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Há 17 meses — fevereiro de 2020 —, o primeiro caso de infecção por coronavírus foi registrado no Brasil. Diante da pandemia, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a substituição das aulas presenciais pelo modelo remoto para as instituições de ensino superior e, pouco depois, para a educação básica. As autorizações, que antes deveriam durar apenas um mês, foram prorrogadas por mais uma, duas, três vezes. Agora a permissão se estende até 31 de dezembro deste ano.
Quase um ano e meio após a autorização original, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou o primeiro levantamento com os impactos causados pelo vírus. A pesquisa Resposta Educacional à Pandemia de Covid-19 no Brasil, que contempla toda a educação básica, aponta que 9 em cada 10 escolas (90,1%) não retornaram às atividades presenciais no ano letivo de 2020.
No entanto, é na comparação entre as escolas públicas e particulares que as desigualdades começam a aparecer. No ensino privado, 70,9% das escolas ficaram fechadas no ano passado. O número é consideravelmente menor que o da rede pública: 98,4% das escolas federais, 97,5% das municipais e 85,9% das estaduais.
Ainda segundo o Inep, o Brasil registrou uma média de 279 dias de suspensão de atividades presenciais durante o ano letivo de 2020, não sem consequências sérias. O estudo Perda de Aprendizagem na Pandemia, uma parceria entre o Insper e o Instituto Unibanco, estima que, no ensino remoto, os estudantes aprendem, em média, apenas 17% do conteúdo de matemática e 38% do de língua portuguesa, em comparação com o que ocorreria nas aulas presenciais.
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo, explica que essa realidade não só aumenta os deficits educacionais, mas também agrava as desigualdades, “tanto na comparação de rede pública com a particular, como entre as redes públicas de diferentes regiões do Brasil, ou mesmo dentro das próprias redes públicas”.
— Quanto mais rápido retomarmos as atividades presenciais, ainda que em um formato híbrido, melhor será a situação, embora não ideal. Quanto antes a pandemia passar e pudermos voltar a uma normalidade, com 100% dos alunos em sala de aula, melhor será o contexto para ensinar e para aprender. Então, certamente o prolongado período sem aulas, ou de aulas presenciais combinadas com atividades remotas, trouxe sérios prejuízos para a aprendizagem no Brasil — disse o secretário à Agência Senado.
A motivação dos estudantes também é um fator fundamental para o desempenho. De acordo o levantamento do Insper, o grau de engajamento entre estudantes do ensino médio das redes estaduais no ensino remoto foi de 36% em 2020. Ou seja, foi assistida apenas um pouco mais de um terço da jornada de 25 horas semanais prevista e, espera-se, ofertada.
Para Vítor de Angelo, o engajamento está diretamente relacionado tanto às condições de cada família para participar de atividades remotas — acesso a computadores, tablets e celulares, com sinal de internet — quanto aos avanços das redes de ensino na oferta do ensino a distância.
— Como o perfil socioeconômico dos estudantes da rede pública normalmente aponta para uma realidade em que esse acesso a equipamentos, a dados e à estrutura que permite o engajamento maior nas atividades remotas, é mais difícil, o que nós vislumbramos é uma tendência de queda ainda maior das aprendizagens na rede pública do que se verifica na rede particular. Embora nas duas redes haja uma queda como produto da pandemia como um todo — conclui o secretário.
Entre alunos que estão no 3º ano do ensino médio, a perda de aprendizagem acumulada já é estimada em 74%, tanto em português quanto em matemática. É importante ressaltar que esses estudantes, além do início de 2021, passaram praticamente todo o 2º ano estudando remotamente. Já ingressaram no último ano, portanto, com uma proficiência menor do que a esperada: 9 pontos a menos em língua portuguesa e 10 a menos em matemática — conforme o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
— A escala Saeb é a escala da Prova Brasil, avaliação nacional aplicada a cada dois anos. A pesquisa aponta que, em 2020, perdemos em torno de 10 pontos, sendo que em todo ensino médio os alunos aprendem em torno de 15 em matemática e 20 em português. Ou seja, perdemos metade do que se aprende no ensino médio inteiro — explica Laura Muller Machado, pesquisadora do Insper responsável pelo estudo.
Caso as aulas presenciais não retornem até o fim deste ano, o deficit educacional pode quase dobrar, chegando a 16 pontos a menos em língua portuguesa e menos 20 em matemática. Em outras palavras, diz Laura Muller Machado, isso significa que os alunos praticamente sairiam do ensino médio com o mesmo aprendizado que tinham no 9º ano.
