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No dia 14 de julho de 2021, uma quarta-feira, perto das 22h, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) encaminhava o final da sessão deliberativa. Como autor de dois projetos aprovados e relator de um terceiro, Fávaro havia sido o centro das atenções no dia. Agora, ele ocupava a cadeira da Presidência, de onde pôde aproveitar os minutos finais para agradecer aos colegas pelos votos favoráveis às suas produções.
Antes de finalizar a agenda, convocou uma sessão do Congresso Nacional para o dia seguinte: os parlamentares deveriam apreciar a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022 (PLN 3/2021). Na sequência, o seu “boa noite a todos” foi a deixa para a TV Senado abrir lentamente o ângulo da sua câmera principal, cortar o som e rodar os créditos, no ritual clássico de encerramento dos trabalhos. Fávaro cumprimentou os funcionários da Secretaria-Geral da Mesa em seu entorno e se encaminhou para a porta de saída.
Fávaro não sabia, mas ele acabava de presidir os últimos minutos de deliberação remota do Senado Federal. O "bunker" do Prodasen completava seu 110º dia como centro das decisões da Câmara Alta do Congresso brasileiro. A partir daquela data, apenas sessões comemorativas seriam realizadas no local.
Com isso, o ano 2 de trabalho do Senado em meio à pandemia de covid-19 pode ter parecido mais curto. No segundo semestre de 2021, as votações retornaram para os tapetes azuis e para a mesa elevada, sob supervisão do busto de Ruy Barbosa. Os senadores revezam-se em discursos nas tribunas. As comissões permanentes estão em ação, movimentando uma dúzia de pautas simultâneas toda semana. Para o olho desavisado, o Senado através de telas, que se viu em 2020, teria virado coisa do passado.
Na verdade, os procedimentos em vigor desde julho são demonstração de que o "Senado remoto" continua tão operante quanto no seu auge — desta vez, mais em espírito e menos no seu sentido literal. A pandemia continua ditando o ritmo das decisões de gestão dos processos legislativos. O retorno a alguns aspectos da normalidade é, ao mesmo tempo, parte da gestão da pandemia e o primeiro passo rumo ao futuro do trabalho parlamentar no mundo pós-covid.
— A expectativa é que consigamos aproveitar os mecanismos do sistema semipresencial que foram mais bem apropriados pelos parlamentares junto com a prática presencial até que se possa dar a pandemia por resolvida, e aí fazer uma avaliação do que vale a pena se manter para o futuro, o que hoje é muito difícil dizer. O SDR [sistema de deliberação remota] abre um leque importante de possibilidades e acho pouco provável que se vá abrir mão delas.
As palavras são de Gustavo Afonso Sabóia Vieira, secretário-geral da Mesa do Senado desde abril. Ele administrou um ano de transformações. As experiências acumuladas pelo Senado em 2020, implementadas quando a Casa estava em modo de sobrevivência, precisaram se metamorfosear em uma rotina. Diante de um cenário epidemiológico ainda imprevisível, isso significa revisar as regras emergenciais sem abandoná-las, e almejar o normal sem se entregar a ele. O formato semipresencial — com sessões presididas do Plenário, senadores livres para participar em Brasília ou pela internet e votações nominais pelo SDR — é o que reúne essas condições, e o que tem prevalecido a partir do retorno do recesso parlamentar de julho.
Sabóia substituiu Luiz Fernando Bandeira de Mello, que havia sido nomeado para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em dezembro de 2020, e assumiu a cadeira em fevereiro. O novo secretário-geral ingressou no Senado em 2012 e exerceu uma variedade de funções: trabalhou em comissões, em gabinetes e até passou uma temporada cedido ao Poder Executivo. Vivenciou o ano de 2020 perto do centro dos acontecimentos, como assessor do então presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
Ele credita suas experiências diversas como importantes para prepará-lo para o cargo e afirma que aprendeu muito com a equipe da SGM, que concebeu e manejou o sistema remoto desde o início. Para ele, 2021 foi um ano “mais de escutar do que de falar”, sempre no espírito de conduzir o Senado de volta aos seus espaços de atuação à medida que eles se oferecem.
