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Ouvidoria é ponte entre o cidadão e o Senado

Jeovana da Silva Carvalho e Paola Lima
Publicado em 25/8/2023

Conversas ao telefone e o constante batucar nas teclas dos computadores fazem o som ambiente da sala. Mais uma ligação é atendida por uma das agentes. A pessoa do outro lado quer saber o valor atual do salário-mínimo. A atendente sabe onde encontrar a informação e responde: R$ 1.320.

Novamente o telefone toca, dessa vez é um cidadão que ficou preocupado com as bandejas cheias de copos d'água que eram conduzidas no Plenário em espaços apertados, entre as cadeiras, pelos garçons. Segundo ele, qualquer desequilíbrio poderia molhar as pessoas.

Casos como esse são comuns na Ouvidoria do Senado. A sala, que funciona no Anexo D (Bloco 4), responde sobre o valor do salário-mínimo, tramitação de projetos, votação dos senadores, leis aprovadas e mais uma infinidade de dúvidas e questionamentos da população.

Central de teleatendimento da Ouvidoria e funcionária do Senado servindo água para participantes de audiência pública Leopoldo Silva/Agência Senado e Pedro França/Agência Senado

Nos últimos sete anos, a Ouvidoria atendeu mais de 400 mil manifestações — opiniões, críticas, sugestões e demandas — e esses números crescem cada vez mais. Entre janeiro e julho deste ano, foram feitos 19.790 atendimentos, 26% a mais do que em 2022. Os assuntos mais abordados relacionam-se às políticas públicas sociais, informações sobre os parlamentares, seguridade social, previdência, trabalho e emprego. A grande procura revela o interesse da população nas atividades da Casa. Já os assuntos indicam a relevância do diálogo aberto para que a população leve a seus representantes as pautas de seu interesse.

Neste semestre, houve um volume significativo de comentários, dúvidas e pedidos de informações sobre a Reforma Tributária, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os atos do dia 8 de janeiro e sobre programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

O ouvidor-geral do Senado, senador Plínio Valério (PSDB-AM), ressalta a importância da Ouvidoria como um instrumento fundamental para aprimorar a representação democrática.

— A transparência é um dos pilares da nossa democracia, e a Ouvidoria desempenha um papel vital nesse sentido. Ela oferece informações aos cidadãos sobre o funcionamento do Senado, os projetos de lei em tramitação, as discussões em curso e outros aspectos relevantes. Isso permite que os cidadãos estejam bem-informados e engajados, possibilitando uma participação mais consciente nos processos democráticos.

Plínio Valério, ouvidor-geral do Senado: a transparência é um dos pilares da nossa democracia Geraldo Magela/Agência Senado

A Ouvidoria

Criada em 2005, através do ato da comissão diretora 5/2005, e pela Resolução 1/2005, a Ouvidoria do Senado começou a funcionar em 2011. Desde então, a unidade se destaca como uma ferramenta importante para o fortalecimento da democracia e para manter a conexão do Senado com o cidadão. A unidade conta com uma equipe especializada em atendimento, que trabalha com a missão de dar voz aos anseios da sociedade e responder às suas perguntas.

Hoje, há 40 agentes que atuam no atendimento das manifestações. Todas as demandas recebidas pela unidade são tratadas por esse contingente e, quando necessário, são encaminhadas a gabinetes de senadores, comissões ou órgãos da Casa.

A coordenadora-geral da Ouvidoria, Izabel Zinidarsis, destaca a importância da capacitação da equipe para manter a qualidade no atendimento. Inclusive há um setor destinado a treinamento de navegação estratégica do site do Senado; utilização do Sistema Conecte; uso correto da linguagem; elaboração de texto formal; procedimento de atendimento (registro e dicção adequada); treinamentos sobre noções de processo legislativo (projeto de lei, medida provisória, proposta de emenda à Constituição, veto, sanção, promulgação e outras proposições); e condução da ligação para o atendente ser solícito, imparcial e cortês.

Para a agente de atendimento Maria Eduarda Costa, estar alinhada aos colegas ajuda a oferecer um atendimento correto e eficiente à população.

— Os treinamentos são necessários para alinhar todos os atendentes, adquirir conhecimento sobre os assuntos do Senado e compreender os procedimentos da Ouvidoria. Um exemplo é que, quando os atendimentos estão alinhados, quando uma ligação cai e o cidadão retorna, o próximo atendente estará apto a fornecer as mesmas informações que seriam prestadas pelo primeiro.