Para evitar esse retrocesso da educação, a pesquisa indica três ações fundamentais: a promoção de maior engajamento dos estudantes com o ensino remoto; a adoção de alguma forma de ensino híbrido o mais rápido possível; e a prática de ações voltadas para a recuperação e aceleração do aprendizado e a otimização do currículo.
Com a união dessas ações, que devem ser aplicadas já a partir do 2º semestre de 2021, os pesquisadores defendem que as perdas poderão ser reduzidas entre 35% e 40%. No melhor dos cenários, o deficit deve chegar a menos 11 pontos em português e menos 12 em matemática.
Para que essas ações sejam efetivadas, a reabertura segura das escolas e a garantia do direito de crianças, adolescentes e jovens à educação devem ser prioridade para o país. É o que diz o presidente do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), Marcus Barão.
— Em primeiro lugar, é fundamental a tomada de decisão e a preparação para a reabertura. O momento requer uma abordagem intersetorial entre áreas de educação, saúde, proteção, nutrição e saneamento, além de cuidados específicos para a situação de meninas, pessoas com deficiência e populações com necessidades específicas. Em uma linha paralela, mas de fundamental importância, é necessário continuar avançando com a vacinação em massa, garantindo a imunização da população e a retomada plena das atividades — observa.
Os impactos da troca do ambiente escolar pelo virtual se demonstram ainda maiores para os alunos dos anos iniciais, especialmente os da rede pública. Segundo levantamento feito pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (Seduc-SP), estudantes do 5º ano do ensino fundamental apresentaram os piores índices de queda na aprendizagem, na comparação com resultados do Saeb de 2019 — houve uma queda de 46 pontos em matemática e 29 em português.
Para que esses alunos recuperem a aprendizagem perdida e alcancem o mesmo patamar de 2019, os pesquisadores estimam que serão necessários 3 anos para português e 11 para matemática. Esses números são resultado de uma avaliação feita com 7.135 discentes do 5º ano da rede estadual de São Paulo, mas as dificuldades podem ser observadas entre crianças de todo o país, inclusive no ensino privado.
É o caso da Ayla, de 11 anos. Estudante de uma escola particular em Barreiras (BA), ela vem apresentando dificuldade com a leitura e com a memorização dos métodos de aprendizado. A mãe, Ingrid Souza, 32, conta que a menina é atenciosa em relação aos estudos, mas que a falta de uma tutora presencial dificulta o progresso.
O irmão Bernardo, 5, ainda está na alfabetização. A escola, além de assistir aulas pela internet, oferece um reforço presencial. De acordo com a mãe, ele tem facilidade em aprender, mas não demonstra tanto interesse em fazer as atividades propostas para casa. Na avaliação de Ingrid, os filhos estão se saindo bem, dentro do possível. A situação poderia ser diferente caso eles estivessem no ensino público. De qualquer forma, as dificuldades são notáveis e a mãe relata que a agitação e a ansiedade dos filhos são sintomas inevitáveis da circunstância jamais experimentada antes:
— Tem a saudade que sentem dos amiguinhos e das professoras. Infelizmente, tudo isso está prejudicando o aprendizado e até mesmo a saúde das crianças e adolescentes.
Para o presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), a rotina escolar presencial é fundamental também para a formação da cidadania dos estudantes.
— Para que sejam alcançados os objetivos e fins da educação escolar, como a formação humanística, a preparação para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho, é indispensável, principalmente para as crianças e os adolescentes, a convivência no espaço físico da escola, que exerce papel de relevo no processo de socialização de cada nova geração.
Entre os estudantes que ingressaram no 3º ano do ensino médio em 2021, está Marília Silva, 17 anos, que sonha cursar a faculdade de direito. Aluna de uma escola pública em tempo integral, em Aparecida de Goiânia (GO), ela segue uma extensa rotina de estudos: são mais de 10 horas por dia. Assim que terminam as aulas, que vão de 7h às 17h, a jovem se desdobra em um cursinho preparatório para vestibulares.
A maratona servirá como base para diversas provas de ingresso ao ensino superior, mas Marília concentra os esforços para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No entanto, segundo o levantamento Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), Marília se encaixa em um pequeno percentual de jovens que ainda têm pretensão em fazer o exame — o número que vem caindo do ano passado para cá.