— O que era verdade em abril segue sendo verdade. A nossa disposição é analisar o dia a dia da pandemia e para onde a situação caminha. O SDR entrou em vigor no susto, porque tinha que entrar, era o possível e foi muito bem implementado. Quando assumi, já se tinha uma boa noção do sistema, do que funcionava ou não, do que precisava ser adaptado. O Senado foi caminhando para o retorno gradativo e hoje, tendo o quadro da pandemia momentaneamente mais estável, essa orientação tem funcionado.
Sabóia compara o SDR a um “bote salva-vidas”: suficiente para fazer um resgate e transportar os passageiros em curtas distâncias, mas impraticável para longas viagens. Sempre foi inevitável que chegasse a hora de não depender somente dele. A questão era determinar o momento certo, e como proceder à transição.
A estratégia reproduz o que se viu no plano global. Em julho de 2021, a União Interparlamentar (UIP) publicou o seu relatório bienal sobre o uso de tecnologia da informação nos órgãos legislativos mundo afora (World e-Parliament Report). Como não poderia deixar de ser, o foco do relatório desta vez foi a reação dos parlamentos à covid e a sua migração para os espaços virtuais.
O documento identifica uma tendência de aplicação dos recursos tecnológicos em três estágios durante a pandemia. O primeiro deles, chamado de “inovação forçada”, representa justamente o “susto”: as providências, em geral experimentais, que os parlamentos tomaram rapidamente para que mantivessem o trabalho sem a presença física.
O pesquisador Andy Williamson, do Centro para Inovação Parlamentar da UIP (Centre for Innovation in Parliament), é o responsável pelo relatório. Para ele, o que permite dizer se um parlamento teve sucesso no início da pandemia é simplesmente constatar se a instituição tomou a frente da situação.
— O primeiro estágio é o pânico. Muitos parlamentos ficaram imóveis, não souberam o que fazer. Entre os que reagiram rápido, alguns provavelmente tiveram sorte e fizeram as coisas certas. É muito fácil olhar para trás e ser crítico, mas não sabíamos quanto [a pandemia] ia durar e nunca tínhamos feito isso antes. Somente depois que se implementa alguma ferramenta é que se pode parar, respirar e pensar sobre o problema.
Quem se saiu melhor foram os parlamentos com recursos de infraestrutura digital mais avançados. Nisso, o Brasil se destaca. Antes mesmo da pandemia e do SDR, o Senado já tinha ferramentas de gestão legislativa virtual em funcionamento, indo da tramitação de proposições ao registro parlamentar, passando pelos canais de acesso remoto às redes e sistemas internos. Williamson classifica o Congresso Nacional brasileiro entre os cinco parlamentos mundiais com a maior maturidade digital. Apenas um terço dos 116 parlamentos acompanhados pela UIP conseguiram promover sessões plenárias a distância em 2020 — o Senado e a Câmara fazem parte desse grupo.
O primeiro estágio, porém, não pode durar para sempre. Como ele reduz o Legislativo ao seu denominador mínimo e limita o acesso do público às discussões e decisões, é preciso que as lideranças e os gestores promovam a transição das ferramentas experimentais para um sistema de mais fôlego. É o estágio das “melhorias reiteradas”: a prática faz a perfeição.
— As restrições à sociedade civil são um embaraço, mas no início isso é parte de uma reação espontânea a uma crise. O problema é continuar funcionando assim depois de dois anos. Não se pode usar uma pandemia como desculpa para calar a opinião pública e interditar a transparência da sua legislatura.
