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Alarmantes pela gravidade, os resultados do mais recente relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) foram debatidos na sessão temática promovida nesta sexta-feira (10) no Senado. Painelistas nacionais e internacionais são unânimes em apontar a necessidade de mudanças profundas e transformadoras para conter o aquecimento global e suas atuais e futuras consequências.
A música Matança, de Augusto Jatobá, interpretada no início da sessão temática pela cantora Margareth Menezes, deu o tom da preocupação com os números graves apresentados no relatório.
Primeiro signatário da sessão temática, o senador Jaques Wagner (PT-BA), presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), enfatizou que a questão ambiental e climática “não é mais uma questão de direita ou esquerda ou de convicção ideológica, mas uma questão de bom senso”.
— É uma questão de reconhecermos o que demonstram os estudos científicos. E esse sexto relatório do IPCC, apresentado em 9 de agosto, eu diria que é uma sirene tocando nas nossas mentes, não para que nós paremos de produzir, de crescer e de nos desenvolvermos, mas para que nós entendamos que é preciso mudar a forma como nos relacionamos com o planeta Terra.
Urgência
Embaixadora da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (a COP26, que começa em 31 de outubro em Glasgow, na Escócia), Fiona Clouder afirmou que a mensagem agora é de urgência no agir, com tomada de ações necessárias para a coletividade. O relatório do IPCC, afirma Fiona, aponta que as mudanças climáticas estão acontecendo com impactos devastadores em todo o mundo e também no Brasil.
— O Brasil tem o potencial de exercer uma enorme influência sobre o mundo. Precisamos recuar e dar um passo à frente. É importante termos objetivos claros para que possamos alcançar as metas até 2030.
A agenda de mitigação é muito importante, destacou Fiona, e “todos os países têm um papel com as partes [outras nações] e também para adotar essas estratégias de longo prazo, um conjunto de atividades para se adaptar. Vemos que a mudança climática está acontecendo, e as mudanças são muito rápidas”.
Para levar adiante todas essas pautas, é preciso ter recursos, um dos temas centrais da COP26.
— É importante termos recursos para enfrentar esses compromissos, para financiar em nível internacional esses projetos. Uma meta de US$ 100 bilhões foi acordada, e essa atitude, essa movimentação é urgente. Ela precisa ser implementada para se alcançar as metas financeiras. Então, é importante também mobilizar essas partes multilaterais, esses organismos multilaterais e também os do setor privado.
Existem oportunidades no Brasil, mas também existem dificuldades e desafios, particularmente nesse contexto da pandemia, segundo Fiona.
— Para que o art. 6º do Acordo de Paris possa ser implementado, nós estamos ansiosos para trabalhar com o Brasil em todas essas questões, para alcançar, para desenvolver essas pautas e implementar os mecanismos para promover essas ações para combater a mudança climática — ressaltou.
A mudança climática também afeta a todos, é um desafio da nossa geração, e nós precisamos agir agora. o que o relatório do IPCC nos diz é que o tempo está se esgotando. Se ultrapassarmos essa marca de 1,5 grau [ºC] nós estaremos numa situação muito mais perigosa, muito mais arriscada
Líder do Conselho Consultivo de Crise Climática e ex-assessor científico do governo do Reino Unido, o químico David King afirmou que o que já foi planejado até então e o que será feito nos próximos 10 anos irá afetar toda a humanidade e determinar os rumos do próximo milênio.
Ao se deparar com um sistema global de emergência, o aumento dos gases de efeito estufa, desde a revolução industrial, é o que mais impõe desafios ao planeta. Seja pelo desmatamento, pela produção agropecuária, ou outras fontes, é importante estar alerta a situações como o que está acontecendo no círculo ártico e que acabam por refletir em todo o mundo, segundo o painelista.
No Polo Norte, a temperatura local região foi de – 30 graus. Na metade de agosto, a temperatura hoje é inacreditável: nós jamais esperaríamos que fosse + 32 graus. Ou seja, a temperatura no Polo Norte aumentou mais de 60 graus.
