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Consolidada, IFI recebe nova diretora

Guilherme Oliveira
Publicado em 26/8/2021

Vilma da Conceição é a primeira economista negra a integrar a diretoria da instituição, que expande sua atuação e foca na estrutura da política fiscal

Na última sexta-feira (20), a Instituição Fiscal Independente (IFI) recebeu a economista fluminense Vilma da Conceição no seu quadro de diretores. A posse completou o processo iniciado com a indicação feita pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e deu forma final à composição da diretoria da IFI para os próximos anos. Os três diretores terão a missão de levar a IFI para seu quinto aniversário e além, com frescor de ideias e persistência nas práticas que fizeram da instituição uma referência em vários debates econômicos nacionais.

Vilma da Conceição tem bagagem acadêmica, com uma passagem pela Secretaria da Fazenda do Paraná. Seu currículo se soma, no comando da IFI, ao do diretor-executivo Felipe Salto, que foi pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e consultor na iniciativa privada, e com o diretor Daniel Couri, consultor legislativo de Orçamento, que também foi analista do Tribunal de Contas da União (TCU), e analista do Ministério do Planejamento.

A nova diretora chega com o desafio de liderar a incorporação de conceitos de análise estrutural da política fiscal, uma especialidade sua (veja nas entrevistas). Essa disposição chega no momento em que a instituição, já consolidada, tem atuado não só como uma observadora do quadro macroeconômico do país, mas tem pautado a discussão. O grupo foi criado em 2016 para estudar as contas públicas nacionais e publicar suas conclusões, provendo o Congresso, e toda a esfera pública, com material bem fundamentado para as disputas sempre intensas relacionadas ao Orçamento federal.

A IFI não tem nenhum poder decisório: suas análises são meramente consultivas. Mas o trabalho da instituição tem conquistado grande influência. Alertas da IFI ganharam o centro de várias discussões durante a reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103), os contingenciamentos orçamentários anuais do Executivo e a PEC Emergencial (Emenda Constitucional 109). De 2019 para cá, esse protagonismo já rendeu mais de 2.300 citações na cobertura jornalística nacional, termômetro importante para verificar que a IFI está extrapolando os corredores do parlamento e penetrando em outros centros de influência.

O respaldo para atuar com esse nível de projeção vem da independência do nome, garantida pelo mandato fixo dos diretores. Eles são escolhidos pelos senadores, mas não podem ser depostos. O modelo é testado internacionalmente. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contabiliza 28 instituições fiscais vinculadas aos parlamentos de seus países-membros, além de uma para a União Europeia. A IFI brasileira, aliás, foi aceita na rede de instituições fiscais da OCDE, apesar de o país não fazer parte da organização.

Nessas bases que a IFI tem aprofundado sua pauta, num momento decisivo para o Brasil, na retomada pós-pandemia, tendo no horizonte uma inflação crescente e tentando encontrar o rumo das reformas econômicas prometidas há anos por governo e Congresso. A IFI tem procurado oferecer um mapa preciso, apontando as práticas aconselháveis, com as evidências disponíveis. Além do estudo estrutural dos resultados primários no Orçamento, a diretoria deve inaugurar incursões em temas como o comportamento da receita durante a retomada econômica pós-pandemia e os efeitos da saúde e do envelhecimento da população sobre as finanças.

A evolução do prestígio da IFI também tem um reflexo físico. Recentemente, a instituição trocou a sua sede original  um gabinete térreo próximo às gráficas, depósitos e estacionamentos do Senado — por numa seção do segundo andar do prédio do Interlegis (a escola de governo do Senado), vizinha aos escritórios das secretarias da Comissão Diretora do Senado. Além dos diretores, a IFI conta com seis analistas, dois estagiários e uma secretária. Na sala de reuniões dessa nova casa os três diretores da IFI concederam entrevistas à Agência Senado.


Entrevista

Vilma da Conceição

“Desafio é enxergar a estrutura da política fiscal”

A mais nova diretora da IFI, empossada na semana passada, é Vilma da Conceição, aprovada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Primeira mulher e primeira negra na diretoria da instituição, ela também representa uma diversidade no background profissional, tendo trabalhado como assessora econômica no governo do Paraná.

Para Vilma da Conceição: análises de longo prazo apontam os caminhos da política fiscal (foto: Pedro França/Agência Senado)

O que é o conceito do resultado primário estrutural, que a IFI deve começar a implementar com mais destaque nas suas análises?

Significa ajustar a análise do resultado fiscal por ciclos econômicos e eliminar os efeitos não-recorrentes. O governo lança programas com o objetivo de melhorar o resultado primário em um determinado período  refinanciamentos tributários, por exemplo. O que acontece nessa situação não é uma melhora estrutural, de longo prazo. Você acaba tendo a impressão de que a situação fiscal do país está boa, mas ela decorre de eventos atípicos, que não necessariamente se repetirão. Isso se intensificou muito nos últimos anos: capitalização da Petrobras, cessão onerosa, repatriação de recursos... Todos esses eventos geram uma receita bilionária para o governo e artificialmente fazem com que se tenha a impressão de que o resultado fiscal está numa trajetória sustentável. Quando fazemos a limpeza dos dados, começamos a enxergar um déficit fiscal já em 2013, um ano antes do que vemos nas estatísticas fiscais convencionais. Sem contar a deterioração das receitas, que conseguimos enxergar a partir de 2008. Quando pegamos a variação do resultado estrutural, conseguimos saber se a política fiscal é contracionista ou expansionista, o que é um indicador muito importante para se avaliar.

