A relação entre nível educacional e percepção de eficácia da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006) é ferramenta fundamental na proteção das mulheres, oferecendo medidas legais para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica. Ao criar mecanismos que fortalecem a punição aos agressores e promovem o amparo às vítimas, esse importante instrumento normativo desempenha papel crucial na transformação cultural necessária para construir uma sociedade mais justa e igualitária. A sua aplicação e fortalecimento, portanto, são imperativos para a promoção da segurança e dignidade das mulheres, contribuindo para a construção de uma sociedade onde a violência de gênero não tenha espaço.

Dentre as ações de fortalecimento do combate à violência contra a mulher, há de se incluir a divulgação da Lei Maria da Penha em iniciativas educativas e de comunicação. Tal difusão dos preceitos ditados pela lei é uma forma de ampliar o conhecimento e consequente acesso aos serviços de proteção e de mostrar portas de saída para quem sofre com a violência dentro da própria casa e da própria família. Isso é ainda mais importante quando se leva em consideração que a violência de gênero é agravada por outras questões sociais tais como desigualdade racial, desigualdade econômica e diferenças no acesso à educação. Em um ciclo de vulnerabilidades, mulheres negras são as que, em geral, possuem menos recursos financeiros e têm menos acesso ao ensino formal. Com menores índices educacionais, piores são as condições de empregabilidade e menores são as chances de ascensão econômica, o que perpetua o ciclo de desigualdades.

Levantamento realizado pelo DataSenado em 2023 [1] alerta sobre a vulnerabilidade das mulheres de menor renda, evidenciando que aquelas quem possuem um menor poder econômico, relatam com mais frequência uma agressão sofrida em algum momento da vida. Entre as mulheres que recebem até dois salários mínimos, 35% relatam casos de violência, enquanto essa proporção diminui para 28% entre aquelas que recebem de dois a seis salários mínimos e cai para 20% entre aquelas que ganham mais de seis salários mínimos. O levantamento ainda indica que esses índices podem ser ainda maiores, já que muitas agressões sofridas não são percebidas como violência doméstica por parte das mulheres.

Nesse ciclo vicioso, em que mulheres de baixa renda têm menor acesso à educação e menor possibilidade de ascender economicamente, o impacto da violência doméstica é ainda mais grave. Segundo a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, essa disparidade educacional se reflete na compreensão e grau de confiança em instrumentos legais vitais, como a Lei Maria da Penha.

Nesse cenário, a limitação de acesso à educação não apenas perpetua a desigualdade socioeconômica, mas também influencia a percepção e utilização de ferramentas legais cruciais para o enfrentamento da violência de gênero. Assim, a conexão entre a falta de acesso à educação e a compreensão da Lei Maria da Penha destaca a necessidade de abordagens transversais para promover a equidade em diversas dimensões da sociedade.

Os resultados evidenciam que quanto maior a escolaridade, maior o conhecimento sobre a Lei Maria da Penha. Dentre as mulheres não alfabetizadas, apenas 13% afirmam conhecer muito sobre essa lei, índice que alcança o patamar de 39% entre as mulheres com ensino superior completo. Comparando o outro extremo, dentre as mulheres não alfabetizadas, 30% afirmam conhecer nada sobre a Lei Maria da Penha e apenas 2% das mulheres com ensino superior completo afirmam o mesmo.

O levantamento demonstra também que, quanto menos uma mulher conhece a Lei Maria da Penha, menos ela acredita em sua eficácia protetora. Enquanto 6% das mulheres que acreditam que a lei protege as mulheres contra a violência doméstica afirmam conhecer nada sobre a lei, esse índice sobe para 28% entre aquelas que declaram conhecer muito .

Ademais, ao se fazer o cruzamento entre o grau de escolaridade e a percepção de eficácia da Lei Maria da Penha, verifica-se que 32% das mulheres não alfabetizadas acreditam que a lei não protege as mulheres contra a violência doméstica e familiar. Dentre as mulheres com ensino superior completo, esse patamar cai para 12%.

Em vista disso, a conexão entre a falta de acesso à educação e a compreensão da Lei Maria da Penha se evidencia como fator crítico. A desigualdade socioeconômica, exacerbada pela vulnerabilidade das mulheres de menor renda, amplifica os impactos da violência doméstica. A pesquisa do DataSenado em 2023 destaca a correlação direta entre o poder econômico e a incidência de violência, revelando que a limitação de acesso à educação perpetua não apenas disparidades econômicas, mas também influencia a percepção das leis destinadas a proteger as vítimas.

A falta de confiança na lei pode levar a uma percepção de desamparo ainda maior, pois mina a esperança de que a justiça será feita e de que as vítimas serão protegidas. Quando as mulheres não confiam no sistema legal para buscar justiça e proteção, podem se sentir desencorajadas a buscar ajuda e apoio. Isso pode resultar em vítimas que hesitam em denunciar seus agressores ou buscar abrigo em serviços de apoio disponíveis. Além disso, a falta de confiança na lei pode levar à subnotificação de casos de violência, o que pode distorcer a percepção pública da gravidade do problema e dificultar o acesso a recursos e financiamento para programas de prevenção e assistência. Em última análise, a falta de confiança na lei pode criar barreiras significativas para o acesso à rede de proteção à mulher e perpetuar o ciclo de violência.

Os dados revelam uma clara relação entre escolaridade e compreensão da Lei Maria da Penha e nível de confiança em sua eficácia, apontando para a necessidade de iniciativas educativas e de comunicação. A disseminação do conhecimento sobre a lei é uma ferramenta vital para ampliar o acesso aos serviços de proteção, particularmente para mulheres em situação de maior vulnerabilidade. Assim, investir na educação e na conscientização é essencial para romper esse ciclo de violência e construir um futuro mais seguro e igualitário para todas as mulheres.

