Guerra na Ucrânia — Rádio Senado

Guerra na Ucrânia

A Aliança Euro-Atlântica ficou ainda mais forte após o conflito na Ucrânia, que tem 650km de fronteira com a Romênia, o país da União Européia com a maior fronteira com os ucranianos. Por conta disso, a Romênia apoia a Ucrânia em diferentes áreas. É o caso do acolhimento de refugiados. Mais de 4 milhões de ucranianos já entraram no território romeno, e cerca de 100 mil decidiram permanecer. Os romenos também têm prestado ajuda humanitária e energética e facilitaram o transporte de mais de 13 milhões de toneladas de grãos da Ucrânia para o resto do mundo. O Ordem Global conversou com o pesquisador radicado na Rússia, Valdir da Silva Bezerra sobre as implicações e perspectivas da guerra na Ucrânia.

04/07/2023, 16h47 - ATUALIZADO EM 05/07/2023, 17h37
Duração de áudio: 13:41
Foto: Getty Images/iStockphoto

Transcrição
OLÁ. EU SOU FLORIANO FILHO E COMEÇA AQUI O “ORDEM GLOBAL”. NOS PRÓXIMOS MINUTOS VAMOS APRESENTAR NOTÍCIAS E DEBATER QUESTÕES ESTRATÉGICAS E CONTEMPORÂNEAS SOBRE GEOPOLÍTICA E ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL. Em junho o diplomata Ricardo Guerra de Araújo foi confirmado pelo Senado como novo embaixador brasileiro na Romênia. Durante a sabatina na Comissão de Relações Exteriores, ele explicou que os romenos são parte da Otan desde 2004 e da União Europeia desde 2007. E que essa chamada Aliança Euro-Atlântica ficou ainda mais forte após o conflito na Ucrânia, que tem 650km de fronteira com a Romênia. É o país da União Europeia com a maior fronteira com os ucranianos. Por conta disso, a Romênia apoia a Ucrânia em diferentes áreas. É o caso do acolhimento de refugiados. Mais de 4 milhões de ucranianos já entraram no território romeno, e cerca de 100 mil decidiram permanecer. os romenos também têm prestado ajuda humanitária e energética e facilitaram o transporte de mais de 13 milhões de toneladas de grãos da Ucrânia para o resto do mundo. A Romênia defende, eu diria, quase que com unhas e dentes, a independência, a soberania e a integridade territorial da Ucrânia dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas. É um dos mais vocais críticos da Rússia dentro das Nações Unidas, no âmbito do Tribunal Penal Internacional, e vem apoiando as sanções econômicas para isolar Moscou no cenário internacional praticamente desde o início do conflito em 2022. Ricardo Guerra de Araújo também falou sobre a posição que o Brasil vem adotando sobre o conflito em organismos internacionais. A atenção brasileira, pelo menos no que se refere a esse conflito naquele país, tem se concentrado muito nas nossas declarações nas Nações Unidas, tanto na Assembleia Geral quanto no Conselho de Segurança, onde o Brasil tem um assento não permanente. E o Brasil tem indicado muito claramente a nossa posição em relação a esse conflito naquela região da Europa. O Ordem Global conversou com Valdir da Silva Bezerra. Ele é Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo, integrante do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais sobre Ásia da Universidade de São Paulo, onde também pesquisa sobre o BRICS, e Colaborador do Grupo de Estudos sobre a Rússia da Universidade Federal de Santa Catarina. Recentemente ele lançou o livro Um Elo com o Passado: A Rússia de Putin e o Espaço Pós-Soviético, no qual trata de temas como a centralização do Estado na economia, o confronto com opositores políticos e a personalização do poder. Nós conversamos sobre as implicações e perspectivas da guerra na Ucrânia. Olá, Valdir. Bem-vindo ao nosso Programa. 1. O real motivo para a guerra na Ucrânia foi o avanço da OTAN? Se não exatamente o avanço da Otan, pelo menos a percepção que a Rússia teve desse avanço para o leste no contexto do pós guerra fria. até porque, no período recente, o Vladimir Putin mostrou a líderes africanos que vieram a São Petersburgo que existia um documento com as demandas que a Rússia fez à delegação ucraniana no começo do ano passado, já iniciada a guerra, no qual um dos principais pontos, senão o principal, era Justamente a fixação de uma neutralidade da Ucrânia perante a otan. esse tipo de demanda também foi feito pela Rússia em dezembro do ano passado e em outras ocasiões quando o líder Russo Vladimir Putin tentou entrar em acordo com as lideranças ocidentais nesse sentido.  