Equidade de gêneros — Rádio Senado
Senado e Você

Equidade de gêneros

Na primeira edição do programa, publicada nesta segunda-feira (29/03), a diretora-geral do Senado Federal, Ilana Trombka, apresenta iniciativas e práticas inclusivas voltadas a promover a igualdade entre homens e mulheres, que abrangem aspectos como assédio no ambiente de trabalho, violência doméstica, lideranças femininas, entre outros. Um dos exemplos é a contratação, nos processos licitatórios da Casa, de um percentual mínimo de mulheres vítimas de violência ou oriundas do sistema prisional. O sucesso dessa iniciativa inspirou artigo da recém-aprovada Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

26/03/2021, 20h08 - ATUALIZADO EM 19/06/2023, 16h01
Duração de áudio: 16:18
Rádio Senado

Transcrição
Transcrição automática do áudio: Senado e você! Olá, eu sou Celso Cavalcanti e começa aqui o Senado e você. Neste espaço, vamos conversar sobre ações importantes que o Senado Federal desenvolve e apoia com foco na responsabilidade social e ambiental. E o nosso assunto de hoje será equidade. O Senado tem alcançado o papel de destaque e até pioneiro entre as instituições públicas brasileiras com relação às iniciativas voltadas à igualdade entre mulheres e homens, inclusive inspirando a formulação de leis nesse sentido. E é sobre esse tema que falamos a partir de agora com Ilana Trombka, diretora-geral do Senado Federal. - Olá, Ilana. - Olá, a todos e a todas que nos escutam. Ilana, qual o balanço que você faz do Março Mulheres no Senado Federal que teve na programação várias ações voltadas à equidade de gênero e a discussão de diferentes temas relacionados à participação da mulher na sociedade? Bom, Celso, eu acho que foi um março muito diferente. Não podemos deixar de pensar que estamos numa pandemia e que a pandemia prende a atenção de todo o brasileiro e de toda a brasileira. Mas existem questões que têm que ser discutidas sempre, porque têm que ser resolvidas e nosso país ainda não resolveu. Uma delas é a equidade de gênero e conseguimos uma grande adesão. Tivemos desde ações internas, debates, a própria participação dos servidores, servidoras, colaboradores e colaboradoras do Senado Federal, indicando matemática, que foi a questão do teletrabalho, a organização da vida e teletrabalho, e também muitas ações externas, culminando com uma reunião que tínhamos 48 pessoas de diversos órgãos da administração pública trabalhando na ideia de criar uma rede de equidade. Isso é claro sem falar numa enorme conquista que é a representação feminina no colediado de líderes do Senado Federal. Então foram só algumas iniciativas de tantas que a gente teve que tornaram esse março mulheres mais do que especial e representativo. Que maravilha! Ilana, um dos destaques do março mulheres foi a discussão em torno das lideranças femininas, em pleno século XXI. As mulheres ainda enfrentam, Ilana, preconceitos e dificuldades maiores que as dos homens no mercado de trabalho? Sim, enfrentam e isso é um fato. O fato é que salários de mulheres são menores do que de homens. O fato é que a mulher tem uma jornada de trabalho maior que a do homem, inclusive em horas. O fato é que a mulher acumula uma série de papéis sociais e o fato é que o mercado de trabalho ainda não está formatado para entender a diversidade. E veja, a mulher faz tudo isso e acumula as mesmas questões no mercado de trabalho que o homem e quando tem as mesmas oportunidades certamente chega a qualquer lugar, chega ao topo. Não podemos negar que existe o que a gente chama de teto de vidro, que é esse limite invisível que muitas vezes faz com que a mulher estanque a sua carreira nos estratos médios. Mas cada vez mais mulheres conseguem quebrar esse teto e passam a ser exemplos. E ao mesmo tempo, por quebrarem esse teto e chegarem nos postos mais altos tanto da administração pública como nas empresas privadas, elas também formatam e passam a sua visão nesses postos que ocupam. E talvez isso seja uma maior contribuição, sabe Celso? Que é "eu cheguei mas sei que depois de mim