciana foi internada, aí em Brasília, poucos dias depois, foi liberada a vacina para as grávidas e puérperas, e a Luciana não teve tempo de ser vacinada. Ontem, foi aniversário do Marcos, e ele passou o primeiro aniversário sem a esposa dele. Muitos filhos crescerão sem os pais desde o início da vida e outros perderam os seus na chamada flor da idade. É o caso da Geovana, de 19 anos, maranhense de São Luís, que perdeu pai e mãe e agora é responsável pela sua irmã caçula de 10 anos: Geovana - Foi uma diferença de 14 dias do meu pai e da minha mãe. Quando meus pais faleceram, a gente não perdeu só os pais, a gente perdeu uma vida, não é? Uma vida de alegria... Eu costumo dizer que a gente vive uma vida de alegria com momentos de tristeza, uma vida normal, sempre tem alguma coisa assim, mas hoje a gente vive uma vida triste, com uma ou outra coisa que deixa a gente alegre. Então, eu penso dessa forma. (Rodrigo) Katia Shirlene teve o mesmo destino trágico da Geovana. Primeiro o pai faleceu, logo quando a pandemia estava em um de seus picos. A irmã passou por momentos angustiantes: Kátia1 - quando ela chegou lá no necrotério, não estavam encontrando o corpo do meu pai; eram muitos corpos, naquele necrotério, dentro dum saco preto. E o rapaz que estava lá, que era o responsável, pediu a ajuda dela ainda, pra ela procurar o corpo do meu pai; e ela saiu procurando o nome dele, ficou procurando, e via que tinha sacos maiores e menores. Para quem não sabe, quem morre de covid é enterrado nu, dentro de um saco, sem direito a despedida nenhuma. Ela ainda teve que pegar esse corpo do meu pai, e o rapaz... Era tanto corpo, que ele falou: "Olha, eu preciso da sua ajuda". E ela teve que colocar o corpo do meu pai dentro do caixão. E a gente... Eles foram ainda até o cemitério. Chegando lá, o rapaz da funerária falou que, se não se importassem, ele teria que deixar o corpo do meu pai no chão, na terra, porque ele tinha muitos corpos ainda pra procurar e buscar. A mãe de Kátia também faleceria dias depois: Kátia 2 - E ela pedia pra mim: "Filha, eu quero... Eu estou com sede, eu quero água". E a enfermeira dizia que eu não podia nem tirar a máscara pra dar água pra ela, porque ela estava tomando a água espessa – que era espessada com um material que eles colocam pra deixar ela mais grossinha, pra não engasgar. E aí a enfermeira falou que a situação dela estava bem complicada, e eu peguei uma gaze e molhei a boca dela pra aliviar um pouco a sede dela. Por isso é que eu falo que, quando a gente vê um Presidente da República imitando uma pessoa com falta de ar, isso, pra nós, é muito doloroso. Márcio Antônio, do Rio de Janeiro, perdeu o filho Hugo: Márcio 1 - O meu filho, sabe? O nome dele é Hugo Dutra do Nascimento Silva, um filho muito amado, muito companheiro, um jovem de 25 anos que trabalhava em três empregos. Ele era professor de dança de salão, ele era DJ também nessa área e trabalhava na área de informática. O pai, durante o processo da doença do filho, passou por momentos terríveis: Marcio 3 - Fizemos uma cama para ele na sala, isolamos. Como a minha esposa também trabalha na área da saúde, ela já estava, nós estávamos com todos os protocolos em casa. Aí eu forrei, voltei lá e falei com ele. Só que o que aconteceu? Eu moro no primeiro andar, e ele resolveu subir de escada. Nesse momento em que ele subiu de escada, ele quase desmaiou lá em cima! Então, deitou... É por isso que é muito... As pessoas têm que ter noção do que falam, têm que ter noção do que falam! A última vez do meu filho vivo na minha casa, eu fiquei olhando para ele e olhando a respiração dele, olhando o oxímetro. Ele ficava descansando, fiz uma sopa, ele não queria comer, fiz... Esperando para levar de volta para a UPA O senador Marcos Rogério, do Democratas de Rondônia apontou a tristeza das histórias. Mas destacou que a reunião da CPI tinha objetivo político: Marcos Rogério -  É uma estratégia para tentar desgastar a imagem do presidente a partir do sofrimento das pessoas.  O que está acontecendo hoje é prolongar o sofrimento dessas pessoas, dessas família. Não acho que seja adequado. Márcio Antônio, o pai do Hugo, ficou conhecido ao resistir ao vandalismo em uma homenagem às vítimas da Covid em Copacabana. Um senhor retirava da areia as cruzes colocadas em memória das vítimas ... Marcio 2 - Eu falei: "Sabe de uma coisa? Eu vou fazer uma coisa: ele vai tirar e eu vou colocar. Ele pode ficar o dia todo tirando, chutando, e eu vou colocar de volta". Mas, no momento em que eu raciocinei, não tinha realmente... Porque eu estava sentindo... Eu falei: "Será que esse cara não sente que está pisando na cova do meu filho, que está chutando?". É uma falta de respeito muito grande. Para o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, não esquecer histórias como essas é ser de fato patriota: Randolfe - Porque isso é o que é ser compatriota, ter empatia para com o outro, é sentir na pele a dor do outro; é sentir que o Hugo que foi perdido pelo Márcio. O filho do Márcio poderia ser filho de cada um de nós. É se colocar no lugar... É porque o pai e a mãe da Katia poderiam ser os pais de cada um; o pai e a mãe de cada um de nós. É porque os pais da Giovanna poderiam ser até um de nós. É isso que é empatia. (Rodrigo) E o apelo final vem da Kátia: Kátia 3 - A vacina é a única solução para vencermos. Aproveito e faço um apelo. Se você ainda não tomou a vacina, tome a vacina, por favor, aproveite essa oportunidade. Meus pais não tiveram essa oportunidade e poderiam estar aqui conosco. Ainda hoje, por favor, tomem a vacina. (Rodrigo) As estatísticas apontam que a Covid-19 deixou até hoje pelo menos 120 mil órfãos no Brasil. A música apresentada na reportagem é “Aos Nossos Filhos”, de Ivan Lins e Victor Martins. Da Rádio Senado, Rodrigo Resende.

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