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Pandemia pode virar o jogo a favor da ciência e da inovação tecnológica

Nelson Oliveira
Publicado em 31/3/2021

Enquanto batia sucessivos recordes de mortes por covid-19 e via crescerem as filas por uma vaga de UTI, o Brasil recebeu duas notícias positivas na semana passada: o Instituto Butantan, pertencente ao governo de São Paulo, anunciou para este ano uma nova vacina, a Butanvac; e o governo federal prometeu recursos para permitir o andamento das pesquisas da Versamune, uma vacina desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, com grandes chances de início de produção em 2022.

O anúncio da Butanvac gerou uma onda de otimismo entre senadores, que foram às redes sociais comentar o assunto. Para Jarbas Vasconcelos (MDB-PE), por exemplo, a Butanvac “renova a esperança” do povo brasileiro.

“Mais uma prova da enorme importância dos investimentos em ciência e tecnologia para o Brasil! Vacina só se desenvolve com pesquisa, e pesquisa precisa de recursos. Nossa prioridade é a vacina”, escreveu o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), autor de projeto de lei complementar (PLP 135/2020) que liberou verbas para o principal fundo de apoio à ciência e à tecnologia (veja mais abaixo).

Àquela altura, a expressão “vacina 100% brasileira” rotulava o imunizante em desenvolvimento no Butantan, mas logo seria melhor calibrada, uma vez que o processo de criação do antígeno decorre de um estudo realizado por pesquisadores da Escola de Medicina Icahn, ligada ao Hospital Mount Sinai, de Nova York. O Butantan faz parte de um consórcio para o desenvolvimento final da vacina por meio de licenciamento sem pagamento de royalties, no qual se incluem também instituições da Tailândia e do Vietnã. Os participantes atuam sob o compromisso de fabricação de uma vacina que possa ser entregue a países pobres.

O princípio do antígeno resulta de uma série de procedimentos que associam parte da proteína S (de spark) do novo coronavírus ao vírus da doença de Newcastle (NVD), uma modalidade de gripe aviária, para posterior reprodução em ovos de galinha, técnica amplamente dominada pelo Butantan na produção de vacinas contra a gripe. Os vírus recebem intervenções que os inativam, de modo a evitar a infecção por covid-19 e estimular as defesas dos indivíduos diante da presença de Sars-Cov-2 absorvidos nas interações sociais.

Vacinas Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan (foto: Breno Esaki/Agência Saúde-DF)

Os esclarecimentos acerca da parceria com as instituições norte-americanas, também responsáveis pelos primeiros testes em camundongos para verificar a eficácia e a segurança do composto, mobilizaram a imprensa e o meio político, mas a polêmica até o momento se circunscreveu ao caráter comunicacional e político, já que, do ponto de vista científico, intercâmbios dessa natureza são corriqueiros.

A Versamune, diga-se de passagem, está sendo desenvolvida pela USP e a empresa brasileira Farmacore em parceria com um laboratório dos Estados Unidos, o instituto PDS, que forneceu a substância adjuvante ou carreadora (um elemento dinamizador do antígeno) e também fez testes de segurança em cobaias.

— A cadeia de produção de vacinas é altamente fragmentada — explica Elize Massard da Fonseca, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas.

No caso do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), “um dos principais gargalos para a produção dos acordos de transferência de tecnologia”, o maior fornecedor global é a China, segundo a estudiosa:

— Isso não é um problema só do Brasil. O mundo precisa de matéria-prima, mas até mesmo a Índia, que tem capacidade de produção de IFA, importa dos chineses.

O que o virologista Maurício Nogueira, professor-adjunto da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, e a bióloga e pesquisadora da Universidade de São Paulo Natália Pasternak — ambos integrantes do Instituto Questão de Ciência — esclareceram em sua última transmissão ao vivo foi: não há nenhum problema no fato de uma vacina não ser inteiramente nacional. O importante, ressaltaram, é que o país possa ganhar autonomia na produção de suas vacinas.