2. As sanções contra a Rússia estão funcionando? As sanções que foram aplicadas à Rússia, na minha visão, tinham o intuito de provocar o cataclismo econômico no país, de modo que a população pudesse se sentir de tal modo afetada pelos problemas gerados por essas sanções, que elas viessem às ruas para pedir uma mudança de Governo na Rússia. mas essas previsões negativas ou pessimistas que foram feitas a respeito da economia russa no ano passado não se realizaram. Então nesse sentido as sanções não funcionaram. Eu não digo que o país não tenha sofrido, sobretudo inicialmente com a aplicação dessas medidas restritivas do Ocidente ao país. Mas elas não cumpriram a sua função principal que seria provocar um colapso econômico da Rússia. Neste caso, elas não foram de fato, até o momento, pelo menos tão efetivas como se esperava. 3. O principal fator para a resistência ucraniana são as armas enviadas pelos Estados Unidos e aliados? Inicialmente os ucranianos conseguiram debelar a investida Russa em direção a Kiev, a sua capital, e naquele momento essa resistência demonstrada pelos ucranianos foi muito importante. Mas no momento posterior, eu diria a partir de abril maio, a ajuda ocidental à Ucrânia, ela foi sim fundamental para que o país pudesse resistir a essas investidas da Rússia no seu território. a gente tem que lembrar que dos principais fornecedores de ajuda financeira e militar à Ucrânia estão os Estados Unidos, que responde por cerca de 70% dessa ajuda, e certamente, que se não fosse esse auxílio da Europa e dos Estados Unidos à Ucrânia, depois dos primeiros meses de iniciar da Guerra, acredito que a reistência ucraniana se veria muita dificultada.  4. Considera que a China tenha-se aliado à Rússia? A China funciona como uma espécie de anteparo econômico para Rússia por conta do fato de que parte das commodities que a Rússia direcionava para Europa, para o ocidente, foram redirecionadas para os mercados asiáticos. Então a China e a Índia têm cumprido um papel muito importante nesse sentido. Mas a China, ela não tem participado diretamente da guerra no sentido de apoiar a Rússia militarmente. Entretanto, os dois países têm demonstrado uma aproximação política muito contundente nos últimos anos, uma aproximação política que se aprofundou bastante a partir dos anos 2000. nesse sentido eu considero que, do ponto de vista geopolítico, A China é sim uma aliada da Rússia na Eurásia, até porque eles são os dois principais países cercados militarmente pelas bases Americanas que contornam todo o continente Euroasiático.  5. É possível que a guerra se alastre para outros países? Eu não vejo essa possibilidade da guerra se alastrar para outros países. eu acredito que ela fique concentrada realmente ali no leste ucraniano na região sul de Zaporíjia e também de Herson, podendo talvez avançar um pouco ali na direção de Odessa, Harkov, na região Nordeste da Ucrânia, mas não afetando outros países necessariamente. por mais que no ano passado tenham ocorrido alguns incidentes na fronteira entre a Ucrânia e a Polônia, eu acho que esses incidentes Eles foram bastante locais, foram episódicos. Na minha visão o conflito vai ficar concentrado na Ucrânia, pelo menos de uma perspectiva futura dos embates entre a Rússia e as forças ucranianas ali na região de Donbass. 6. Teme que haja uma progressão para um conflito nuclear? É, a questão que a gente discute muito nas relações internacionais é que um conflito nuclear não tem vencedor. só tem perdedores. pelo menos do ponto de vista da Rússia, a doutrina Militar do país não prevê um ataque preventivo da Rússia, nuclear. a Rússia só poderia utilizar armas nucleares em duas ocasiões bastante distintas. Uma, se ela for atacada primeiro por uma arma nuclear. E, segundo, se a existência do estado ou se a existência da Federação da Rússia, enquanto tal, estiver sob ameaça. Em nenhum dos casos me parece plausível neste momento. não me parece que alguém vá atacar a Rússia militarmente por meio de armas nucleares. E também não me parece que a existência da Rússia como estado esteja sob ameaça em nenhuma circunstância pelo que vem ocorrendo na Ucrânia. Então, nesse sentido, eu não enxergo uma progressão para um conflito nuclear nem agora, nem no futuro próximo. 