muitas outras chegarão". Ou seja, é preparar esse ambiente para que cada vez mais mulheres estejam na liderança. Isso mesmo, um desafio e tanto, né? Bom, Ilana, um relatório recentemente divulgado pelo governo federal apontou que a violência doméstica contra as mulheres aumentou no Brasil durante a pandemia da Covid-19. Somente em 2020 foram registradas quase 106 mil denúncias de agressões. Por que situações desse tipo, Ilana? Devem ser tratadas não apenas como caso de polícia, mas também de saúde pública. Devem ser tratadas como caso de polícia, de saúde pública, caso de educação, de assistência social, essa é uma política transversal. Todos os problemas de política pública são problemas complexos. Isso significa que eles têm formas de serem vistas sobre vários aspectos. E o combate à violência contra a mulher não é diferente. Ele é um problema de saúde pública. Desde o ponto de vista que é necessário uma atenção especializada em integrar a mulher vítima de violência até a porta de entrada das denúncias que pode se dar muitas vezes com a atenção básica de saúde, que é aquela que chega na casa da mulher e que pode observar uma série de situações. Além disso, o Senado mesmo aprovou uma iniciativa que garante vagas em creches prioritárias para mulheres vítimas de violência. E há também toda uma questão formatada na questão da assistência social, da reintegração da mulher no mercado de trabalho, e na questão também da polícia, prevenção à violência e também da punição. Além disso, as questões vinculadas ao combate à violência contra a mulher envolvem também o homem. Porque não se deseja tirar uma mulher do ciclo da violência, mas não trabalhar aquele homem agressor e que ele passe simplesmente a agredir outra mulher. Nós precisamos também trabalhar um homem agressor, também trabalhar a família dessa mulher, com os filhos, ou seja, uma política ampla. Um pequeno espaço dessa política que é a inserção da mulher no mercado de trabalho, o Senado tem uma atuação bastante destacada. Uma vez que nós criamos em 2016 uma cota nos contratos de terceirização de mão de obra para mulheres vítimas de violência. Essa cota hoje é reconhecida pela sociedade, virou um projeto de lei que já foi aprovado no Senado Federal e hoje se encontra em análise na Câmara dos Deputados. E a ideia dessa cota foi inserida na nova lei de licitações, que hoje se encontra para a sanção presidencial por uma iniciativa do próprio Ministério da Economia. -Celular, eu ia justamente perguntar você com relação a essa aprovação dessa lei aqui pelo Senado, permite que os editais de licitações exigam um percentual mínimo de mão de obra composto por mulheres vítimas de violência doméstica, ou vindas do sistema prisional, não é isso? -Sim, é isso e ele também usa a questão da equidade de gênero como critério de empate nas licitações públicas. Isso foi algo muito curioso, Célcio, porque isso mostrou o reconhecimento de uma política interna do Senado Federal por toda a administração pública. Nós já tínhamos a completa certeza que esse é um dispositivo possível, legal e até recomendável, tanto que o aplicamos desde 2016 e nunca tivemos sequer qualquer ressalva por conta dele em análise do TCU. Mas muitas outras instituições não se sentiam seguras para adotar esse tipo de cota, que hoje está então regulamentado naquela que é a principal lei que orienta a licitações públicas, o que será, na verdade, porque ela tem dois anos de vacácio leges, ela entra em vigor um período após a aprovação dela. Então isso foi muito interessante porque foi a comprovação que de uma política interna da casa nós podemos fomentar políticas públicas, ou seja, da nossa experiência nós podemos inspirar toda a administração pública. Olha que bacana, então uma prática e pioneira do Senado sendo transformada em lei e sendo ampliada para as demais instituições públicas. Ilana, e quais os resultados práticos você destacaria já com essas medidas pioneiras de inclusão da questão da equidade e nas licitações pelo Senado Federal? O Senado já faz isso, hoje a gente