Transportes de doses da vacina CoronaVac produzidas na China (foto: Governo do Estado de São Paulo)

A controvérsia em torno da Butanvac ampliou o público de um debate normalmente restrito a especialistas e colocou mais ingredientes na pauta das discussões sobre as carências colocadas à mostra na área da ciência e tecnologia no Brasil em razão da pandemia de covid-19.

“A melhor saída que temos para a crise e a melhor forma de salvar vidas é investir na ciência, mas não só hoje, sempre!”, postou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), referindo-se ao produto anunciado pelo Butantan. Já o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) assinalou como muito positivo esse passo, por diminuir a dependência de importação do IFA utilizado na fabricação da CoronaVac, a vacina chinesa em aplicação no Brasil.

A saudação “Viva a Ciência!”, exprimida pelos senadores Dário Berger (MDB-SC) e Zenaide Maia (Pros-RN), aponta para uma mudança cultural que tende a se consolidar, apesar dos conflitos que por ora se manifestam em torno de algumas questões relacionadas à política de combate ao Sars-CoV-2.

Mesmo com as polêmicas em torno de vacinas contra a covid-19 e dos tratamentos sem eficácia comprovada, o pensamento e a atividade científicas ganharam terreno nesses 385 dias de reinado do novo coronavírus e suas variantes. Não só pela intensa atividade de cientistas e profissionais de saúde na luta contra o patógeno mais famoso do planeta no momento, mas, no plano da população, pela permanência do tema no noticiário, nas conversas do dia a dia e nas interações em redes sociais.

Senadores Alvaro Dias, Randolfe Rodrigues, Dário Berger e Zenaide Maia: manifestações em defesa da ciência (Fotos: Pedro França/Agência Senado, André Corrêa/Agência Senado e Geraldo Magela)

A verdade é que nunca no Brasil havia se falado tanto sobre ciência, e com tanta paixão. Até o consenso que havia antes da pandemia em relação a vacinas era uma realidade dada, indiscutível, ainda que positiva em termos práticos.

O país tem aprendido não só com a distribuição massiva de informações pelos meios de comunicação e com a presença constante de biólogos, infectologistas e epidemiologistas nos telejornais e transmissões ao vivo na internet. Tem sentido na pele os efeitos da segunda e violenta onda de contágio, a partir de janeiro, que expôs os efeitos danosos das falhas de prevenção e as fragilidades da estrutura de atendimento e suprimento de itens como oxigênio, remédios e sedativos.

Se uma parcela ainda resiste à disciplina benéfica do distanciamento e do uso de máscaras, a pesquisa do Datafolha divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo no último dia 21 mostra que 84% dos brasileiros pretendem se vacinar contra a covid-19. Em janeiro, o percentual era de 79%. O que ilustra melhor os números frios são as postagens no Facebook e no Instagram com as fotos dos felizardos que já puderam receber com alívio doses da CoronaVac ou da Oxford/AstraZeneca. Essas mesmas redes digitais fervilham com páginas e grupos dedicados às ciências biológicas, a abertura de cursos de pós-graduação e os canais comandados por especialistas de todos os matizes e qualificações.

Aumento sem controle do número de infectados tem levado a escassez de insumos e medicamentos (foto: Mário Oliveira/SEMCOM)

Alguns dos espaços conquistados pela ciência tiveram como cenário um Congresso Nacional sensibilizado pelas vulnerabilidades do país no enfrentamento da covid-19 e mais do que nunca necessitado de tecnologias, equipamentos e insumos, importados a peso de ouro. Uma das conquistas legislativas recentes mais comemoradas pelos pesquisadores foi a blindagem do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) aos contingenciamentos de verbas em nome das inúmeras versões de política fiscal implantadas ao longo de décadas.

Numa primeira etapa, senadores e deputados aprovaram, em 2020, a conversão do FNDCT em um fundo de livre movimentação tanto para incentivar a pesquisa e a inovação como para fazer aplicações remuneradas de suas reservas. Com isso, geraram a expectativa de um montante para a ciência e tecnologia de aproximadamente R$ 5,3 bilhões em 2021. Além disso, destravaram R$ 4,2 bilhões em recursos retidos pelo Tesouro Nacional em 2020.

