Festa do Sairé: saiba mais sobre essa manifestação da cultural nacional reconhecida por lei
A Festa do Sairé foi reconhecida como manifestação da cultura brasileira pela Lei 14.997/2024. Realizada anualmente em setembro na Vila de Alter do Chão, distrito de Santarém (PA), o festejo acontece há mais de 300 anos e une tradições indígenas do povo Borari, costumes dos povos ribeirinhos e influências religiosas católicas. Nesta reportagem, Maria Eulália, uma das rainhas do Sairé, e Osmar Vieira, um dos coordenadores e juízes do festival, falam sobre as profundas mensagens que o Sairé traz, para além da beleza do espetáculo popular: respeito às culturas originárias, floresta em pé e a demarcação do território Borari.
Transcrição
VOCÊ CONHECE A FESTA DO SAIRÉ, DE ALTER DO CHÃO, EM SANTARÉM, NO PARÁ? ELA ACABA DE SER RECONHECIDA POR LEI COMO "MANIFESTAÇÃO DA CULTURA NACIONAL".
VAMOS SABER MAIS SOBRE ESSE BELÍSSIMO FESTEJO QUE MISTURA FÉ, CULTURA E A RESISTÊNCIA DOS RIBEIRINHOS E DO POVO INDÍGENA BORARÍ, QUE TRANSMITE, NA ARTE, UM APELO PELA DEMARCAÇÃO DE SEU TERRITÓRIO TRADICIONAL. A REPORTAGEM É DE PAULO BARREIRA:
A palavra "Sairé" carrega séculos de história e tradição. Com suas raízes nos rituais indígenas, significa "salve a criança que há em você, salve a alegria que há em você", um chamado à celebração e à preservação de uma identidade construída por gerações no Baixo Tapajós.
A Festa do Sairé, agora reconhecida por lei como manifestação da cultura nacional, acontece há mais de 300 anos e é uma das maiores expressões do sincretismo cultural da Amazônia, unindo tradições indígenas do povo Borari, costumes dos povos ribeirinhos e influências religiosas católicas. Realizada anualmente em setembro, por uma semana, a festa enche as ruas de Alter do Chão com muita música, dança, devoção e cores. O Sairé já chegou a ser proibido por três décadas no século passado, renascendo em 1973, quanto os moradores da vila resolveram resgatar a festa como manifestação folclórica, desvinculada da Igreja Católica e celebrada novamente pelo povo Borari junto com a festa de Nossa Senhora da Saúde, padroeira da região.
A festa começa de forma simbólica, com a busca dos mastros às margens do Rio Tapajós. Este ato inicial conecta o homem à natureza, ao sagrado e ao imáginario místico da Amazônia. O lado religioso do Sairé é marcado pelas procissões, missas e rituais, como o Beija-Fita e as ladainhas, enquanto o lado cultural ganha vida com o Festival dos Botos, que teve início em 1998. No Festival, Boto Cor de Rosa e Boto Tucuxi disputam a atenção do público e dos jurados em uma encenação da lenda amazônica do ser mitológico que, em noites de lua cheia, transforma-se em um jovem sedutor. A disputa acontece no Lago dos Botos e tem a participação de bailarinos, músicos e representantes da comunidade, como a Cabocla Borari e a Rainha do Sairé. O espetáculo é também uma forma de exaltar a floresta e, todos os anos, as apresentações trazem à tona a importância da preservação ambiental e a luta contra a especulação imobiliária que ameaça Alter do Chão.
Maria Eulália, rainha do Sairé pelo Boto Cor de Rosa, é também jornalista e uma das grandes vozes em defesa da tradição. Ela acredita que a Festa do Sairé é mais do que uma simples celebração: é um legado de resistência cultural e uma forma de manter viva a identidade do povo Borari:
(Maria Eulália, jornalista e Rainha do Sairé) “Essa festa nos faz crer que a cultura pode ser passada de geração para geração. E que um povo sem cultura é um povo sem história porque tudo o que nós sabemos sobre a nossa história, sobre a nossa autoafirmação do povo Borari se dá pelo Sairé. Então, muito antes das pessoas não aceitarem o povo Borari como povo tradicional, essa festa já acontecia no nosso centro, então, o povo Borari vem de muito tempo atrás".
Para Osmar Vieira, juiz da festa e coordenador do Sairé, o reconhecimento por meio de uma lei nacional traz um novo impulso para a luta por direitos territoriais da comunidade Borari:
(Osmar Vieira, juiz e coordenador do Sairé) “Fortalece ainda mais a nossa identidade. É uma forma, ainda, de dizer que a aldeia dos Borari precisam ser reconhecida e também ser demarcada".
Além de seu valor cultural e histórico, Osmar acredita que o Sairé também movimenta o turismo e a economia locais, gerando emprego e renda para as comunidades de Alter do Chão:
(Osmar Vieira, juiz e coordenador do Sairé) “O Sairé ele é muito importante não só no seu aspecto, cultural, religioso, tradicional, mas, também, com o seu aspecto do turismo, porque gera o turismo no nosso município; assim, trazendo mais dinheiro, recursos, gerando mais emprego e, com o recurso do Sairé, os nossos municípios, as nossas comunidades, elas têm crescido ainda mais".
A Festa do Sairé é considerada hoje o maior evento cultural do oeste do Pará e sua relevância vai além das celebrações. Ela é um símbolo de resistência, de preservação da cultura e de luta pela floresta em pé. No Senado, a proposta que deu origem à lei foi analisada pela Comissão de Educação e contou com a relatoria do senador Zequinha Marinho, do Podemos do Pará. Sob a supervisão de Marcela Diniz, da Rádio Senado, Paulo Barreira.