Na edição de 2020, 52% dos entrevistados disseram não ter a pretensão de realizar a prova. Ao final, 73% não se inscreveram. Neste ano, o número de desinteressados apresenta-se menor (45%), mas o que chama a atenção é o crescimento da indecisão: 29% ainda não sabem se vão fazer o exame. Para o presidente da Conjuve, o percentual não se trata de desinteresse, mas sim de desilusão.
— Mais do que o ingresso no ensino superior, o Enem também representa o sonho de um futuro melhor para milhões jovens em todo o país. Existe um sentimento de frustração, cansaço e falta de perspectivas, além de uma sensação de ausência do Estado frente aos desafios enfrentados pela população jovem. Tudo isso gera um ambiente de insegurança que acaba por refletir na desistência do exame — afirma.
A dificuldade em se preparar também pode ser um dos motivos para a dúvida. Entre 2020 e 2021, caiu de 33% para 25% o número de jovens que estão conseguindo estudar e aumentou de 56% para 74% aqueles preocupados com o desempenho.
Na quinta-feira (15), informe distribuído pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela realização do Enem, mostrou que o desânimo detectado pela pesquisa teve consequências: as versões impressa e digital do exame tiveram 4.004.764 pessoas inscritas, número que ainda precisa ser confirmado pelo processamento do pagamento das taxas de inscrição. A Guia de Recolhimento da União (GRU Cobrança), no valor de R$ 85, poderá ser paga pelos não isentos até segunda-feira, 19 de julho.
Até o encerramento das inscrições, às 23h59 da quarta-feira (14), haviam sido registradas 3.903.664 inscrições para a versão impressa e 101.100 para a digital. O total é o menor desde 2009 (4.148.721), quando foi aplicado pela primeira vez o atual formato de provas, e 32% menor do que as inscrições em 2020 (5.893.369). A desistência no ano passado, no entanto, foi expressiva: 3 milhões (mais que a metade dos inscritos) não compareceram a nenhum dos dois dias, e 2,8 milhões compareceram aos dois ou a pelo menos um dia de prova. Em 2021, o Enem será realizado nos dias 21 e 28 de novembro, tanto na modalidade impressa quanto na digital.
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), o atraso na vacinação, a falta de certeza se o exame seria de fato realizado e a suspensão das aulas contribuíram para o alto nível de desistência e indecisão. Contudo, o que mais preocupa o parlamentar é a parcela de estudantes que não participarão da prova em razão da evasão escolar.
— Há notícias de que até janeiro deste ano, mais de 1 milhão e 300 mil alunos, com idades entre 6 e 17 anos, abandonaram a escola pelo fato de não terem condições de acompanhar as aulas remotamente e também para, de uma forma ou de outra, ajudarem a família com alguma renda. As políticas públicas devem estar focadas para atender as necessidades de cada público. Com planejamento e ações precisas, acredito que poderemos reverter esse quadro lamentável — afirmou o parlamentar à Agência Senado.
O dado ao qual o senador se refere está presente no relatório Enfrentamento da Cultura do Fracasso Escolar, elaborado pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para Infância (Unicef).
No meio de tantos empecilhos para estudar, Marília Silva conta que ainda enfrenta a ansiedade, problema que desde de o início da pandemia tem se agravado. Segundo o estudo feito pela Conjuve, que ouviu cerca de 68 mil jovens de 15 a 29 anos, a estudante não está sozinha nessa.
Existe, entre esses jovens, uma tendência de sentimentos negativos — 6 a cada 10 entrevistados relatam ansiedade e uso exagerado das redes sociais; metade deles sente exaustão ou cansaço constante; 4 a cada 10 têm insônia ou tiveram distúrbios de peso e um a cada 10 já pensou em suicídio e automutilação.
— O distanciamento de amigas ou amigos, a perda de pessoas próximas, as limitações de conexão com a internet, as incertezas em relação ao próprio futuro ou de seus familiares são alguns fatores trazidos pela pandemia que afetam a saúde mental dos estudantes. São questões que precisam de atenção especial no retorno às aulas, para que consigam compreender o que sentem e contar com uma rede de apoio para retomar, com segurança, as atividades fundamentais para o seu desenvolvimento e bem-estar — opina o presidente da Conjuve.
Diante desses sentimentos, metade dos jovens considera prioritária a garantia de atendimento psicológico na saúde pública, e 37% acreditam que esse atendimento deveria acontecer nas escolas.