A retomada das atividades "em pessoa", por meio do sistema semipresencial, era o "plano A" para 2021. Isso incluía o reinício das comissões permanentes, fechadas durante a maior parte de 2020. Após a eleição da nova Mesa do Senado — uma votação secreta que precisava ser realizada presencialmente — e a instalação das comissões com novos presidentes, o Senado continuou se congregando em Brasília entre fevereiro e março, realizando oito sessões semipresenciais. Os protocolos eram os mesmos dos períodos de esforço concentrado de 2020, únicos momentos de reunião presencial durante a pandemia.
O experimento foi logo abortado. A Casa registrou um pequeno surto de diagnósticos de covid entre seus membros. Um dos contaminados foi o senador Major Olimpio, que viria a falecer. Foi o terceiro dos senadores que foram vítimas da doença. A tragédia não deixou escolha senão retomar o SDR por todo o resto do semestre.
A diferença crítica entre as duas tentativas de retorno ao semipresencial foi a vacinação. No dia 4 de março, quando o Senado realizou a última sessão da sequência do início do ano, a campanha de imunização tinha cerca de um mês e menos de 4% dos brasileiros haviam tomado qualquer dose de vacina. Em meados de julho, quando começou o recesso parlamentar, esse número já chegava a 40%. No dia 4 de agosto, quando o Plenário voltou a receber uma sessão deliberativa semipresencial, mais da metade dos brasileiros haviam sido alcançados pela vacinação e 20% deles já haviam tomado a segunda dose.
Entre um momento e outro, porém, o Senado passou por um dos seus maiores testes desde o início da emergência de saúde pública: a CPI da Pandemia.
Já no início de fevereiro, 30 senadores, liderados por Randolfe Rodrigues (Rede-AP), encaminharam à Mesa um requerimento para a criação de uma CPI que investigaria as responsabilidades e omissões do governo federal no combate à pandemia. No pedido, os senadores apontavam culpa do governo em vários temas: atraso da campanha de vacinação, prescrição de remédios sem eficácia comprovada, aposta na chamada “imunidade de rebanho” e crise hospitalar no estado do Amazonas no início do ano.
Viabilizar o funcionamento de uma CPI, com todo o aparato político-administrativo que ela demandaria e toda a atenção jornalística que ela atrairia, foi uma tarefa minuciosa. A comissão teria a liberdade de decidir se e quando tomaria depoimentos por videoconferência, mas a SGM sabia desde o início que essa opção estava descartada.
— A natureza do trabalho numa CPI envolve inquisição e acareação, precisa chegar a conclusões sobre dolo ou culpa. Isso envolve um debate presencial — afirma Gustavo Sabóia Vieira, ecoando o que já era uma certeza de partida.
De imediato, havia a preocupação de se garantir lugar para todos aqueles que estariam presentes —senadores com um número limitado de assessores pessoais e a equipe administrativa necessária para conduzir a comissão — com o distanciamento adequado. Deu-se preferência para o uso do Plenário 3 da Ala Senador Alexandre Costa, o mais espaçoso dos corredores de comissões, para depoimentos e deliberações.
O secretário-geral conta que, mais uma vez, a cooperação entre os organismos do Senado foi crucial para desenvolver soluções criativas no calor do momento. A diretoria-geral (Dger) providenciou equipamentos e logística. Placas de acrílico foram instaladas nas bancadas e mesas do plenário, entre as cadeiras, individualizando os lugares. Servidores de rotação fixa no trabalho presencial e senadores passavam por testes de covid-19 periódicos. O plenário era higienizado diariamente por uma equipe de limpeza.
A Secretaria de Comunicação (Secom) organizou o esquema de cobertura para os jornalistas. Era possível restringir o acesso à parte interna do Plenário (no início, apenas fotógrafos e cinegrafistas dos veículos do Senado eram autorizados a entrar), mas inevitavelmente os repórteres estariam à espera dos senadores e depoentes do lado de fora, nos famosos "quebra-queixos". Contra esse risco, o saguão do Anexo II, a uma curta caminhada de distância do acesso para o corredor das comissões, foi transformado em um media center improvisado, com cadeiras isoladas e espaçadas e um pódio para entrevistas.