Com os vetos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 135/2020, do senador Izalci Lucas, a retenção das verbas foi novamente autorizada pela Lei Complementar 177/2021, mas por pouco tempo, já que a supressão acabou derrubada numa votação considerada histórica pela comunidade científica e pelos parlamentares. Entretanto, o bloqueio dos recursos retidos em 2020, outro ponto vetado por Bolsonaro, manteve-se.

A lei foi sancionada prevendo, além do acesso do FNDCT aos rendimentos de aplicações em fundos de investimentos, a participação no capital de empresas inovadoras e a reversão dos saldos financeiros anuais não utilizados até o final do exercício.

Senador Izalci Lucas e sessão do Congresso que derrubou veto à blindagem do FNDCT (fotos: Roque de Sá/Agência Senado e Jefferson Rudy/Agência Senado)

Avanço adicional foi obtido com a inclusão de novos beneficiários de recursos do fundo — os programas desenvolvidos por organizações sociais que mantenham contrato de gestão com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e que promovam e incentivem a realização de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, no limite de 25% dos valores disponibilizados anualmente para operações não reembolsáveis.

— Esse dinheiro é fundamental. É como um elefante que decolou sem que muitos tenham percebido. Passaremos de R$ 400 [milhões], R$ 500 milhões ao ano para algo em torno de R$ 6 bilhões. Espera-se um fluxo estável e seguro, o que nos permitirá planejar as estratégias de incentivo à pesquisa — avalia o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino.

O dirigente lembra que há várias vacinas com etapas de pesquisa básica concluídas aguardando recursos para os testes clínicos das fases de 1 a 3, inclusive na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde Peregrino exerce a atividade de pesquisador.

O campo dos fármacos, atualmente em evidência, é prejudicado com a falta de dinheiro para a pesquisa. Conforme o presidente do Confies, o Brasil já chegou a ter um índice de nacionalização dos componentes de fórmulas da ordem de 55%, mas agora os insumos nacionais não passam de 5%.

— O Brasil se desindustrializou e por isso perdeu o bonde da inovação. Sem indústria, não há inovação, porque a inovação depende de escala para sair da ideia básica aos bens e serviços e ganhar o mercado — adverte Peregrino.

Ele alerta igualmente para o que considera um obstáculo quase tão prejudicial à inovação quanto a falta de recursos: os "excessos" da parte de instituições de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF).

— Mais importante do que ficar exigindo recibos de estagiários, quando há comprovantes eletrônicos de transferências bancárias, é observar os achados das pesquisas com base nos relatórios finais. Mesmo quando as hipóteses levantadas não se confirmam, o caminho que a pesquisa trilhou já um resultado.

Fernando Peregrino: com nova lei, pesquisa científica terá fluxo estável e seguro de recursos (foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

Propriedade industrial

A inovação depende ainda de um fator há muito pendente de equacionamento: o da propriedade industrial, nome genérico para os processos de registro e licenciamento de direitos sobre invenções, além de outras modalidades do que popularmente se conhece como patentes — a marca, o desenho industrial, a indicação geográfica (produto vinculado a um lugar ou região) e o modelo de utilidade (melhorias significativas num produto).

Uma reclamação muito comum entre pesquisadores, inventores e empresários é a de que a concessão desses registros no Brasil demora muito, dez anos em alguns casos, fazendo com que os autores desistam de seus projetos ou que estes percam a atualidade. O assunto é tema de um alentado estudo de autoria do Doutor em Ciência Econômica e professor do Instituto de Economia da Unicamp Antonio Márcio Buainain e do Doutor em Ciências Sociais e consultor legislativo do Senado Marcus Peixoto.

“Ciência, tecnologia e inovação são elementos estratégicos para o desenvolvimento socioeconômico dos países e para a competitividade das empresas, e a despeito de controvérsias, é indiscutível que a propriedade intelectual desempenha um papel importante no processo de inovação”, diz o estudo. Os autores consideram “fundamental investir no aprimoramento da regulação e do sistema de propriedade intelectual de um país que depende da inovação para se desenvolver”.

