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Se há um insumo que não pode faltar no combate a epidemias é informação de boa qualidade — tanto aquela que os órgãos de saúde coletam e analisam, quanto a que é ofertada à população. O médico inglês John Snow (1813-1858) foi um defensor ardoroso dessa máxima, que transpôs para seu livro Sobre a maneira de transmissão da cólera, considerado um manual obrigatório para quem estuda o problema das doenças contagiosas. "A comunicabilidade da cólera não deve ser ocultada do povo, sob a ideia de que seu conhecimento causaria pânico", escreveu o médico.
A obra de Snow é uma referência tão importante que foi até mesmo publicada em português, no ano de 1967, pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês), órgão que colaborou com o regime militar (1964-1984) ao final dos anos 60, por meio de convênios para uma polêmica reforma da Educação.
Se os militares chegaram a ler o clássico de Snow, não se sabe. Mas, se leram, preferiram fazer letra morta da recomendação prescrita pelo responsável por esclarecer uma onda gigantesca de casos de cólera em Londres, no ano de 1854, e evitar que muitas outras ocorressem mundo afora. Em seu estudo estatístico, mapeou a área de distribuição de água e relacionou-a com os locais de ocorrência da moléstia — antes mesmo de detectar, por falta de instrumentos precisos, o tipo de micro-organismo que agia ali. Ele estava convicto de que esse elemento se originava de fezes lançadas no esgoto, mas não tinha como provar. Constatou, entretanto, que os casos da doença eram 14% maiores na área da bomba d'água da rua Broader Street do que em outra abastecida por seções de água mais pura.
Esse procedimento, hoje banal, é considerado o evento fundador da epidemiologia e um marco na história da saúde pública e da geografia. Algumas pessoas chegam a considerar o mapa de John Snow o primeiro infográfico da história: ele criou sinais para estabelecer uma ligação visual de grandeza entre os registros de mortes e a localização dos pontos de fornecimento de água. Assim, observa-se um maior número de mortos quanto mais próximas da fonte da Broader Street estão as casas dos doentes. Ao idealizar o mapa, ele tentou vencer a dificuldade de comunicar uma nova e complexa ideia a um público amplo, de governantes a cidadãos comuns. E o fez usando retângulos maiores ou menores, na cor preta, para indicar a incidência dos óbitos.
Quando, três anos depois da publicação da Usaid, o Brasil começou a enfrentar surtos de meningite meningocócica, inicialmente no estado de São Paulo, o general presidente Emilio Garrastazu Medici (1905-1985) preferiu esconder da população o que estava acontecendo, para não criar alarme, apostando que os surtos recuariam. Segundo informe da Fundação Oswaldo Cruz, os vírus e bactérias causadoras da doença são comumente transmitidos da garganta de uma pessoa a outra através de gotículas da tosse e do espirro ou pelo beijo. Sem saber que corria riscos, a população não se protegeu adequadamente, e os casos cresceram em vagas que se estenderam a diversas partes do país, principalmente capitais. Em 1974, a pressão da sociedade e da imprensa rompeu a censura que se impunha a profissionais de saúde e veículos de comunicação.
O governo não tinha estratégias de prevenção e tratamento, vindo a importar vacinas apenas em 1975. Das favelas, que cresceram muito naquele momento, por causa da migração dos brasileiros para as cidades, a meningite pulou para áreas mais ricas, o que tornou insustentável o acobertamento dos casos. Às pressas, as autoridades determinaram medidas como suspensão de aulas por causa do contato próximo entre crianças.