tem dezenas de mulheres que trabalham no Senado e são vítimas de violência. É claro que diretamente a gente recorda, pensa, reflete sobre a importância de um espaço de trabalho na vida dessas mulheres. Uma vez que a dependência econômica prende a mulher no ciclo da violência. Até porque a gente sabe que se essa mulher for mãe, ela tem toda uma responsabilidade, uma necessidade de dar condições para a criação dos seus filhos e se ela tiver que voltar para o agressor para isso, ela acaba voltando. E é o que eu costumo dizer. Aí a distância da mão do agressor para a gaveta onde ficam as facas, fica mais curto. Meu Deus. Agora, isso é um impacto relevante, mas ele não é o único. Houve um impacto muito grande dentro do Senado Federal, dentro do clime da cultura organizacional da nossa instituição. Porque a violência contra a mulher, que era um assunto que estava no portal de notícias, estava no jornal, estava na televisão e quando você fechava a notícia, um mudava de canal, ele sumia, passou a ser uma temática recorrente uma vez que nós temos dezenas de colegas que estão no Senado a partir dessa corta. Isso passou a entrar na vida de cada um de nós. Passou a ser uma temática da qual nós não conseguimos nos desligar. Isso fez com que o combate à violência saísse de uma ação institucional e fosse para uma ação individual de cada uma das pessoas do Senado Federal e muito especialmente daqueles que convivem com essas colegas. Portanto, essa primeira ação de 2016 enfejou uma série de outras medidas. Por exemplo, as campanhas para tornar o Senado um ambiente livre de qualquer tipo de afete. Por exemplo, o entendimento da estrutura psicológica e da necessidade de recuperação dessas mulheres. Principalmente, o entendimento da postura machista que leva ao entendimento e à objetificação da mulher. Porque o homem que bate na mulher não entende a mulher como um igual, ele entende a mulher como um objeto que pertence a ele. E se esse objeto pertence a ele, ele pode fazer qualquer coisa. É verdade. Então isso foi um segundo efeito da corta muito interessante, que nós também não planejávamos no começo. O que nos motivou para isso foi tentar auxiliar as mulheres para que elas saíssem do ciclo da violência. Mas escolhemos além desse primeiro objetivo, um segundo objetivo muito interessante, que é a real sensibilização das pessoas para essas questões. Que bacana que a gente consegue ver, apesar da situação ainda muito grave, a gente consegue ver algumas evoluções. Neste mês de março, inclusive, foi comemorado o sexto aniversário da Lei do Feminicídio, uma legislação instituída a partir do trabalho da CPMI, da violência contra a mulher. A aprovação de normas legais como essa, Ilana, e como também da Lei de Licitações, mostram que também na atividade legislativa, o Parlamento, o Senado, a Câmara, enfim, está atento à questão da equidade, não é? Sim, a Lei do Feminicídio veio no Bojo com mais sete sugestões legais que saíram da CPMI, que foi presidida pela então senadora Ana Rita, e que fez uma série de audiências públicas. E que durante essas audiências públicas conseguiu perceber a realidade, a realidade naquele momento. Eram que os homicídios contra mulheres muitas vezes não chegavam a responsabilizar os raios, e às vezes até culpabilizavam a mulher. Houve um caso naquela época muito chamativo que foi o assassinato de uma mulher em Pernambuco, porque o homem não gostou, então, a heredela não gostou da roupa que ela estava usando. E esse crime estava prestes a prescrever quando houve uma audiência pública em Recife. E aí a Comissão resolveu acompanhar esse caso e, através da atuação da Comissão, foi possível levar esse caso a julgamento. Mas isso foi um ponto que mostrou que era necessário um agravante no homicídio contra a mulher, porque o preconceito estava tão enraizado que quando uma mulher morria por questões de violência de gênero, já se botava culpa na própria mulher. Então foi muito importante a lei do feminicídio, porque ela jogou luz a isso. E ela disse que a mulher não pode ser agredida e muito