Eles explicam que os sistemas de propriedade industrial são importantes para a inovação porque garantem direitos a quem investe tempo e dinheiro no desenvolvimento de novos produtos. “A concessão pelo Estado de direito sob essas invenções garante a propriedade jurídica do ativo protegido e o monopólio temporário da sua exploração econômica, cuja utilização por terceiros é sujeita à licença e ao pagamento de royalties”, diz o estudo, de maneira didática. Essa proteção contribui para o combate a práticas de imitação e pirataria. No que diz respeito à sociedade, a contrapartida do monopólio é “a disponibilização do conhecimento gerado no processo de desenvolvimento científico e tecnológico da invenção, que pode ser utilizado de forma ampla” — desde que não fira o direito dos detentores das patentes ou registros. Conforme Buainain e Peixoto, “o compartilhamento de todo esse conhecimento permite a abreviação do percurso de rotas tecnológicas que já foram desenvolvidas, poupando tempo e recursos”. Ou seja, leva a novas boas invenções a partir das anteriores.

Diante das possibilidades do impacto das inovações na solução de diversos problemas e no atendimento de demandas de consumidores, a propriedade intelectual “é tida como área estratégica pelas mais fortes economias mundiais, sendo o ponto focal para o desenho de políticas econômicas e desenvolvimento dos Estados mais prósperos”, diz o estudo, que aponta “uma explosão de pedidos de patentes e de valorização dos institutos de proteção da propriedade intelectual”. Só em 2017, foram depositados 3,17 milhões de pedidos de patentes de invenção no mundo, com a China na liderança (1,4 milhão), seguida pelos Estados Unidos (607 mil) e Japão (318,5 mil). O Brasil, àquela altura entre as 10 maiores economias do mundo, depositara apenas 25,6 mil pedidos de patentes de invenção, ou seja, 0,8% do total, percentual que representa um terço da participação do Brasil no PIB mundial.

“O desempenho é ainda pior quando se considera que uma parte dos pedidos registrados como oriundos do Brasil são de propriedade de filiais de empresas multinacionais instaladas no Brasil”, observam os pesquisadores.

Internamente vem se registrando um forte crescimento dos pedidos de registros de patentes de invenção e modelos de utilidade, seguindo os movimentos de expansão e contração da economia: 19,6 mil em 1999, 33 mil em 2014 e 27,4 em 2018, mas 80% dos pedidos são de não residentes, liderados por depósitos oriundos dos EUA, Alemanha, Japão e outros.

Pedidos de patentes no mundo

Números vêm oscilando ao sabor da expansão e contração da economia

 Clique no gráfico para ver os números

Fonte: INPI

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O BRASIL NO CENÁRIO MUNDIAL DA INOVAÇÃO
ch.svg  Suíça
se.svg  Suécia
us.svg  EUA
gb.svg  Reino Unido
nl.svg  Holanda
dk.svg  Dinamarca
fi.svg  Finlândia
sg.svg  Singapura
de.svg  Alemanha
10° kp.svg  Coreia do Sul
11° hk.svg  Hong Kong
12° fr.svg  França
13° il.svg  Israel
14° cn.svg  China
15° ie.svg  Irlanda
16° jp.svg  Japão
17° ca.svg  Canadá
18° lu.svg  Luxemburgo
19° at.svg  Áustria
20° no.svg  Noruega
28° it.svg  Itália
31° pt.svg  Portugal
47° ru.svg  Rússia
48° in.svg  Índia
54° cl.svg  Chile
55° mx.svg  México
60° za.svg  África do Sul
62° br.svg  BRASIL
69° uy.svg  Uruguai
80° ar.svg  Argentina

Fonte: Wipo

Do mesmo modo, o Brasil é peculiar quanto ao perfil das instituições que lideram os depósitos: aqui são as universidades e instituições de pesquisa, e não as empresas privadas, como se observa nos países líderes em inovação, de acordo com dados do INPI de 2018 coletados pelos consultores. Naquele ano, segundo dados disponíveis na página web do INPI, as pessoas físicas somavam 42% dos depositantes; instituições de ensino, pesquisa e governo eram 28%, enquanto empresas de médio e grande porte representavam 18% e as de pequeno porte, 11%.