7. É possível determinar quem está ganhando ou quem irá vencer esta guerra? Ainda não é possível determinar quem irá vencer essa guerra. eu acho que qualquer tipo de prognóstico é muito difícil neste momento. me parece que a guerra adquiriu contornos de um conflito de esgotamento. Ambos os lados têm feito uma espécie de jogo de paciência, sobretudo os Russos, que esperam que, em caso de insucesso dessa contra-ofensiva ucraniana, a ajuda ocidental, tanto financeira, quanto militar, comece a minar. Então essa tem sido a principal esperança de Moscou. Do lado ucraniano, a gente tem percebido que o principal objetivo é realmente reconquistar os territórios que foram anexados pela Rússia no passado. mas essa tarefa tem se mostrado muito difícil. na minha visão é um conflito que se equilibrou justamente pelo auxílio ocidental que foi fornecido à Ucrânia, como eu mencionei no começo, a partir de abril e que foi aumentando ao longo do tempo. Os dois lados não tem avançado em termos de vista territorial já há bastante tempo. então, na minha visão, ainda não é possível dizer quem está vencendo ou quem irá vencer essa guerra nesses próximos momentos.  8. Para além de Rússia e Ucrânia, no médio e longo prazos, quem serão os grandes vencedores, e como o conflito moldará o futuro cenário global? No médio e longo prazo eu vejo dois Estados que vão sair, entre aspas, com vantagens do resultado desse conflito. O primeiro deles é os Estados Unidos, até porque recentemente ocorreu a explosão do gasoduto do Norte, que conectava a Rússia com a Europa, através da Alemanha. Então, nesse caso, a Europa vai acabar se tornando mais dependente da energia exportada pelos Estados Unidos. E também, de um ponto de vista de segurança, porque a OTAN acabou implementando uma sexta onda de expansão no continente, absorvendo por exemplo a Finlândia. E os estrategistas americanos sempre diziam que a OTAN é uma cabeça de Ponte dos Estados Unidos na Europa. Então eu vejo a América fortalecida. E a China, que não está participando diretamente dessa guerra. Pelo menos também não tem ajudado a Rússia militarmente e que passou a comprar a energia da Rússia mais barata. E tem se posicionado como um grande jogador global em meio a todo esse caos acontecendo no leste europeu, como por exemplo foi demonstrado quando a China atuou como um intermediário para retomada de relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Irã, por exemplo. então eu vejo esses dois países saindo mais fortes – os Estados Unidos e a China. 9. Qual deveria ser o comportamento mais adequado do Brasil em relação ao conflito? O Brasil, ele vem tentando exercer um papel de possível mediador desse conflito de negociações de paz. Muito embora o país tenha tomado dois caminhos relativamente distintos. O primeiro é a diplomacia institucional do Brasil na ONU, na qual o país tem votado junto com o Ocidente nas moções condenatórias contra as ações da Rússia na Ucrânia. E o segundo é a diplomacia presidencial, que tem se mostrado mais neutra, que tem se mostrado desejosa de servir como uma ponte entre russos e ucranianos, por mais que essa situação tenha ficado cada vez mais difícil nos últimos tempos. Mas, a meu ver, o Brasil tem feito o que pode para tentar ajudar num processo de estabelecimento de negociações de paz. Existem limites para isso porque, no final das contas, essa negociação vai precisar envolver as demandas da Rússia e da Ucrânia e o que eles imaginam ser condizente com um cenário de cessar-fogo. Fora essas questões que eu mencionei, não há muito mais do que o Brasil possa fazer para poder acelerar esse processo. 10. O fato do Brasil fazer parte dos BRICS faz diferença nesse aspecto? O Brasil fazer parte dos BRICS faz sim alguma diferença. Os BRICS, no geral, China, índia, África do Sul têm se mostrado mais neutros em relação à Rússia. Procuraram mostrar que a Rússia não estava exatamente isolada internacionalmente como se quer fazer pensar no Ocidente. Mas, ao mesmo tempo, mesmo dentro dos brics, o Brasil, no caso, tem-se mostrado um tanto mais independente por conta das votações da assembleia geral da ONU, na qual o Brasil condenou as ações da Rússia na Ucrânia, tendo em vista o respeito à integridade territorial dos Estados, que é um dos princípios da nossa Constituição. A presença do Brasil nos BRICS pode ter influenciado em certa medida a diplomacia presidencial brasileira, que começou a partir do final da administração anterior de Bolsonaro e que seguiu com a administração atual de Lula no sentido de não antagonizar a Rússia. Até porque a Rússia é um parceiro comercial importante para o Brasil no segmento de fertilizantes e também, claro, pelo fato de que eles são parceiros dentro do âmbito dos BRICS. Obrigado, Valdir. Por hoje, o nosso podcast “Ordem Global” fica por aqui. A você que nos ouve, muito obrigado pela audiência e até o nosso próximo programa.

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