A CPI funcionou por seis meses, tendo sido prorrogada além do seu prazo inicial. Ela colheu 57 depoimentos e se reuniu por um total de 366 horas, ou o equivalente a 15 dias ininterruptos (e mais seis horas) de ocupação de Plenário. Nenhum surto de contágio resultou desse expediente, fosse entre parlamentares, servidores, depoentes ou jornalistas.
— O nível de harmonia [entre os departamentos] foi muito alto e acho que o Senado conseguiu corresponder. A CPI funcionou quase normalmente, do ponto de vista de estrutura e logística, e não teve qualquer entrave — destaca Sabóia.
Entrando pelo segundo semestre do ano, a CPI emendou com o regime semipresencial que reabriu o Plenário e as comissões. Como o início do ano demonstrou, o que adiou a entrada do Senado no segundo estágio de reação tecnológica à pandemia foram muito mais as circunstâncias epidemiológicas do país do que a capacidade tecnológica da instituição. Depois de empecilhos iniciais em 2020, o SDR pôde ser estendido às comissões, que retomaram seus encontros regulares — com votações — a partir de agosto. Um Ato da Comissão Diretora fez a adequação regimental para autorizar o uso do sistema, que antes era restrito às votações do Plenário.
A interrupção das comissões foi a maior perda infligida pela pandemia ao Senado, e a sua volta era a prioridade número um da SGM para a fase seguinte dos trabalhos parlamentares. Autorizadas a votar remotamente, operaram a partir de agosto. Ainda precisavam que pelo menos o seu presidente se encontrasse nas dependências do Senado, de modo a garantir a participação da assessoria e a estabilidade da conexão para todos os demais membros. Isso demandou uma modificação na agenda semanal. O Regimento Interno tradicionalmente distribui os horários de funcionamento das comissões entre terças e quintas-feiras, mas as novas regras estabeleceram horários que cobriam todos os dias úteis. A ideia era que não mais de dois colegiados estivessem funcionando ao mesmo tempo, tornando mais diluída a presença e circulação de pessoas.
O mesmo ato fez ajustes no funcionamento do Plenário, efetivamente formalizando práticas que os próprios senadores haviam adotado informalmente desde as primeiras voltas com o SDR. O tempo para discursos, por exemplo, que antes era dispensado à conveniência de quem presidisse a sessão, foi parcialmente resgatado, e os senadores puderam fazer pronunciamentos durante a ordem do dia.
A mudança mais significativa da revisão de julho foi uma norma que já aponta para o futuro das ferramentas de interação virtual no Poder Legislativo brasileiro: a partir daquele momento, a convocação de audiências públicas e sessões de debates para o sistema remoto passou a ser livre, ou seja, não dependerá da continuidade da pandemia ou de outro cenário de emergência.
O bunker do Prodasen foi o palco para esse tipo de sessões durante todo o ano. No primeiro semestre, ele permitiu um mínimo de movimentação das comissões recém-instaladas, que conseguiram usar o espaço para audiências. A partir de agosto, mesmo após a consolidação da rotina semipresencial e os plenários das comissões reabertos, os debates dos colegiados continuaram acontecendo lá.
Gustavo Sabóia Vieira explica que os senadores descobriram nas sessões remotas de debates um instrumento de protagonismo. Ao levar um assunto de interesse de uma comissão (ou de várias comissões) para o espaço consagrado como um plenário do Senado, a pauta ganhava um holofote maior. Além disso, segundo ele, audiências e debates com participação remota engajam mais os participantes e o público - uma característica que foi antevista por senadores e servidores no início dos trabalhos remotos e que se confirmou ao longo do tempo.
— As comissões têm agendas específicas, e nas sessões de debates se consegue debater de forma mais transversal. A adesão dos convidados é alta, para eles é mais cômodo, e os senadores têm televisionamento. O "bunker" está longe de estar ocioso e duvido que vá ficar num futuro próximo.