Buainain e Peixoto ressaltam que, a despeito da importância da propriedade industrial para o desenvolvimento do Brasil ser inquestionável, “ao longo de sua história o INPI não foi valorizado como uma instituição de Estado relevante, e seu desempenho tem sido questionado, em particular devido ao tempo médio de espera entre o pedido e a concessão de patentes, que em algumas áreas é superior à dez anos, enquanto nos países líderes em inovação esses prazos são significativamente menores”.

Segundo os autores do estudo, a questão vem sendo debatida — e enfrentada — desde 2015, e se compõe de ingredientes como carências nas áreas de recursos humanos, organização tecnológica e operacional e dificuldades de receitas. Em 2018, o INPI iniciou um programa de redução das pendências de exame de pedidos de registros de patentes, o chamado backlog. Em agosto de 2019, havia quase 150 mil pedidos cujas análises estavam pendentes. Em abril de 2020, esse número havia sido reduzido para 112 mil e atingido o patamar de 64,3 mil em março deste ano.

Em seu site, o instituto informa que a redução do backlog deriva de uma série de medidas administrativas, como a realocação de pessoal, a modernização tecnológica e uma revisão dos modos de processamento dos pedidos. Economiza-se bastante trabalho com a troca de informações entre escritórios de patentes, por exemplo. Entre os anos de 2015 e 2017, registrou-se um aumento da produtividade por examinador, que subiu de 35 para 55 processos anuais.

Números de 2018 mais detalhados por setor presentes no estudo dos consultores do Senado mostram que o tempo de decisão tem sido entre 7 anos, para modelos de utilidade (melhorias em produtos), até 13 anos, no caso de fármacos. Os agroquímicos têm levado 8,4 anos para obterem patentes; alimentos e agronomia, 7,8 anos; e biotecnologia, 10,1 anos, sendo esses setores estratégicos para o agronegócio nacional.

De qualquer forma, embora os números apresentados nos relatórios do INPI “sejam animadores", na visão de Buainaim e Peixoto, “com a atual capacidade operacional do INPI, não é possível eliminar o backlog, mas apenas controlar o ritmo de crescimento”. A solução definitiva, alertam, exige a continuidade dos investimentos, a contratação de servidores e a melhoria da infraestrutura e da tecnologia da informação.

Quanto tempo em média um pedido de patente aguarda até a primeira análise

 Clique no gráfico para ver os números

Fonte: Wipo/TCU

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Tempo médio de análise inicial e decisão final de pedidos de patente no mundo

(em meses)

* Instituto Europeu de Patentes
Fonte: Wipo

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No momento tramitam no Congresso alguns projetos de lei visando a diminuir o tempo de registro de patentes e o backlog. O PLS 316/2013, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), ora em tramitação na Câmara dos Deputados como PL 3.406/2015, define prazo máximo de 180 dias para o exame de pedidos e concessão de registro de marcas e de patentes, mas teve seu teor alterado. O substitutivo, que segue tramitando naquela Casa, vincula a aplicação das receitas do INPI geradas pelo exame de patentes e registro de marcas, evitando que o orçamento do órgão seja contingenciado pelo governo. Quanto ao prazo máximo de 180 dias, o relator argumentou que é inviável, já que a Lei de Propriedade Industrial estabelece um período de sigilo de 18 meses para o pedido de patente, antes de ser publicado.

O Projeto de Lei (PL) 4.972/2019, do senador Confúcio Moura (MDB-RO), estabelece que os recursos oriundos de serviços realizados pelo INPI serão aplicados obrigatoriamente no próprio instituto, e as sobras não poderão retornar ao Tesouro Nacional. Conforme o autor, o projeto também corrige uma distorção da atual Lei de Propriedade Industrial, que, na combinação de prazos mínimos e backlog, acaba dando aos detentores de patentes um monopólio superior ao exigido no Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual (Trips) da Organização Mundial do Comércio — 20 anos, contados a partir da data do depósito.

Fernando Peregrino faz uma série de críticas ao sistema de patentes atual, que seria muito prejudicial aos negócios no Brasil e aos chamados países periféricos. À elevação do prazo do monopólio de 15 para 20 anos, ainda na década de 1990, somou-se uma disparidade a favor do número de patentes de estrangeiros, o que resultou numa balança deficitária de royalties para o país.