Tendo assumido a Presidência da República em março de 1974, o general Ernesto Geisel terminou por afrouxar a censura, que chegara ao ponto de bloquear uma entrevista do ministro da Saúde à revista Veja, depois finalmente publicada. Muito em razão disso, os dados reais sobre o número de casos e de vítimas fatais são bastante imprecisos. Em 1974, no país todo, foram contabilizados 19.396 casos e nenhuma vítima fatal, segundo dados atribuídos em vários estudos ao Ministério da Saúde, que em um boletim epidemiológico de 1999 registra a taxa de 179,4 casos por 100 mil habitantes no pico da epidemia. No mesmo ano, o município de São Paulo registrou 12.330 casos, com 900 mortes, segundo o epidemiologista e professor José Cassio de Moraes, co-autor de “O livro da meningite, uma doença sob a luz da cidade”, com a especialista em Medicina Preventiva, pesquisadora e professora de Medicina Social Rita de Cássia Barradas Barata e da jornalista Cristina Fonseca:
Depois de impor dificuldades à transparência sobre os dados da covid-19 por oito dias, na quinta-feira (11) o Ministério da Saúde, chefiado interinamente pelo general Eduardo Pazuello, voltou a emitir boletins em formato aceito pelas comunidades de saúde local e internacional. O modelo que havia sido deixado pelos ex-ministros Henrique Mandetta e Nelson Teich ressuscitou pela força de uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que julgou no dia 8 uma ação movida pelos partidos Rede Sustentabilidade, Psol e PCdoB.
"A Constituição consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à administração pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a sociedade", assinalou Moraes em seu despacho.
Além de atrasar para as 22h a divulgação dos dados, o ministério havia parado de informar o número total de pessoas infectadas, mortes e curvas de infecção por região, entre outras repartições. Apenas os dados das 24 horas anteriores ficavam disponíveis. Nesse período, o país bateu recordes de óbitos em alguns dias, mas o governo alegava que muitas delas se referiam a notificações atrasadas, o que estava distorcendo a realidade dos fatos e mostrando um agravamento irreal da epidemia. O presidente Jair Bolsonaro, outras autoridades e partidários do governo em redes sociais também reclamaram do comportamento da imprensa, que estaria criando uma crise sanitária fictícia por ser contra a gestão dele.
Depois de divergir de dois ministros da Saúde que eram a favor de medidas de isolamento social e não quiseram embarcar na aposta que o presidente faz nas possibilidades de cura da hidroxicloroquina — remédio ainda não comprovadamente eficaz contra a covid-19 — Bolsonaro começou cada vez mais a ser responsabilizado pelo aumento do contágio e das mortes. Sobretudo porque desde o início da epidemia defendera a volta da circulação normal de pessoas, provocara e participara de aglomerações. Além de dar declarações polêmicas quando cobrado pelas perdas e vidas. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê”, respondera o presidente em uma entrevista no dia 28 de abril. E completara: “sou Messias, mas não faço milagre”.
Ao argumentar que a morte é uma fatalidade, que ocorre de uma maneira ou de outra, e pode ser atribuída ao “destino”, Bolsonaro já recebera uma avalanche de críticas, que foram reforçadas ao reduzir a transparência dos dados. Diversos setores da sociedade, do Legislativo e do Judiciário vieram a público condenar o que foi visto como uma forma de tentar esconder números negativos para a sua administração. A imprensa, por exemplo, encarou com desconfiança a frase do chefe do Executivo ao ser perguntado no dia 5 deste mês sobre o atraso na divulgação dos boletins: “não vai ter matéria do Jornal Nacional”.
A mesma desconfiança foi expressa por senadores durante a semana. Humberto Costa (PT-PE), médico e ex-ministro da Saúde (2003-2005), acusou o governo de querer “maquiar” os números da covid-19, com prejuízo tanto para a gestão da política de combate à pandemia quanto para o comportamento dos cidadãos.
— Do ponto de vista do planejamento, a ausência de informações transparentes e fidedignas cria enormes dificuldades, porque as decisões relativas a um maior ou menor isolamento social, por exemplo, dependem de informações básicas, tais como o número de pessoas infectadas, se está crescendo, se está diminuindo, se está estável, e o número de pessoas que morreram. E é extremamente nociva para as próprias pessoas, porque estando bem informadas, ainda que possam ficar mais preocupadas, elas ampliam os cuidados em relação às possibilidades de adquirirem a doença — explicou.