Se os canais virtuais estão liberados para os debates, o que isso sinaliza para a deliberação? Será que já se pode vislumbrar um futuro em que será admitido, e até corriqueiro, ver os senadores reunidos a partir de suas casas e gabinetes pelo Brasil afora para votar novas legislações? O que isso significa para o processo democrático e para o exercício da cidadania?
Para Williamson, da UIP, a iniciativa de adotar deliberações remotas como prática cotidiana tende a partir mais rapidamente das equipes técnicas, enquanto a bússola política demora um pouco mais para se mover. Quando isso ocorre, é o entusiasmo dos parlamentares que dá o combustível decisivo para mover a cultura interna do parlamento na direção da implementação de novos recursos.
— O estafe se envolve mais porque são eles que operam, mas os parlamentos que fizeram progresso mais rápido foram aqueles que tiveram respaldo político. Vários membros de parlamentos têm dito que não confiam nas ferramentas tecnológicas, e cabe ao próprio parlamento construir essa confiança. Eles tendem a aprender mais com os seus pares.
Ao mesmo tempo, Williamson observa que é preciso levar em conta as idiossincrasias locais.
— Politicamente falando, por que não ter um parlamento digital? Em alguns lugares há uma resistência cultural: no Reino Unido, a natureza do debate parlamentar é mais beligerante, e isso não se traduz bem para o virtual. Porém, se tudo que você quer fazer é passar leis, debates virtuais fazem todo sentido. Na Alemanha e na Espanha não há essa cultura combativa, são mais bem-comportados e processuais. Para eles, o sistema funciona muito bem.
Um fator que torna a deliberação remota atraente para os parlamentares brasileiros é a versatilidade, pelo menos quando se trata de discursos e de votações abertas, segundo explica o secretário-geral Sabóia Vieira.
— A percepção dos senadores é que a possibilidade de votar fora do Plenário é algo extremamente positivo. As pessoas não percebem muito isso, mas o parlamentar, principalmente o senador, é um "embaixador" do seu estado em Brasília. Uma função quase tão importante quanto legislar é representar interesses do estado perante o Executivo, levando demandas. O SDR possibilita que eles votem a partir do gabinete, de audiências em ministérios, que façam pronunciamentos de onde quer que estejam. Acaba viabilizando a participação um pouco lá e um pouco cá.
Lançado em 2021, o livro Congresso Remoto: a experiência legislativa brasileira em tempos de pandemia é um estudo colaborativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) sobre o primeiro ano de uso dos sistemas de deliberação remotos da Câmara e do Senado. Valendo-se de artigos de oito pesquisadores, o livro é uma abordagem de várias direções a respeito dos efeitos da deliberação remota sobre a dinâmica institucional do Congresso. Como todo estudo de um fenômeno que ainda se desenrola, ele é uma tentativa de, ao mesmo tempo, analisar e antecipar os efeitos do seu objeto.
O organizador do livro foi o professor Fabiano Santos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj. Ele conta que o trabalho foi motivado pelas inquietações de entidades da sociedade civil que atuam junto ao Congresso. Ainda no começo da pandemia, esses grupos se preocuparam com o fechamento de canais de interlocução política durante a crise. O dilema foi levado ao Observatório do Legislativo Brasileiro, think tank que Fabiano coordena.
Teve início uma vigília crítica sobre a forma como o Congresso se posicionaria. Como explica Fabiano no livro, o Legislativo brasileiro ganhou enorme margem de manobra com a Assembleia Constituinte de 1987-88 e já vem, desde então, numa trajetória crescente de tomada de protagonismo e de proatividade nos processos decisórios nacionais. Essa tendência seria interrompida pela pandemia, que obrigou o Congresso a limitar as suas atividades?
Muito dessa evolução aconteceu nos bastidores: estruturação dos núcleos de assessoria interna, sofisticação tecnológica e montagem de um elenco capacitado de servidores por meio de concursos. Outra parte veio através de mudanças normativas articuladas politicamente: a organização da tramitação de medidas provisórias e a garantia de execução impositiva de emendas orçamentárias, por exemplo. Essas jogadas, explica Fabiano, equipam o Congresso para os momentos de disputa na dinâmica dos poderes.