— O segredo da inovação é colocar logo no mercado porque a obsolescência é muito grande — diz o presidente da Confies.

Na opinião de Peregrino, não basta a aceleração do prazo de concessão patentes, que só vai acelerar o envio de royalties. Uma das saídas seria então o Estado ser comprador dos produtos locais.

Na mesma linha, um estudo de 2016 realizado por Cristiane Vianna Rauen, pesquisadora do Ipea, pede mudanças na Lei de Inovação (10.973, de 2004) para "corrigir certas distorções relacionadas aos estímulos para a interação" entre centros de ciência e tecnologia e as empresas. Na opinião dela, a temática da inovação tecnológica teria de adquirir "configurações de Estado" para gerar um grande impacto em termos nacionais.

"O marco legal da inovação parece partir da premissa de que as bases para a interação ICT-empresa no Brasil residem nas iniciativas de oferta de infraestrutura e conhecimento especializado que partem das universidades e instituições de pesquisa e seus pesquisadores, como se toda essa infraestrutura de pesquisa estivesse pronta e autonomamente à disposição dos interesses (se/quando existirem) do sistema produtivo nacional", afirma Cristiane Rauen.

Algumas das possibilidades na revisão do marco legal, segundo ela, poderiam se dar no campo do fomento empresarial e de contratações públicas de pesquisa, desenvolvimento e inovação, de maneira que o Estado, diretamente ou representado por seus laboratórios ou agências, como é de praxe no cenário norte-americano, tivesse papel “empreendedor” ao "realizar as encomendas ao setor privado para o desenvolvimento de tecnologias de interesse estratégico nacional".

Veja os projetos de lei tratando de alterações no INPI:

— O Brasil ainda tem muito a fazer no campo da inovação, prática essencial não só para o abastecimento, mas para a atividade empresarial e o emprego — avalia o senador Paulo Paim. Ele lembra que o Índice Global de Inovação (GIL, na sigla em inglês) situa o país na 62ª posição, atrás, por exemplo, de três dos quatro parceiros do BRICs: Rússia, Índia e África do Sul.

De acordo com o parlamentar, uma das razões é justamente o desestímulo provocado pelos prazos ainda muito dilatados para a obtenção de patentes:

— Esse prazo inibe a criação de empregos por parte de pequenas e médias empresas. Os próprios empresários vieram a mim reclamar.

Mais recentemente, em razão do deficit brasileiro e mundial na produção de vacinas, o parlamentar apresentou o Projeto de Lei (PL) 12/2021, prevendo a flexibilização de patentes de imunizantes enquanto durar a emergência sanitária internacional.

— Essa posição também é defendida por diversos governos e instituições internacionais, cientistas e ativistas. Não se pode permitir que populações inteiras fiquem sem acesso a vacinas e medicamentos em um momento tão difícil. Recentemente, o secretário-geral da ONU afirmou que 130 países não têm vacina contra a covid-19 e que apenas dez nações administram 75% de todas as doses — observou Paim.

Ele espera que na próxima reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em abril, o governo brasileiro mude de posição a favor da quebra temporária das patentes de vacinas, que permitiria a fábricas fora dos centros produtores repetirem fórmulas já desenvolvidas sem terem de pagar royalties, da mesma maneira que acontece com os remédios genéricos no Brasil.


Entrevista

João Emílio Gonçalves, superintendente de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI) 

"É preciso assegurar a autonomia financeira do INPI"

De acordo com o dirigente, a principal contribuição que pode ser dada na esfera legislativa ao órgão de registro de patentes é o estabelecimento de medidas para fortalecer o INPI, de modo a torná-lo mais eficiente. Para Gonçalves, isso será possível desde que se assegure a execução das receitas obtidas pelo órgão na prestação de serviços, com reflexos positivos nos prazos para a concessão dos direitos de propriedade industrial.

João Emílio Padovani Gonçalves em audiência pública no Senado (foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Agência Senado — Quais são os principais desafios à inovação tecnológica no Brasil, do ponto de vista da propriedade industrial?