Ele alertou ainda para outra falha da área federal: "o governo não está fazendo testes para a detecção da covid-19".
Outro ex-ministro da Saúde, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) disse não ter visto motivo aceitável para que a pasta mudasse a metodologia de publicação dos dados que vinha sendo usada desde o início da pandemia.
— É a mesma metodologia usada em todas as pandemias. Usada por mim, por exemplo, quando fui ministro da Saúde e nós vivemos com o problema da epidemia de Zika e Microcefalia que houve aqui no Brasil. E é a mesma praticada por todas as secretarias de Saúde de todos os estados. Mudar a metodologia faz transparecer para a opinião pública que o governo não está querendo publicar os dados reais. Isso só faz cair a credibilidade do Ministério da Saúde, tanto interna quanto externamente — ressaltou.
Estimativa feita pelo jornal Folha de S.Paulo, com base em registros do Sistema de Vigilância da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), mostra que, em 44% das mortes por covid-19 registradas até dia 24 de maio, o resultado do exame só ficou pronto depois que o paciente havia morrido. Com isso, ao não inserir os dados de registros anteriores à data dos boletins, o ministério propiciaria um retrato instantâneo mas desprovido de ocorrências importantes no dinamismo de propagação da doença, já que não se sabe, por exemplo, a cadeia de relações dos mortos em datas anteriores com outras pessoas cujos processos infecciosos — fatais ou não — poderiam estar multiplicando o contágio. A simples transferência desses óbitos para datas passadas poderia dar a ideia de um falso arrefecimento da doença.
A diferença pode ser expressiva dependendo do modo como se computam os dados. No domingo, o governo informou a princípio a ocorrência de 1.382 mortes nas 24 horas anteriores. Uma hora depois, o total de óbitos foi corrigido para 525, quase um terço a menos.
Na terça-feira (9), durante videoconferência com a Comissão Externa da Câmara dos Deputados, O ministro interino da Saúde afirmou que “nunca houve, não há e nunca haverá omissão de dados. Estávamos fabricando essa ferramenta fantástica para dar todos os dados mais fidedignos à realidade”. Segundo a Agência Câmara, os deputados Alessandro Molon (PSB-RJ) e Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. (PP-RJ), coordenador do colegiado, sugeriram que o ministério mantenha no site as duas tabelas: a do registro acumulado dos óbitos pela data de confirmação e a relativa à data do óbito. Em entrevista coletiva após a reunião da comissão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, concordou com a sugestão de manter duas metodologias de divulgação.
Assim como Humberto Costa, Marcelo Castro observou que “em qualquer tomada de decisão, é importante a informação baseada em dados fidedignos, e ainda mais no caso de uma decisão grave e importante, que afeta a saúde da população”.
Para o diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) — seção DF, José David Urbaéz, além dos entraves à gestão da pandemia no curto prazo, a alteração da metodologia de divulgação dos dados é um risco à própria estrutura responsável pela saúde pública do país.
— É extremamente delicado e motivo de grande preocupação. Essa estrutura capaz de pegar todos os dados de cada um dos municípios, dos estados, fazer a sua compilação, fazer uma análise, [obter] uma compreensão do que está acontecendo, é um trabalho que já tem um histórico no Ministério da Saúde de enorme seriedade e muito prestígio. Quando um processo tão complexo, tão aprimorado, é levado adiante com uma falta de seriedade na sua abordagem, e essa falta de seriedade é refletida na forma como esses dados são manejados, sobretudo na forma como esses dados são levados a publicação, é um sintoma muito, muito perigoso em relação ao que o ministério pretende na gestão da informação — alertou o infectologista.