Neste contexto, o número de jovens que já pensou em desistir de estudar durante a pandemia cresceu de 28%, em 2020, para 43% em 2021. De fato, 6% deixaram os estudos neste ano. Entre os motivos, a dificuldade financeira alcança 21%, e a dificuldade de se organizar com o ensino remoto, 14%.
Em um ano, o percentual de jovens que estão sem estudar cresceu de 26% para 36%. Observa-se que cerca de 56% dos estudantes que não estão estudando trancaram a matrícula depois de março de 2020.
Marcus Barão ressalta que a evasão escolar custa cerca de R$ 220 bilhões por ano para a economia do país e apresenta um impacto na redução da expectativa de vida do jovem que interrompe os estudos. Por isso, há a necessidade de se “investir em políticas de inclusão produtiva de jovens, políticas de proteção social, saúde e acolhimento psicológico”.
Na tentativa de reverter o atual quadro de evasão por meio de políticas públicas, o presidente da Conjuve, Marcus Barão, destaca a estratégia Busca Ativa Escolar, desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com o apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Trata-se de uma metodologia social e uma plataforma tecnológica gratuita que apoiam municípios e estados na garantia de direitos de crianças e adolescentes e no enfrentamento do abandono e da exclusão escolares.
Os problemas de saúde, com destaque para saúde mental, depressão e pensamentos suicidas, além da necessidade de cuidar de outras pessoas da família, integram a lista de motivos para a evasão. Os jovens que responderam à pesquisa só puderam selecionar uma opção, mas para um estudante do 7º semestre de engenharia de produção, que preferiu não se identificar, ambas as opções são verdadeiras.
— Eu moro com a minha vó e, na maioria das vezes, eu tenho muita demanda dentro de casa. Tenho que ajudar com a louça, fazer a comida, levá-la nas inúmeras consultas. Então, tudo isso somado ao fato de ainda ter que estudar para as provas, assistir a aula, ainda mais porque eu tenho problema na coluna, foi impactando minha saúde, não só física, como mental também — relata o jovem.
Ainda assim, o tempo longe dos estudos favoreceu a organização dos pensamentos e a decisão de seguir em frente. A matrícula para o próximo semestre está feita. Afinal, como ele mesmo diz, “não dá pra ficar trancado até a pandemia acabar”. O rapaz conta que sofre de depressão e ansiedade, fatores que contribuíram para o trancamento temporário.
— Eu estava sendo acompanhado, mas as coisas apertaram. Eu acabei largando a terapia, por não conseguir pagar mesmo. Tive que tomar uma decisão, de cuidar de mim em primeiro lugar e deixar a faculdade em segundo plano, porque tenho que estar vivo para estudar. Eu precisava de um tempo, me dei e me sinto preparado para voltar.
Do outro lado das câmeras que possibilitam dar continuidade às aulas, estão os professores. Os últimos 17 meses também não têm sido fáceis para eles. São horas de preparação para o ensino online, estudo das ferramentas digitais, disponibilidade para tirar dúvidas e planejamento de aulas. As obrigações são muitas, mas a vontade de fazer a diferença é ainda maior.
Ao Vozes Docentes, pesquisa de iniciativa da rede Conectando Saberes que ouviu 8.786 professores, 98% dos entrevistados relataram dificuldades em avaliar os alunos no modelo remoto. Apesar de enfrentar esse desafio diariamente, a professora de português Cícera Mônica, do 6º ano do Centro Educacional Professora Sabina Gomes de Sousa, em Brejo Santo (CE), nunca pensou em desistir.
— Entre as maiores dificuldades que nós encontramos no ensino não presencial, podemos destacar que foi necessário nos refazer, no sentido de aprendermos a editar vídeos, mexer em aplicativos, ter que ter uma internet de qualidade para acessar nosso aluno, um aparelho de celular, tablet ou notebook também muito bom. Enfim, foi toda uma mudança de rotina e de metodologia para que o aluno pudesse receber um pouco desse conhecimento. Não foi fácil, o início foi bem difícil porque nós fomos treinados para estarmos em sala de aula, de forma presencial — relata.
Outro desafio será ajudar os alunos a recuperarem o tempo perdido. De acordo com ela, os estudantes deverão ser acompanhados individualmente, para que sejam identificadas as necessidades específicas de cada um deles:
— Será um trabalho delicado, vão ser necessárias estratégias e metodologias que possam ajudar esses alunos. O ensino a distância trouxe muitas dificuldades, além das que os alunos já tinham, para a aprendizagem, o acesso. A escola vai ter um longo caminho para percorrer.
