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Carta de Direitos Humanos completa 70 anos em momento de incertezas

Em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas promulgava a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Era uma resposta imediata às atrocidades cometidas nas duas guerras mundiais, mas não só isso. Era o estabelecimento de um ideário arduamente construído durante pelo menos 2.500 anos visando a garantir para qualquer ser humano, em qualquer país e sob quaisquer circunstâncias, condições mínimas de sobrevivência e crescimento em ambiente de respeito e paz, igualdade e liberdade.

O caráter universal constituiu-se numa das principais novidades do documento, além da abrangência de sua temática, uma vez que países individualmente já haviam emitido peças de princípios ou textos legais firmando direitos fundamentais inerentes à condição humana. O caso mais célebre é o da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, firmada em outubro de 1789 pela França revolucionária.

Com um preâmbulo e 30 artigos que tratam de questões como a liberdade, a igualdade, a dignidade, a alimentação, a moradia, o ensino, a DUDH é hoje o documento mais traduzido no mundo — já alcança 500 idiomas e dialetos. Tanto inspirou outros documentos internacionais e sistemas com o mesmo fim quanto penetrou nas constituições de novos e velhos países por meio do instituto dos princípios e direitos fundamentais. Na Constituição brasileira de 1946, os direitos fundamentais já eram consignados, mas é na Carta de 1988 que se assinala a “prevalência dos direitos humanos”.

Adotada numa perspectiva internacionalista, multilateral, a DUDH, conforme vários observadores, celebra sete décadas sob a turbulência do ressurgimento de tendências políticas e culturais que renegam os direitos humanos em várias partes do globo.

Por ocasião do Dia Mundial da Paz, em 21 de setembro, a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, alertou para “a proliferação do populismo e do extremismo, que constituem um obstáculo aos ideais de paz e direitos universais”.

— A paz será imperfeita e frágil, a menos que todos se beneficiem dela. Os direitos humanos são universais ou não são — enfatizou a chefe da UNESCO.

Ecoou assim o pressuposto estabelecido por aquele que é considerado o artífice da universalidade da carta, o representante francês na comissão que redigiu a declaração, Renê Cassin: a paz internacional só seria possível se os direitos humanos fossem igualmente respeitados em toda parte.

O clamor por esses direitos, portanto, não cessa. E cada vez mais se articula em ações de governos, de organismos como a Anistia Internacional, de organizações não governamentais e da sociedade civil. Contudo, o questionamento aos ditames desse estatuto, que antes poucos ousavam contestar, cria uma atmosfera de incerteza e, por vezes de pessimismo. Esse sentimento não é meramente uma manifestação de subjetividade: informe da ONU Brasil dá conta de que 87 mil mulheres no mundo foram vítimas de homicídio em 2017. Desse grupo, aproximadamente 50 mil — ou 58% — foram mortas por parceiros íntimos ou parentes. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) vê estagnação de progressos para proteger as mulheres no ambiente doméstico.

— Embora a vasta maioria das vítimas de homicídio seja de homens, as mulheres continuam a pagar o preço mais alto como resultado da desigualdade e discriminação de gênero e estereótipos negativos — declarou o chefe do organismo internacional, Yury Fedotov.

A senadora Regina Sousa (PT-PI), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, considera lamentável que o mundo não tenha dado passos importantes durante 70 anos.

— A confusão da concepção de direitos humanos foi proposital. A elite mundial e a brasileira colocaram na cabeça das pessoas que direitos humanos são direitos de bandidos. E não é [assim]. São direitos das pessoas a moradia, a saúde, a educação, o transporte, cidades feitas pensando nas pessoas, direito da população negra contra o racismo, direito de não ser escravizado, direitos da população LGBT de não ser morta. Mesmo o bandido tem lá os seus direitos, merece tratamento decente — avaliou a senadora depois de anunciar para a tarde desta segunda-feira (10) uma audiência pública com representantes de várias categorias que atuam nessa seara.

Enquanto casos de escravidão são flagrados próximos à capital do Brasil, continua envolto em mistério o assassinato de uma vereadora do Rio de Janeiro e defensora dos direitos humanos que atuava o em áreas controladas pelo narcotráfico e as milícias. Os motivos e os autores do crime não foram até agora esclarecidos. A provável execução de Marielle Franco causou indignação em todo o mundo e motivou declarações do próprio Papa Francisco. Nove meses depois de sua ocorrência, a Anistia Internacional reclama a solução para o caso, assim como a presidente da CDH.

Vídeo da ONU resgata a promulgação da DUDH

“Vamos agir juntos para promover e defender os direitos humanos para todos, em nome da paz duradoura para todos. A paz cria raízes quando as pessoas vivem livres da fome, da pobreza e da opressão. Eu encorajo vocês a se manifestarem: pela igualdade de gênero, por sociedades inclusivas, por ações climáticas. Façam a sua parte na escola, no trabalho, em casa. Cada passo conta. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um marco fundador e um guia que deve assegurar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.