Assim como foi observado e prescrito há 165 anos na obra seminal de John Snow, o diretor da SBI relembra que “toda informação epidemiológica é o pilar fundamental para um retrato do que está acontecendo e, a partir dele, montar as mais diferentes estratégias para o controle de problemas, que podem ser desde os muito simples até os gravíssimos, como é o caso da pandemia da covid-19”.
— É preciso sobretudo manter a população com o poder da informação do que aquilo significa — receitou David Urbaéz. Ele recomendou igualmente que no âmbito institucional “seja trabalhada uma outra forma de garantir a transparência e a credibilidade dos dados”.
A comunicabilidade da cólera não deve ser ocultada do povo, sob a ideia de que seu conhecimento causaria pânico ou ocasionaria o abandono dos doentes. O povo britânico não abandonaria seus amigos ou parentes doentes, embora eles possam correr perigo ao cuidar deles. Mas a verdade é que considerar a cólera como uma doença "contagiosa", que se pode evitar com algumas precauções simples, é uma doutrina muito menos desencorajadora do que a que supõe que ela dependa de algum estado misterioso da atmosfera em que todos nós estamos imersos e obrigados a respirar — John Snow, medico inglês e fundador da Epidemiologia (1855).
Em pronunciamento na terça-feira (9), Humberto Costa classificou de “impensável” a medida adotada por Bolsonaro e do mesmo modo a associou ao caso da manipulação de dados e da censura relativos à epidemia de meningite dos anos 70, criticando o governo por buscar “vender uma imagem para a população de que tudo está bem”. Na opinião do parlamentar, “felizmente” o STF determinou ao governo federal a volta ao sistema de divulgação consagrado mundialmente.
Na opinião de Marcelo Castro, há que ter cuidado ao compararmos os dois episódios:
— O Brasil dispõe de uma imprensa livre, de uma Lei de Acesso à Informação que é uma das melhores do mundo, e de um Poder Judiciário independente e pronto a agir. Na epidemia de meningite dos anos 70, o Brasil vivia sob uma ditadura, a imprensa estava sob censura e o AI-5 estava em vigor. Então creio que as situações são bem diferentes. Basta constatar a reação de grande parte da sociedade diante da suspeita de manipulação de dados na crise atual. Creio que é um sinal forte de saúde das instituições.
A perplexidade com a linha adotada pelo Executivo foi tão grande e a tensão atingiu um grau tal que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, anunciou na segunda-feira (8) a utilização dos dados levantados pelos estados e municípios num balanço diário a cargo da Comissão Mista Especial de Acompanhamento do Coronavírus. “É papel do Parlamento buscar a transparência em um momento tão difícil para todos”, argumentou.
Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Eduardo Braga (MDB-AM) haviam sugerido que o Congresso Nacional fizesse uma contagem paralela dos dados da pandemia do coronavírus. “Se o governo federal tenta omitir os dados, cabe ao Congresso Nacional informar a população”, disse Randolfe. No Twitter, Braga escreveu que a proposta era uma resposta do Legislativo diante da “confusão gerada pelas mudanças na divulgação de dados por parte do Ministério da Saúde”. Defender a transparência é “proteger a democracia”, concluiu.
Para Marcelo Castro, não há "necessidade de o Legislativo levantar dados", mas o Congresso pode atuar no sentido de pressionar o governo para que publique dados fidedignos e que mantenha a metodologia que é praticada pelo Ministério da Saúde "desde sempre":
— A imprensa está fazendo um trabalho extraordinário. Um pool de jornais, revistas e meios de comunicação está compilando os dados dos estados e divulgando a nível nacional.
No entender de Humberto Costa, “o primeiro esforço do Senado tem de ser o de obrigar o governo a cumprir a sua parte”, divulgando os dados diários e os totais acumulados, mas que, não se obtendo isso, o espaço adequado de divulgação seria o do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).