Com relação a voltar para escola no formato híbrido a partir do 2º semestre, Cícera diz não se sentir tão segura. Para ela, é fundamental que, antes de tudo, se garanta a vacinação e disponibilização dos equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários às redes de ensino.
Ao longo dos anos, pesquisadores constatam que a educação e a renda andam lado a lado. Quanto maior o nível educacional, maiores os ganhos no mercado de trabalho. Assim, a queda nos indicadores de aprendizado poderá resultar em um grande prejuízo financeiro, em um futuro próximo, para esses estudantes e para o país.
De acordo com a referência usada pelo estudo Perda de Aprendizagem na Pandemia, do Insper, um jovem com ensino médio completo acumula uma média de R$ 430 mil ao longo de toda a vida. No cenário atual, os pesquisadores estimam que a perda de proficiência em matemática, por exemplo, acarreta na diminuição de até R$ 21 mil na remuneração futura de cada estudante que concluir o ensino médio em 2021. Na pior das hipóteses, a queda pode chegar a 10% do total que ele alcançaria durante a vida — cerca de R$ 43 mil reais.
Se o mesmo cálculo for feito para o ensino fundamental, além do médio, a perda para esse conjunto de estudantes em remuneração de trabalho supera R$ 700 bilhões. O estudo projeta que, se nada for feito, o prejuízo pode chegar a R$1,5 trilhão.
Tais estimativas são calculadas de acordo com estudos e dados anteriores, mas os prejuízos ainda podem ser mitigados caso as três ações propostas pela pesquisa (engajamento, ensino híbrido e recuperação) sejam efetivadas. Neste contexto, o impacto financeiro do conjunto pode ser reduzido de R$ 1,5 trilhão para R$ 912 bilhões.
Existe uma relação muito forte entre a educação de qualidade e a empregabilidade, pois todo esse processo tem forte influência na inclusão produtiva de jovens. A evasão escolar e/ou o deficit educacional causado pela pandemia cria sérios riscos para o presente e o futuro dessa, que é a maior geração de jovens da história do país. Os impactos também são sentidos na economia, com o risco de desengajamento e o aumento da lacuna de competências, além do impacto direto na produtividade do país e na capacidade do Estado de fazer investimentos em políticas sociais no curto, médio e longo prazo. A maior geração de jovens representa grande potencial para crescimento econômico e desenvolvimento social, mas além da pandemia, o país vive uma transição demográfica, onde em 2060, um em cada quatro brasileiros e brasileiras terá 65 anos ou mais. Por isso, esses investimentos precisam ser feitos agora. Amanhã pode ser tarde demais.
(Marcus Barão, presidente do Conselho Nacional da Juventude — Conjuve).
Para além das políticas públicas aplicadas no presente, enquanto a covid-19 ainda assombrar as perspectivas de um retorno à vida normal, é preciso começar a pensar nas ações pós-pandemia, que devem ter como objetivo minimizar os danos causados à educação e evitar os efeitos colaterais que podem surgir nos próximos anos.
Na última segunda-feira (12), em Plenário virtual, senadores ouviram ideias de diversos especialistas sobre o tema. Entre as possíveis soluções, eles abordaram ensino integral, qualificação profissional, capacitação de professores e, principalmente, investimentos.
O senador Paulo Paim, um dos requerentes da sessão, destaca a necessidade de aumentar os investimentos na educação pública e aprimorar o sistema educacional, visto que a pandemia agravou as desigualdades entre o ensino público e particular:
— É um desafio complexo que exige um plano de enfrentamento e atitude enérgica. A maior parte das famílias desses alunos não tem equipamentos adequados e acesso à internet banda larga. Com a necessidade de suspensão das aulas de forma presencial, temos praticamente dois anos letivos perdidos e milhões de alunos prejudicados no processo de aprendizagem. No debate que propomos, buscamos fazer um diagnóstico preciso dessa situação e construir os caminhos para que as políticas públicas sejam efetivas no enfrentamento do deficit educacional.
De acordo com o presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), senador Marcelo Castro, o colegiado não tem poupado esforços para aprovar proposições voltadas a minimizar os prejuízos causados pelo atual contexto.