A coordenadora da Ouvidoria, Izabel Zinidarsis (ao centro), com Jussara Lima e Plínio Valério Geraldo Magela/Agência Senado

A coordenadora da Ouvidoria destaca que algumas ações realizadas na gestão atual ajudaram a aprimorar a qualidade dos serviços, como a atualização do site para dar mais transparência ao trabalho, a divulgação do setor dentro e fora do Senado e o fortalecimento do vínculo com os senadores.

Na campanha de aproximação com os parlamentares, a Ouvidoria recebeu a visita da senadora Jussara Lima (PSD-PI), interessada em entender como funcionava o canal de atendimento com a população:

— Assim que assumi o mandato, em fevereiro, um dos primeiros serviços que fiz questão de conhecer de perto foi a Ouvidoria. Eu acompanho cada mensagem que chega direcionada a mim por meio da Ouvidoria e faço questão de responder com carinho, por acreditar que o Brasil só ganha ao fortalecermos os laços entre os cidadãos e parlamentares.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) também avalia como positivo o interesse dos brasileiros com os assuntos políticos tendo em vista as demandas encaminhadas ao seu gabinete:

— Serve como prova de um processo de amadurecimento da sociedade, que corretamente exerce sua cidadania desta maneira. É muito importante que a população participe, pois somente o povo conseguirá exprimir os reais sentimentos do que a sociedade percebe no dia-a-dia, suas angústias e necessidades.

Hamilton Mourão e Jussara Lima: prova de um processo de amadurecimento da sociedade e fortalecimento dos laços entre os cidadãos e parlamentares Roque de Sá/Agência Senado

Participação e representatividade

Os números de janeiro de 2023 a julho de 2023 mostram que a região Sudeste é a mais participativa, representando 30,61% das manifestações registradas, seguida do Nordeste (16,53%), do Sul (9,47%), do Centro-Oeste (9,01%) e do Norte (2,98%). O percentual restante, de 31,39%, é de solicitantes que não se identificaram no atendimento.

Já o perfil de gênero revela que as mulheres representaram 28,01% dos requerentes, enquanto os homens são maioria, com 47,96% das solicitações. O restante, equivalente a 24,04%, não declararam gênero. A faixa etária dos demandantes também fornece percepções importantes. Indivíduos com até 19 anos representaram apenas 0,9% das demandas, enquanto a faixa etária de 20 a 29 anos é de 5,8%.

— Talvez a participação menor dos jovens nos canais como a Ouvidoria decorra do desconhecimento da ferramenta e por não haver uma cultura de educação para a democracia nas escolas — disse a coordenadora do Núcleo de Acompanhamento Legislativo do Senado, Roberta Assis.

Roberta cita o Programa Jovem Senador como uma das alternativas para promover essa educação aos mais novos. Segundo a consultora, o Jovem Senador é um dos projetos de maior relevância para a formação para a cidadania e democracia que se desenvolvem hoje no Legislativo. Principalmente para quem tem até 19 anos.

— Os alunos que participam da atividade transformam sua visão, positivamente, sobre o Poder Legislativo e a importância da participação no processo político do nosso país. Também trazem suas demandas e o olhar do jovem para as proposições legislativas que passarão a tramitar perante o Congresso Nacional. O programa impacta igualmente a comunidade escolar, que se mobiliza para a formação e participação de seus estudantes no concurso de redação. São selecionados 27 participantes de cada edição, aproximando a escola do legislativo e da reflexão sobre a democracia e a cidadania.

O programa Jovem Senador é uma das apostas do Senado para aumentar a participação política dos jovens Geraldo Magela/Agência Senado

Se o protagonismo juvenil é importante para pautar os parlamentares acerca dos interesses dos jovens, nos últimos anos, a Seguridade Social e Previdência é um dos assuntos em alta levados à Casa. Isso pode estar relacionado ao fato de que a maioria dos solicitantes terem idades entre 40 a 59 (34,9%) e acima de 59 anos (23,5%).

Essa distância entre a participação dos mais jovens e mais velhos pode ser vencida, na opinião do senador Paulo Paim (PT-RS). Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), ele acredita que a juventude é uma das bases de sustentação da democracia e da nação, e pode-se fazer mais campanhas para participação dessa faixa etária no legislativo.