Tudo isso leva ao aumento do nível do mar e até inundação de países, como o Vietnã, um dos maiores produtores de arroz do mundo, que terá boa parte de seu território invadido nas próximas décadas.
— O Polo Norte é uma região em que o carbono foi armazenado, de forma muito eficiente, por milhões e milhões de anos, mas agora nós temos visto que essa região Ártica está sendo desestabilizada. Então esse fluxo de ventos na região e começamos a ver uma liberação explosiva, enorme, de metano.
Por isso, segundo King, se faz imprescindível uma estratégia abrangente, para ir além do falar e reduzir grandemente as emissões de gases.
— Mais de 100 milhões de pessoas irão buscar outros lugares para viver, a menos que sejamos capazes de enfrentar esse problema — alertou.
A jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg disse que não está numa posição de dizer para o Brasil o que fazer, mas “o que os líderes do Brasil estão fazendo hoje é vergonhoso. É extremamente vergonhoso o que eles estão fazendo com os povos indígenas e com a natureza”, alertou.
— O Brasil, claro, não começou esta crise, mas, sim, acrescentou muito combustível a esse incêndio. O que os líderes do mundo falharam não tem desculpa, o Brasil não tem desculpa para não assumir sua responsabilidade. A Amazônia, pulmão do mundo, agora está no limite, e vemos que agora está emitindo mais carbono do que consumindo por conta do desmatamento e das queimadas. E isso está acontecendo enquanto nós assistimos. E isso está diretamente sendo alimentado, esse movimento, pelo seu governo, e o mundo não pode arcar com o custo de perder a Amazônia. Nós precisamos alcançar essas metas do Acordo de Paris — expôs Greta.
Assim como Greta, a ativista ambiental Samela Sateré apontou que os povos indígenas são os principais defensores da natureza e um dos mais ameaçados.
— Nós sabemos que as terras indígenas são os territórios mais preservados atualmente. O Brasil, que era 100% terra indígena, agora só tem 13% do território de terras indígenas demarcadas. Consequentemente, são os 13% de terras mais preservadas que tem o Brasil. Por isso, é importante preservar, por isso é importante demarcar terras indígenas, por isso é importante levar em considerações os povos indígenas como os principais defensores do meio ambiente.
Samela afirmou que há no Congresso a tramitação de vários projetos de lei genocidas.
— São projetos de lei que vêm ameaçar o nosso território, que vêm ameaçar a nossa vida. São projetos de lei que abrem espaço para mineração, para grilagem, para madeireiros, para garimpeiros no nosso território. Nós não vamos mais aceitar isso.
O Brasil, claro, não começou esta crise, mas, sim, acrescentou muito combustível a esse incêndio. O que os líderes do mundo falharam não tem desculpa, o Brasil não tem desculpa para não assumir sua responsabilidade. A Amazônia, pulmão do mundo, agora está no limite, e vemos que agora está emitindo mais carbono do que consumindo por conta do desmatamento e das queimadas
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, e o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, foram convergentes quanto aos mais atingidos pelas alterações climáticas globais: a população mais pobre.
— A população global e toda a criação já sofrem as consequências, mas são os mais pobres e marginalizados que pagam o preço mais alto. Ondas de calor extremo, secas, alagamentos e outros eventos climáticos extremos já ceifam vidas, tendem a aumentar nos próximos anos e colocam em risco a vida no planeta. No Brasil, já enfrentamos frio recorde em algumas regiões, estiagens que ameaçam o fornecimento de energia elétrica e afetam diretamente a vida dos mais pobres — expôs o presidente da CNBB.
— As mudanças climáticas atingem os mais pobres. Assistimos hoje as migrações de populações que precisam se deslocar de um local para outro, de um país para outro, de uma região para outra em busca de água, fugindo de eventos climáticos extremos — disse Casagrande, que já foi presidente da CMA quando senador.