— Se o Legislativo tem de assumir essa parte da vigilância epidemiológica, a iniciativa é bem-vinda dentro de um contexto que sinaliza uma verdadeira desintegração do que se entende pelas estruturas da República. Porque não é função do Legislativo gerir funções que são do Executivo, e nesse caso específico, de exclusiva responsabilidade do Ministério da Saúde, que deve ter o tempo inteiro uma gestão técnica de qualidade e de transparência — orientou o diretor da SBI.
A longa história do combate a epidemias, pelo menos desde que, no século 18, o Estado começou a agir com mais ênfase e de maneira sistemática na saúde pública, mostra que a visão e a maneira de agir dos governantes são cruciais, não só para o sucesso no combate a doenças infecto-contagiosas, mas também para determinar os custos acarretados aos diversos setores da sociedade.
Mesmo sendo um cirurgião de prestígio, responsável por anestesiar a rainha Vitória no parto de seu primeiro filho, depois de empreender sua pesquisa sobre o surto de cólera (e obter o fechamento da bomba d'água da Broader Street), John Snow enfrentou desconfianças em relação ao seu trabalho. As autoridades de Londres voltaram a reabrir a fonte, quando a situação emergencial arrefeceu, e rejeitaram os números e a teoria do médico, segundo relata Francis Chapelle em seu livro Wellsprings: A Natural History of Bottled Spring Waters. Teriam de aceitar a desagradável ideia da transmissão fecal-oral de doenças, entre outras razões obscuras. A teoria de Snow também foi rejeitada por outros estudiosos e só validada anos depois por novas pesquisas e pelo achado do clérigo local Henry Whitehead, que interagiu com Snow apesar de restrições religiosas. O reverendo constatou que uma frauda de bebê contaminado por cólera havia sido jogada em uma fossa que contaminou o lençol explorado pela bomba da Broader Street.
Não há portanto, uma linha de progresso contínuo nas políticas de saúde públicas. Isso fica claro quando se recorda que o cientista Oswaldo Cruz teve no início do século 20 todo o apoio do presidente Rodrigues Alves para empreender as célebres campanhas contra a febre amarela e a varíola — tão duras que geraram até uma revolta popular (ver a linha do tempo) — enquanto Henrique Mandetta não conseguiu sequer convencer Bolsonaro a promover um isolamento social muito mais brando que as drásticas medidas adotadas em países como a Itália e a Espanha. Além disso, o presidente entrou em confronto com gestores estaduais e municipais
— Numa pandemia, numa crise sanitária, é muito importante, essencial para o êxito de uma política pública, que ela seja uniforme, que tenha um comando único. Infelizmente, na pandemia mais grave que vivemos em cem anos, não há uma coordenação nacional — analisou Marcelo Castro.
De acordo com ele, “a ciência não pode ser contaminada por ideologias, por achismos de pessoas que fazem afirmações sem base científica. É algo estruturado, construído ao longo de séculos de pesquisa no mundo inteiro”.
— No caso do vírus da zika, nós construímos em Brasília um centro de comando, e todas as secretarias de Saúde, os ministérios e as Forças Armadas se reportavam a esse comando. As medidas eram tomadas de maneira uniforme, todo mundo empenhado no mesmo objetivo, mas sempre com base na experiência daqui e do mundo inteiro de como se combate uma epidemia — recordou o senador.
Ele chamou a atenção inclusive para o fato de que o isolamento é um a prática aceita há séculos, e que teve bons resultados em ocasiões como a epidemia da gripe espanhola (1918-1919).
— Quais foram os países que se saíram melhor [no combate à covid-19]? Aqueles que tomaram medidas precoces e de maneira mais enérgica, com isolamento, uso de máscaras e testagem. A Nova Zelândia já voltou à normalidade. A China já não tem praticamente nenhum caso. Aqueles onde as medidas foram tomadas mais tardiamente, como o Brasil, os Estados Unidos e o Reino Unido, são os que se saíram pior. E mesmo nos EUA e na Inglaterra os líderes, que inicialmente não acreditavam na gravidade da doença, já acreditam. Infelizmente, isso está prejudicando o combate à pandemia no Brasil — lamentou o parlamentar pelo Piauí.