— Quanto mais jovens estiverem conectados no processo de legislação participativa, melhor será a produção parlamentar para esse setor da sociedade. Portanto, esse é um meio para que suas vozes sejam ouvidas e para propiciar maior engajamento na política. Há um processo de empoderamento. Isso fortalece sua confiança e senso de responsabilidade civil e política.

A pouca procura de jovens pela Ouvidoria é refletida também na forma de recebimento das demandas. O telefone permanece sendo o meio tradicional, pois 66,10% das manifestações foram realizadas pelo 0800, enquanto 33,90% foram feitas pelos formulários online. Isso pode justificar o fato de uma parcela considerável ter mais de 60 anos. O atendimento presencial e as ligações telefônicas costumam ser os meios mais utilizados por esse público.

Paulo Paim: quanto mais jovens estiverem conectados no processo de legislação participativa, melhor será a produção parlamentar para esse setor da sociedade Pedro França/Agência Senado

A Ouvidoria também tem recebido demandas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI): foram registrados 2.634 pedidos com base na legislação, (Lei 12.527, de 2011), que constitui um marco para a democratização da informação pública.

De igual importância, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), 13.709 de 2018, também baseia parte das solicitações: foram recebidos 74 pedidos de informação pela LGPD, que tem por objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento das pessoas.

Fake News

Em uma sociedade dividida politicamente e palco de disputas entre narrativas, a Ouvidoria é uma grande ferramenta no combate a fake news. A central atende pedidos de apuração da veracidade de informações que dizem respeito ao Senado. Um exemplo é o da informação, falsa, de que os parlamentares iriam trabalhar apenas três dias na semana. Boatos como esses são encaminhado à Secretaria de Comunicação Social que analisa se a mensagem é verdadeira ou falsa. Após essa checagem, é postado um informe no portal Senado Verifica.

Esse informe é acompanhado de explicações sobre o porquê de aquela notícia ser falsa ou verdadeira. Foi o que aconteceu quando espalharam nas redes sociais e no WhatsApp que era obrigatório por lei que todos os alunos do ensino fundamental e médio tivessem a disciplina de Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). A informação foi classificada como imprecisa. A previsão do ensino de Libras nas escolas públicas e privadas está sim na legislação, mas as ações são voltadas para os alunos surdos.

Essa preocupação com a veracidade fez com que a Ouvidoria colaborasse com algumas pesquisas realizadas pelo DataSenado, a exemplo do levantamento feito em 2019 sobre redes sociais, notícias falsas e privacidade de dados na internet. A pesquisa buscava identificar se as redes sociais tinham influência sobre a opinião das pessoas e também se tinham relação com a decisão do voto eleitoral.

A Ouvidoria tem papel importante no combate às fake news e desinformação Geraldo Magela/Agência Senado

A Ouvidoria mantém acordos com órgãos dos Três Poderes para agilizar o atendimento aos cidadãos. Essa cooperação faz com que a pessoa não precise ligar novamente para outro local atrás de respostas para sua demanda. Apesar de as manifestações de competência do Executivo, do Judiciário, do Legislativo, e da esfera municipal e estadual não serem atendidas nas respectivas ouvidorias, o acordo permite a transferência da ligação ao órgão competente.

— O propósito é ampliar o acesso a essas ouvidorias. Os acordos visam fortalecer as ações de ouvidorias desenvolvidas pelos órgãos correlatos no âmbito federal e estadual, compreendendo o intercâmbio de informações, a cooperação técnico-científica — diz Izabel.

Atualmente há acordos de cooperação vigentes com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Está em andamento acordo com a Câmara Municipal do Recife.

A Ouvidoria esclarece que manifestações das quais não constem o nome completo do cidadão ou que são formuladas em nome de terceiros não são respondidas pelo órgão. Quanto à denúncia, elas podem ser relatadas por esse canal, entretanto a apuração cabe ao Conselho de Ética da Casa. Durante o registro, são solicitadas algumas informações como faixa etária, nível de escolaridade, estado (UF) e gênero.

Os dados pessoais são mantidos sob sigilo nos termos da LGPD. Apesar de não ser obrigatório informar esses dados, eles são importantes para elaborar o relatório estatístico que fica disponível no portal do órgão na internet e que serve para aperfeiçoar os serviços internos.