Para reverter essa situação, o Brasil precisa reafirmar as metas, as contribuições determinadas em 2015, assumidas em Paris, enfatizou o governador.
— É lógico que podemos avançar agora, na COP26 de novembro, mas o Brasil, em 2015, já tinha assumido, com base no inventário das emissões de 2005, que nós reduziríamos em 37% as emissões de gases de efeito estufa até 2025 e em 43% até 2030, que nós iríamos buscar zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2025, que nós iríamos restaurar 12 milhões de hectares de floresta até 2030 e que nós iríamos avançar na matriz energética de energia renovável de 28% a 33%, sem considerar as usinas hidrelétricas, a geração de energia hidrelétrica. Então, isso para nós é fundamental.
O Fórum dos Governadores aprovou e está em fase de aprovação nas assembleias legislativas o consórcio Brasil Verde, disse Casagrande. Para ele, o fórum é a coalizão dos governadores pelo clima. Ele enfatizou que é a primeira vez no mundo que um país do tamanho do Brasil terá uma governança que vai envolver os governadores e os estados. "Um consórcio único, com um tema único, com um fundo único, que pode ter e vai ter um acompanhamento de uma organização externa para poder acompanhar a execução de qualquer projeto que seja executado através da captação de recursos desse fundo", explicou.
Para o governador, o Brasil tem que se colocar na articulação internacional — governo federal, Congresso Nacional, governadores, empreendedores, sociedade civil organizada.
Nesse momento em que o governo brasileiro deu um passo atrás nesse tema, é preciso que alguém dê um passo à frente. (...) Também compreendo que a gente não deve só cobrar do governo federal. Nós temos que ter a nossa responsabilidade, cada instituição. Mudanças climáticas significam mudar a cultura e ter atitude, mudar a nossa cultura de consumo, passar a ter um consumo responsável e mudar as nossas atitudes.
As exposições foram corroboradas pelos senadores que também temem as direções que o planeta e, principalmente, o Brasil assumem diante dessa crise climática.
— Eu ouço muito dizer que o Brasil é quem tem mais matas preservadas. E eu digo o seguinte: deveriam saber que somos privilegiados. Os outros países demoraram a descobrir os danos que se fazem quando se degrada a natureza: o aquecimento global, a morte de toda forma de vida — não é a morte só dos humanos. E tivemos o privilégio de descobrir que temos o diagnóstico e sabemos o tratamento — afirmou a senadora Zenaide Maia (Pros-RN).
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) enfatizou que os relatórios do IPCC são sobretudo um ultimato para as autoridades públicas no sentido de promover urgentemente medidas mais efetivas e firmes em relação ao controle e à proteção do meio ambiente no Brasil e em todo o mundo.
— No nosso país, o que a gente já tem acompanhado, infelizmente, são situações de um retrato extremamente desolador. (...) Estamos aí diante da COP26 e para lá nós precisamos levar minimamente alguns protocolos firmados no nível do Brasil para que realmente possamos voltar a ser vanguarda nessa agenda tão importante para o mundo. Hoje a gente está na retranca, hoje a gente está numa retaguarda, numa situação que é totalmente de coadjuvante, sendo que nós já tivemos um protagonismo muito mais diferenciado, exatamente pela posição que nós temos do ponto de vista ambiental, pela riqueza ambiental que nós temos, pela diversidade que nós temos no nosso Brasil — ressaltou a senadora.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) alertou, contudo, que “o mundo enxerga o Brasil como um pote de onde eles podem vir buscar o que lhes interessa”.
— É assim que o mundo nos tem tratado e está nos tratando hoje! Quando querem comprar terras brasileiras, é porque a deles não tem competitividade com a nossa, para arrancar daqui. Se há alguém que nos dá lição permanente de deboche em relação à sustentabilidade, é o conjunto de países do primeiro mundo. Essa relação de troca também tem que entrar nesse debate de novembro — declarou.