— O cenário da pandemia evidenciou a necessidade da adoção de políticas públicas que extrapolam a demarcação corrente da gestão educacional, como a universalização do acesso à internet, a abertura de linhas de crédito subsidiadas para a compra de computadores e sua distribuição para os estudantes de famílias mais pobres.
No último mês, após aprovação do PL 3.477, de 2020, que garante acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e professores da educação básica pública, o Congresso travou uma batalha em prol da sanção. Isso porque o presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou a proposta (VET 10/2021). De acordo com ele, o projeto não apresentava estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro.
O Congresso rejeitou o veto e a Lei 14.172, de 2021, foi promulgada. Bolsonaro, no entanto, recorreu da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento de que a lei fere o teto de gastos. O pedido não foi acatado. Agora, o governo federal tem até o início de agosto para fazer o repasse de R$ 3,5 bilhões para ações que garantam a conectividade.
Confira alguns dos demais projetos aprovados pelo Congresso Nacional que direcionam esforços para a retomada da educação e que já viraram lei:
Projeto de Lei (PL) 172, de 2020 (originou a Lei 14.109, de 2020) Estabelece a aplicação dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) para dotar todas as escolas públicas brasileiras, em especial as situadas fora da zona urbana, de acesso à internet em banda larga, em velocidades adequadas, até 2024. |
PLC 142/2018 (originou a Lei 14.180, de 2021) Institui a Política de Inovação Educação Conectada. |
PL 786/2020 (originou a Lei 13.987, de 2020) Estabelece a distribuição dos alimentos da merenda escolar às famílias dos estudantes que tiveram suspensas as aulas na rede pública de educação básica devido à pandemia do coronavírus. |
Uma série de propostas continuam sendo apresentadas e discutidas no Senado. Uma delas é o PL 5.595/2020, que pretende reconhecer a educação básica e a educação superior como atividade essencial e estabelece diretrizes para o retorno seguro às aulas presenciais. A votação da matéria, que divide a opinião de senadores e especialistas, já foi adiada por três vezes.
— Não comungamos com o conceito de essencialidade da educação trazida nesse PL. É claro que a educação é importante, inclusive é um direito fundamental para o pleno desenvolvimento dos brasileiros, como prevê nossa Carta Política [art. 205 da Constituição]. Porém o termo “essencial” já está comprometido. Do ponto de vista jurídico, ele se destina àqueles serviços que são indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim entendidas as que, se não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, como previsto na Lei 7.783, de 1989, que também define o direito de greve — argumenta o presidente da CE, Marcelo Castro.
O senador defende que, neste momento, o foco deve ser direcionado para questões como a volta segura das atividades escolares presenciais, “se e quando as autoridades sanitárias indicarem ser possível e levando em consideração, ainda, a realidade de cada localidade”. Ele afirma compartilhar da ideia sugerida pelo senador Flávio Arns (Podemos-PR): a criação de um grupo de trabalho, que envolva as três esferas de governo, especialistas e as demais partes interessadas, com a finalidade de construir um protocolo nacional para o retorno.
Outro projeto em discussão pretende reservar pelo menos 5% das vagas gratuitas em cursos técnicos e programas de educação profissional do Sistema S para adolescentes órfãos, com idade entre 14 e 18 anos (PL 2.528/2020). O Sistema S é composto por nove serviços de aprendizagem, entre os quais o Senai, o Sesc e o Sebrae, que recebem contribuições previstas na Constituição repassadas por empresas dos diversos ramos da economia, como indústria, comércio e transporte.
— Esse grupo, que está sendo chamado de órfãos da pandemia, terá mais dificuldade para conseguir voltar aos estudos. Muitos estão sendo responsáveis por seus irmãos mais novos. Outra forma de amenizar esse vazio educacional é estender o acesso gratuito à internet aos estudantes e professores de escolas públicas, que já é lei — sugere o senador Paulo Paim, autor do PL.
Já aprovados pelo Senado, aguardam deliberação da Câmara o PLP 195/2020, que cria o Programa Nacional de Auxílio às Instituições de Ensino da Educação Básica (Pronaieeb), com o objetivo de prestar auxílio financeiro às escolas privadas afetadas pelo coronavírus; e o PL 2.906/2020, que permite, em caráter excepcional, o uso dos recursos do salário-educação para o pagamento de professores.
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Pesquisa: “Resposta educacional à pandemia de covid-19 no Brasil”
Desigualdade e abusos na pandemia impulsionam cobranças por Direitos Humanos