António Guterres, secretário-geral da ONU

Fotos: personagens e promulgação

A DUDH na prática

Veja a seguir infográficos que mostram, por grandes temas, o quadro dos direitos humanos no Brasil e no mundo, além de declarações, entrevistas e análises.

Liberdade, igualdade e dignidade

“Se olhar hoje o mundo e o Brasil, há poucos avanços: negros, judeus, mulheres — dependendo da orientação sexual de cada um — acaba sendo espancado, até assassinado, temos que estar em estado de alerta. As pessoas pensam assim porque não aconteceu com elas, mas quando começar a acontecer com eles, filhos, parentes, amigos, vão dizer “bem que devíamos ter pensado nisso”.

Senador Paulo Paim (PT-RS), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH)

Ouça a entrevista com o senador ›

Vida e segurança

Trabalho escravo, análogo ou servil

Tortura e castigo cruel

"Enquanto o mundo não pensar que uma humanidade está atrelada a outra, haverá muitos passos atrás. Temos muitas coisas ainda por construir, para sermos de fato iguais, para termos liberdade plena. O conceito de direitos humanos é absolutamente dependente de uma evolução histórica. A dignidade da pessoa humana tem uma trajetória. Ainda estamos nesse processo histórico. Estamos num processo de implantação e evolução dos direitos humanos. Isto é uma constante porque o direito não está acabado, fechado."

Paulo Bosco Souza, professor de Direito

Leia a entrevista completa com o professor ›

Direito à Justiça

Direito à privacidade

Direito à circulação pelo mundo e à nacionalidade

Direito à propriedade

"Se todas as nações tivessem seguido esse documento nesses 70 anos, nós não teríamos as mazelas que a gente tem hoje no mundo e no Brasil, principalmente. A impressão que eu tenho é que nenhum governante lê a Declaração dos Direitos Humanos. Em todo lugar que eu vou, eu leio alguns artigos que são elementares. Tratam da liberdade, do direito à alimentação, à saúde, à moradia. É lamentável que o mundo não tenha dado passos importantes durante 70 anos."

Senadora Regina Sousa (PT-PI), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH)

Veja a entrevista com a senadora ›

CDH ampliou espaço para minorias no Senado ›

Senadores defenderam a Carta dos Direitos Humanos durante a ditadura ›

Direito à liberdade de pensamento, opinião, religião, expressão e associação

"Direitos humanos são o que nos distingue da barbárie. O Brasil atravessa um momento onde se questiona muita coisa relacionada a direitos humanos. Todos queremos que cada vez mais esses direitos sejam ampliados com discussões frutíferas, com liberdade plena de expressão, nas escolas, universidades, em todas as instâncias eletivas. Um país que não respeita direitos humanos é um país que não dá certo."

Marta Suplicy (MDB-SP), presidente da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH)

Veja a entrevista com a senadora ›

Direito à fruição da democracia

Direito a participar dos benefícios do desenvolvimento econômico e social

"Esta é uma data muito importante. Principalmente agora que no Brasil há uma inflexão política à direita. O futuro governo tem apresentado cenários que remetem aos militares e regimes mais duros. É um momento de buscarmos união, de fortalecermos os conselhos relacionados ao tema e fazermos com que a Constituição Federal prevaleça sobre outras diretrizes. É preciso preservar a democracia."

Senador Hélio José (Pros-DF), presidente da Comissão Senado do Futuro (CSF)

Direito à proteção da família e da infância

Direito à educação

"A Declaração Universal dos Direitos Humanos representa um marco. É importante marcar [esta] data num momento de tantas atrocidades contra os direitos das pessoas em todo o mundo. A ideia é a de que as pessoas nunca se esqueçam da importância da preservação dos direitos humanos, que assumiram, nos últimos meses no Brasil, um merecido e inédito protagonismo."

Gustavo Rocha, Ministro dos Direitos Humanos

Na linha de frente

Defensores de Direitos Humanos são uma ponte entre o Estado e a sociedade

Chico Mendes morreu defendendo a Amazônia

Depoimento de Marina Silva

Tela Brasil

70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos


Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira
Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Reportagem: Nelson Oliveira, Diana Bispo e Morgana Nathany
Infografias: Diego Jimenez e Cássio Costa
Operador multimídia: Aguinaldo Abreu
Edição de fotografia: Pillar Pedreira
Repórter fotográfica: Ana Volpe
Estagiárias: Diana Bispo e Morgana Nathany
Programa Tela Brasil / TV Senado: Adriano Kakazu (direção), Ronaldo Martins (apresentação), Glauciene Lara (produção e edição)
Produção integrada da Agência, Jornal e TV Senado