— Quando o cidadão já tem cadastro, confirmamos os dados, consultamos o nome dele no sistema, acessamos o cadastro e salvamos as informações. Mas, se o cidadão não tem cadastro, o atendente pergunta se ele deseja realizar o registro e lê a mensagem de concordância com a LGPD. Recebida a resposta do órgão e concluída essa fase de coleta de informações e esclarecimentos junto aos setores competentes, a resposta é enviada ao cidadão por e-mail, se ele não tiver e-mail, a resposta será enviada por carta impressa. Depois realizamos a pesquisa de satisfação de atendimento e finalizamos a ligação, descreve a atendente Alcione Costa.

Iniciativa popular

A atuação da Ouvidoria do Senado não se limita apenas a receber as manifestações dos cidadãos. Desempenha um papel importante na análise de feedbacks e na busca por soluções concretas para as questões. Muitas das sugestões e críticas recebidas foram encaminhadas para as comissões e parlamentares, gerando debates e, em alguns momentos, resultando em proposições legislativas. Essa abertura permite que todos participem ativamente do processo político, contribuindo para a construção de leis mais justas e alinhadas às necessidades reais da nação.

Nesse sentido, a Ouvidoria tem uma parceria com o e-Cidadania, portal do Senado Federal que permite a qualquer cidadão sugerir novas leis à Casa e faz a intermediação para aqueles que não têm acesso à internet ou têm dificuldades com o e-cidadania. Por meio da central 0800, foram registrados 1.891 comentários para audiências públicas e 484 propostas de ideias para novas leis ou alterações das atuais. O processo de registro pela Ouvidoria é simples. Caso não haja projeto de lei tramitando ou que já tramitou com o mesmo propósito, o cidadão pode realizar a sugestão por telefone, de 8h às 19h, de segunda à sexta.

Do mesmo modo, os senadores podem adotar ideias de cidadãos. O Ouvidor-geral Plínio Valério apresentou um projeto de lei sugerido pela moradora de Manaus Greice Garcia. Ela propôs que o acompanhamento da saúde bucal seja condição para receber o Auxílio Brasil, como forma de reduzir o índice de cáries, doenças da boca e perda precoce de dentes em crianças. A sugestão convertida em projeto de lei (PL 1015/2022) está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) sob exame do relator, sendor Nelsinho Trad (PSD-MS).

Página de consulta pública no portal E-Cidadania do Senado Leonardo Sá/Agência Senado

Outras sugestões foram encaminhadas pela Ouvidoria por habitantes de Alagoas, Amazonas e Bahia e adotadas por Plínio Valério, como o PL 546/2022, que determina a impressão da data de validade de forma mais visível em medicamentos e o PL 1052/2022, que prevê nova forma de prisão em flagrante. O PL 1426/2022, de autoria do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), inspirado em uma contribuição recolhida pela Ouvidoria, prevê a presença de intérprete da Língua Brasileira de Sinais em transmissões televisivas de jogos e competições.

— O [agente solicita] título da ideia (com 90 caracteres), a descrição da ideia (com 300 caracteres) e outros detalhes (com 400 caracteres). Depois de redigir a sugestão, o cidadão deverá concordar com a divulgação da mensagem nas mídias do Senado e será informado de que essa ideia legislativa necessita receber a concordância dele e de outros cidadãos para alcançar no mínimo 20 mil apoios em 4 meses. Depois será encaminhada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e formalizada como “Sugestão Legislativa”. Na CDH, as Ideias Legislativas são debatidas pelos senadores e, ao final, recebem um parecer — explica a agente de atendimento Alcione Costa.

Foi assim que surgiu a SUG 17/2019, ideia legislativa proposta por Alexandre Veloz, de isentar os profissionais da segurança pública de imposto de renda, bem como dar incentivos fiscais para aquisição de armamentos e equipamentos de segurança. A matéria contou com 23.282 apoios, até março de 2019, e hoje aguarda a relatoria.

— Possibilitamos que as vozes da população, tanto das grandes metrópoles quanto das cidades mais pequenas do país, sejam ouvidas no Senado. É um canal onde a população pode ter a certeza de que sua mensagem será ouvida e encaminhada para quem é de direito, enfatiza Plínio Valério.


Reportagem: Jeovana da Silva Carvalho (sob supervisão) e Paola Lima
Edição de fotos e muiltimídia: Bernardo Ururahy
Infografia: Bruno Bazílio
EdiçãoNelson Oliveira
Foto de capa: Leopoldo Silva/Agência Senado