menos morta porque ela escolheu usar uma roupa por ser mulher. Primeira uma tragédia, uma tristeza que a gente precisa de uma lei assim, mas já que a gente precisa nós precisamos tê-la. E precisamos fazer com que ela realmente esteja sendo aplicada aqui no Distrito Federal, que foi a primeira unidade da federação que, no âmbito da sua polícia civil, decidiu que todo homicídio contra a mulher é qualificado como feminicídio. E se ele não for um feminicídio, depois ele é descaracterizado, porque a gente sabe que as leis do feminicídio são mais duras. Então isso foi um outro exemplo que o Distrito Federal deu, também inspirando outras unidades da federação para que assim o faça. E sem dúvida a solução da violência, do combate à violência contra a mulher não é somente policial, mas passa também pelos órgãos de repreensão. E a gente vê que cada vez mais os homens também começam a se voltar para a necessidade de enfrentar essa questão, não é uma questão exclusivamente feminina, né? Não, essa é uma questão de toda a sociedade, porque os impactos delas estão toda a sociedade. É uma questão que atinge uma célula muito importante que é a família. Primeiro grande parte dos feminicídios deixa uma família órfã, né? Segundo os casos de violência que não chegam ao feminicídio passam uma educação para violência, uma educação para agressão, e não uma educação para paz, que é o que a gente tem que fomentar na nossa sociedade. E não a ingenuidade dizer que a gente precisa de uma educação para paz, porque se não for uma educação para paz, uma educação para compreensão, uma educação para colaboração, nós nunca vamos poder nos fortalecer como sociedade. E o exemplo da agressão, especialmente quando ele é dentro de casa, quando ele é nular, ou seja, naquele ambiente que tem que ser o ambiente mais protegido, em que a gente se sente mais segura, ele dá uma realidade completamente oposta. E aí acontecem os casos de naturalização, né? A pessoa se cria com a violência, se cria vendo a mãe apanhar, se cria vendo o pai bater. E se ela não conseguir trabalhar, ela não decorrer da sua vida, ela começa a achar que aquilo é aceitado. E aí vai todo um ciclo que é um ciclo virtuoso, que a gente tem que trabalhar exatamente ao contrário, um ciclo virtuoso, de respeito, de compreensão, de colaboração, de educação e também de repressão, se esse for o caso. Excelente. Bom, daí essa situação, esse contexto social ainda tão sério, enfrentado por grande parcela das mulheres brasileiras, destacam ainda mais a importância de ações como essas que a gente falou aqui, desenvolvidas pelo Senado Federal, e que agora, inclusive, chegam a se tornar parte da legislação. Nós conversamos então com Ilana Trômbica, que é diretor geral do Senado Federal. Ela falou sobre vários iniciativos desenvolvidos e apoiados pelo Senado, no enfrentamento à questão da violência contra a mulher, enfim, no avanço da equidade de gêneros no país. Ilana, a gente agradece muito a sua participação e eu gostaria de saber se você queria deixar alguma mensagem para todas e todos que nos ouvem sobre a importância de que o país avance cada vez mais na direção da plena equidade entre homens e mulheres. Sabe Celso, eu cada vez mais me convenço que a pluralidade e a participação de todos não é bom para aquelas maioria minorizadas, é bom para toda a sociedade. O Senado tem sido e deve ser sempre um exemplo. Afinal de contas, ele se relaciona com uma sociedade composta por homens, mulheres, negros, brancos, jovens, idosos, pessoas cisgêneras e pessoas não cisgêneras. E é para toda essa sociedade que a gente trabalha e é com essa sociedade que a gente tem que se comunicar. Então, nada mais adequado do que internamente nós também termos todas essas diversidades representadas. Muito bom. Ilana Trombka, diretor general do Senado Federal, muito obrigado por sua participação. Um abraço até a próxima. E a você que nos ouve, muito obrigado pela audiência e até o próximo Senado e você. Senado e você C. [MÚSICA DE FUNDO]

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