Tabelas

"Quanto você conhece sobre a Lei Maria da Penha?" por escolaridade - População feminina - Brasil - 2023

Estimativa (± margem de erro)

Não alfabetizada

Ensino fundamental incompleto

Ensino fundamental completo

Ensino médio incompleto

Ensino médio completo

Ensino superior incompleto

Ensino superior completo

Brasil

Muito

13% (±3,8%)

19% (±2,7%)

22% (±4,6%)

22% (±3,1%)

21% (±1,9%)

31% (±4,6%)

39% (±3,0%)

24% (±1,2%)

Pouco

54% (±6,3%)

66% (±3,7%)

68% (±4,8%)

68% (±3,8%)

75% (±2,0%)

67% (±4,6%)

59% (±3,1%)

67% (±1,4%)

Nada

30% (±6,8%)

13% (±3,4%)

8% (±2,2%)

10% (±3,0%)

4% (±0,9%)

1% (±0,6%)

2% (±1,0%)

8% (±1,0%)

Não sei /Prefiro não responder

2% (±1,5%)

1% (±0,8%)

2% (±1,4%)

0% (±0,4%)

0% (±0,2%)

1% (±0,8%)

0% (±0,2%)

1% (±0,2%)

Total

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

Amostra Observada

837

3.034

1.514

2.588

6.708

1.808

5.298

21.787

Amostra Ponderada

1.141

4.966

1.601

1.714

6.984

1.215

4.165

21.787

População Estimada

4.374.007

19.031.365

6.137.430

6.569.096

26.767.345

4.655.381

15.963.764

83.498.389

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023.
Notas:
(1) Soma dos percentuais difere de 100% devido ao arredondamento.
(2) Diferenças entre totais estimados, para o Brasil, ocorrem devido ao arredondamento.

"Você acha que a Lei Maria da Penha protege as mulheres contra a violência doméstica e familiar?" por escolaridade - População feminina - Brasil - 2023

Estimativa (± margem de erro)

Não alfabetizada

Ensino fundamental incompleto

Ensino fundamental completo

Ensino médio incompleto

Ensino médio completo

Ensino superior incompleto

Ensino superior completo

Brasil

Sim

38% (±5,3%)

31% (±3,1%)

27% (±4,1%)

32% (±3,4%)

26% (±2,0%)

24% (±3,2%)

31% (±2,9%)

29% (±1,2%)

Em parte

27% (±6,2%)

40% (±3,5%)

50% (±5,1%)

47% (±3,8%)

56% (±2,4%)

65% (±3,9%)

58% (±3,0%)

51% (±1,4%)

Não

32% (±6,4%)

26% (±3,6%)

22% (±4,0%)

19% (±3,1%)

17% (±1,8%)

10% (±2,5%)

12% (±1,9%)

19% (±1,2%)

Não sei /Prefiro não responder

2% (±1,2%)

2% (±1,0%)

1% (±0,6%)

2% (±1,9%)

1% (±0,5%)

1% (±0,9%)

0% (±0,2%)

1% (±0,3%)

Total

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

Amostra Observada

837

3.034

1.514

2.588

6.708

1.808

5.298

21.787

Amostra Ponderada

1.141

4.966

1.601

1.714

6.984

1.215

4.165

21.787

População Estimada

4.374.007

19.031.365

6.137.430

6.569.096

26.767.345

4.655.381

15.963.764

83.498.390

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023.
Notas:
(1) Soma dos percentuais difere de 100% devido ao arredondamento.
(2) Diferenças entre totais estimados, para o Brasil, ocorrem devido ao arredondamento.

"Quanto você conhece sobre a Lei Maria da Penha?" por "Você acha que a Lei Maria da Penha protege as mulheres contra a violência doméstica e familiar?" - População feminina - Brasil - 2023

Quanto você conhece sobre a Lei Maria da Penha?

Muito

Pouco

Nada

Não sei /Prefiro não responder

Sim

33% (±2,7%)

28% (±1,5%)

26% (±4,8%)

39% (±13,8%)

Em parte

50% (±2,8%)

54% (±1,6%)

32% (±6,2%)

37% (±13,6%)

Não

16% (±2,0%)

18% (±1,3%)

42% (±7,8%)

23% (±12,0%)

Total

100%

100%

100%

100%

Amostra Observada

5.636

14.625

1.378

148

Amostra Ponderada

5.269

14.689

1.638

191

População Estimada

20.193.344

56.297.081

6.276.873

731.091

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023.
Nota: Soma dos percentuais difere de 100% devido ao arredondamento.

Ficha Técnica

Marcos Ruben de Oliveira

Coordenador do DataSenado e estatístico responsável pelas pesquisas DataSenado

Isabela de Souza Lima Campos

Chefe do Serviço de Pesquisa e Análise do DataSenado

Roberto de Souza Marques Buffone

Engenheiro de Dados do DataSenado

Aretha Pessanha Cordeiro

Cientista de Dados do DataSenado

Pedro Leonardo de C.M Barbosa

Supervisor de Tecnologia de Dados e Pesquisa

Lucas Almeida Pierre Silva

Técnico em visualização e interação com dados em tecnologia Web

Notas de rodapé

Pesquisa realizada pelo DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/publicacaodatasenado?id=pesquisa-nacional-de-violencia-contra-a-mulher-datasenado-2023>