A renitência de Bolsonaro em aderir a princípios universalmente aceitos, aliada à postura frente a conflitos políticos, interfere na administração da saúde a um ponto que transborda dos assuntos de grande envergadura e alcança o varejo cotidiano, no qual espera obter apoio mais ativo de seus seguidores. Em transmissão ao vivo por redes sociais nesta quinta-feira (11), o presidente sugeriu aos simpatizantes que gravem vídeos no interior de hospitais públicos e de campanha para conferir o número de leitos de emergência livres e ocupados.
Experiências da maioria das pessoas comuns demonstram que hospitais são locais fechados ao público em geral. Mesmo quando as visitas a doentes são autorizadas, o acesso a alas de internação é controlado por meio de triagem e identificação. Isso é feito para que uma pessoa estranha ao ambiente não prejudique o seu funcionamento, contamine doentes ou possa se contaminar. As UTIs, pela própria função, são ainda mais restritas. O senador Humberto Costa fez um alerta:
— Estamos passando por um perigo enorme. O corpo técnico do Ministério da Saúde é muito competente, assim como ocorre nas secretarias de saúde, mas esse movimento que estamos assistindo de troca de ministros e da entrada [no ministério] de pessoas que não têm qualquer conhecimento sobre saúde pública, e sobre a lógica de funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) tem efeitos profundamente danosos para o sistema e para o futuro das políticas de saúde do país.
O senador diz, no entanto, acreditar que o governo será em breve substituído, em tempo de recuperar o que chamou de uma “construção de muitos anos”.
— A informação que parte da OMS [Organização Mundial da Saúde], de ministros e secretários municipais e estaduais é muito relevante, mas ao presidente da República cabe liderar o seu povo e chamar a população ao esforço comum. Esse vai-vem, disputas entre presidente e ministros, foi profundamente danoso ao enfrentamento ao coronavirus. Assim como os discursos diferentes do presidente, dos governadores e prefeitos. Não tenho dúvida de que isso teve um papel fundamental para impedir que o isolamento social fosse feito da forma mais adequada, além da pressão sobre setores econômicos e os trabalhadores. Então eu creditaria a maior parte desse insucesso no combate à pandemia ao presidente Jair Bolsonaro — declarou.
Desde o final do século 19 e início do século 20, o Brasil teve o privilégio de contar com grandes cientistas que participaram na construção de um saber na biologia, na bacteriologia, na imunologia, com muita ênfase nas doenças infecciosas: Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, Carlos Chagas, Adolpho Lutz. E a partir disso, houve no Brasil um grande impulso para construção de instituições que são referência mundial em doenças infecciosas, como Manguinhos, produtora de vacinas, e o Instituto Butantan. Nós temos o melhor programa do mundo na abordagem de HIV/AIDS; temos um enorme programa de vacinação, que é o PNI [Programa Nacional de Imunizações]. Temos extremo sucesso no manejo de doenças infecciosas, e isto com muito mais resultados a partir da implementação do SUS. Para que isso assim acontecesse, ao longo dos anos, nas últimas décadas, tivemos um conjunto de técnicos, pessoas que se dedicaram o tempo inteiro área da saúde, que mantiveram uma política de Estado, apesar dos mais diferentes governos. Se tudo isso agora é enxergado com descaso, estaremos condenando esse ministério que custou o trabalho de tantas pessoas a se tornar uma instituição impotente perante as mais diferentes pressões e aos outros setores, e sem capacidade de levar adiante políticas públicas indispensáveis para zelar pelo bem-estar da população. José David Urbaéz — membro da Sociedade Brasileira de Infectologia
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