João Emílio Gonçalves — A propriedade industrial é um incentivo, um meio para a inovação tecnológica. As patentes, por exemplo, oferecem um direito de exclusividade por um período determinado. Durante a vigência desse direito, a empresa pode aproveitar o período de exclusividade para tentar recuperar os investimentos feitos na inovação. Sem a patente, qualquer concorrente poderia copiar a tecnologia e oferecê-la no mesmo mercado, sem ter arcado com altos custos e riscos associados à inovação. Essa situação colocaria em risco a oferta de novos produtos para a sociedade, de celulares a medicamentos. Sem a chance de recuperar o investimento, nenhuma empresa buscaria inovar.

Para que o incentivo funcione de maneira equilibrada, o sistema de concessão de direitos deve ser eficiente, com respostas tempestivas por parte do órgão responsável, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A lentidão na análise e concessão de direitos pelo INPI conduz a um ambiente de incertezas e insegurança jurídica, que prejudica as empresas e turva o ambiente de negócios.

Assim, o principal desafio e a principal contribuição que pode ser dada na esfera legislativa é o estabelecimento de medidas para fortalecer o INPI de modo a torná-lo mais eficiente. Isso será possível por meio de instrumentos que assegurem sua autonomia financeira e administrativa, promovendo a execução das receitas obtidas pela prestação de seus serviços a mecanismos gerenciais e administrativos. Essa mudança, por exemplo, permitirá a aceleração e redução dos prazos para concessão dos direitos de PI e o aprimoramento contínuo da qualidade dos exames.

Agência Senado — Como avalia o caminho para a obtenção de patentes e outros registros de propriedade intelectual no Brasil? O INPI tem divulgado ações para acelerar o exame de pedidos de registro, que, segundo os especialistas, apesar dos progressos, ainda é muito longo.

João Emílio Gonçalves — Em 2019, o governo federal anunciou o Plano de Combate ao Backlog de Patentes. O objetivo desse plano, que é apoiado pela CNI, é reduzir o número de pedidos de patente em análise, o chamado backlog, em 80% até 2021 e reduzir de 7,2 para 2 anos o prazo médio de concessão de patentes pelo INPI.

Os resultados são expressivos. Quando o plano foi lançado, havia quase 150 mil pedidos de patente aguardando pela análise do INPI. Em março de 2021, o número de pedidos em espera havia caído para aproximadamente 65 mil.

Esperamos que o INPI consiga atingir todas as metas do plano, ainda que seja necessário algum ajuste no prazo.

Agência Senado — Como a entidade vê as propostas de quebra temporária de patentes para a produção de vacinas?

João Emílio Gonçalves — Vemos essa discussão como conceitualmente equivocada, pois não é possível identificar relação entre a dificuldade de acesso a vacinas e a proteção patentária.

O procedimento de licenciamento compulsório já é previsto na legislação brasileira. O licenciamento é previsto na Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 1996) e regulamentado pelo Decreto 3.210, de 1999.

Excepcionalmente, o licenciamento compulsório é uma opção para suprir uma demanda, quando os titulares de patentes não estão dispostos a fornecer os bens necessários em número adequado ou num preço não abusivo.

Em todo o mundo, em diferentes momentos da pandemia, houve escassez de produtos de equipamentos de proteção individual para trabalhadores da saúde, como proteção facial, máscaras cirúrgicas, óculos, aventais e álcool em gel. São produtos básicos, do estado da técnica, cuja escassez foi causada pelo aumento da demanda, compra por pânico, acumulação e uso indevido, não por barreiras relacionadas à propriedade intelectual.

No caso das vacinas, a escassez se dá pela dificuldade de desenvolver, testar, registrar e produzir, em um curto espaço de tempo, o número de doses necessário para atingir a população global. São questões relacionadas ao processo de desenvolvimento, à regulação sanitária, que precisa ser técnica e rigorosa, à importação e produção de insumos, know-how, logística, etc. Hoje, se uma patente relacionada a uma vacina fosse licenciada compulsoriamente, quem produziria? Com quais insumos?


Reportagem: Nelson Oliveira
Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira
Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Infografia: Claudio Portella
Edição e tratamento de fotos: Ana Volpe
Foto de capa: StockPhotos