— As oportunidades para fortalecimento institucional do Congresso surgem quando há conflitos importantes com o Executivo. Nessa hora, o Congresso tem os instrumentos para produzir decisões e competir com a agenda do Executivo.
Outro ângulo de análise sobre o funcionamento do SDR é o que concerne ao seu impacto sobre a permeabilidade do Congresso para a sociedade civil. Esse foi o foco do cientista político Vitor Oliveira, que também contribuiu com o livro Congresso remoto. Ele trabalha com organizações que procuram penetração no Legislativo, qualificando-os para que possam defender suas causas junto aos parlamentares.
— Quando se muda alguma regra que estrutura a disputa política, isso redistribui o poder. Alguns vão ganhar mais, outros vão perder mais. É quase inexorável. Mudou a regra de participação, quem vai conseguir participar? Nosso grande objetivo é não ficar de fora.
Vitor explica que instrumentos digitais de acompanhamento do trabalho legislativo estão em uso crescente e são importantes principalmente para a sociedade civil “desorganizada”: grupos com menos recursos ou cidadãos individuais. No entanto, o contato próximo com gabinetes e comissões, que foi perdido, ainda é a via preferencial para quem tem condições de cultivar uma presença constante.
— No presencial você aborda, puxa conversa com um assessor e isso vira uma conversa de WhatsApp. Agora é o contrário, você tem que partir do aplicativo para conversar com uma pessoa que não te conhece, não está te vendo, não tem nenhuma relação de confiança com você. E ao mesmo tempo tem um gargalo, porque todo mundo está fazendo isso.
Na vigência do SDR, os coletivos sociais que colheram mais frutos do seu ativismo foram os que valorizaram seu capital político investindo em três estratégias-chave: sinalização de amplitude ideológica, seleção diversa de porta-vozes e mobilização constante. Todos esses caminhos apontam para a importância da formação de coalizões, da união de esforços entre diferentes entidades que compartilham seus recursos em nome de objetivos comuns e negociados. A dispersão significa a irrelevância.
— O “bloco do eu sozinho” não faz política. A legitimidade vem sempre da agregação: quanto mais elementos tiver o seu movimento, mais legítimo ele vai ser percebido. Trabalhar nessa dinâmica é um grande desafio, envolve uma coordenação muito difícil, mas que se impõe quando se precisa de mobilização muito intensa para conseguir abrir espaços.
Vitor faz o exercício de apontar pontos positivos e negativos da experiência remota do Congresso Nacional. Por um lado, a elaboração e a regularidade do SDR demonstraram que o Parlamento é capaz de dar respostas democráticas a situações de crise; por outro, a perda de proximidade cotidiana entre os parlamentares prejudica a transigência democrática e encaminha os debates para extremos. Em última instância, conclui o cientista político, a maior ferramenta de participação popular foi simplesmente o fato de que o Poder Legislativo continuou funcionando, mas isso não significa que o cidadão deve se dar por satisfeito com a perspectiva de um parlamento consistentemente remoto.
— Qual vai ser o critério para que esse tipo de decisão ocorra? Quais matérias vão poder ser votadas dessa forma numa situação normal? Não amadurecemos essa discussão.
O professor Fabiano Santos avalia que caberá sempre às lideranças políticas separar “o joio do trigo” no que concerne à pertinência das deliberações remotas. Acima de tudo, ele enxerga que ainda existe uma história para ser escrita além do que pudemos observar até aqui.
— A sociedade percebeu a importância do Congresso Nacional com muita nitidez e as elites políticas perceberam a importância da estrutura informacional do Legislativo como um investimento que pode reverter benefícios. São coisas intangíveis e simbólicas que vão permanecer. As possibilidades estão abertas do ponto de vista do exercício da representação e do relacionamento da sociedade com os legisladores através da tecnologia.