Como essa observação pode ser incorporada como um critério permanente de análise das contas públicas?

Há um debate hoje sobre o uso desse indicador como uma regra fiscal. Isso é um estudo em andamento. Teríamos alguns ganhos, por ser uma série mais limpa, mas há ainda uma certa dificuldade. O resultado estrutural depende de algumas variáveis não-observáveis, como o PIB potencial da economia. Hoje não temos um consenso sobre qual é o PIB potencial. Quando se faz a estimativa do resultado estrutural usando diferentes metodologias de PIB potencial, chega-se a diferentes entendimentos sobre a política fiscal. É preciso definir qual é a melhor métrica. Vamos intensificar esse acompanhamento, fazer um estudo inicial e manter avaliações periódicas.

Você é a primeira diretora da IFI que trabalhou junto a um governo estadual. Qual é a perspectiva que essa experiência pode trazer para a instituição?

A IFI tem atuado com análises de finanças subnacionais, mas em menor proporção. O foco acaba ficando muito concentrado no setor público como um todo e no governo central. Um pouco mais de análise sobre os entes  municípios também  é uma demanda que surge muito e é algo com que eu posso contribuir. Já temos algumas análises sobre finanças estaduais, em projetos-piloto, e a IFI acaba atuando quando se tem alguma proposta do governo federal para estados e municípios, como a PEC Emergencial e a Lei Complementar 173 [auxílio federativo durante a pandemia]. Mas não é uma análise focada. É difícil olhar para governos locais, porque eles são muito diferentes. Quando falamos de crise nos governos estaduais, não são todos iguais. Alguns estão muito ruins, mas outros estão em uma situação fiscal saudável. Como se avalia isso, como se identificam essas diferenças e gargalos? É uma análise que demanda tempo, separação, entender as diferenças regionais. Ainda não está na pauta da IFI, mas podemos tentar.

Qual era a sua impressão sobre o trabalho da IFI, falando como uma observadora externa?

Acompanho os estudos e as publicações da IFI desde o início. Vejo como um órgão fundamental de transparência e acompanhamento das finanças públicas. Temos alguns institutos de pesquisa econômica que têm áreas de política fiscal, mas elas acabam sendo limitadas porque o foco deles é a atividade econômica como um todo. Embora a IFI ainda seja uma equipe pequena, o seu foco é dar transparência para as contas públicas. Ter uma instituição voltada para o acompanhamento da conjuntura fiscal é um ganho imensurável. Acho que as atribuições estão bem definidas e os avanços dependem do que o parlamento deseja. Temos que ver o que é feito internacionalmente e pegar bons exemplos.


Entrevista

Felipe Salto

“A IFI é o cão de guarda, e latimos muito”

O início da IFI se marca pela posse de Felipe Salto como diretor-executivo, em novembro de 2016. Dessa posição, ele coordena a equipe e indica os cinco membros do Conselho de Assessoramento Técnico da IFI. Também orienta o andamento dos trabalhos, mas todos os três diretores têm o mesmo poder de voto sobre as decisões da instituição.

Felipe Salto: papel da IFI é informar o Congresso, a imprensa e à sociedade (foto: Pedro França/Agência Senado)

O Brasil vai entrar num período em que tenta recuperar a economia, mas enfrenta o desafio da inflação e ainda tenta fazer reformas estruturais. Nesse cenário, qual será o papel da IFI?

A missão fundamental da IFI é ampliar a transparência e colaborar para a disciplina fiscal. Temos que ter sempre isso como norte. Claro que a conjuntura está muito conturbada e estamos com uma perspectiva de crescimento mais baixo para o ano que vem. O desafio vai ser muito grande. Do nosso ponto de vista, a maior preocupação é o equilíbrio fiscal. O governo vem sinalizando algumas medidas que podem promover uma certa deterioração do quadro, com efeitos sobre a economia como um todo: aumento dos juros, do risco, da taxa de câmbio e da inflação. Nosso papel vai ser, cada vez mais, acompanhar essa conjuntura e tentar prover informações aos parlamentares, à imprensa e à sociedade. Temos uma função muito clara: ser o cão de guarda. Não podemos morder, pois não temos poder judicante  quem faz isso é o TCU  mas latimos muito.

Como é possível avaliar a influência exercida pela IFI desde o início da sua existência?

Isso é muito difícil de mensurar, porque nós não temos ingerência. Produzimos os estudos e os parlamentares podem usar ou não. A métrica usada pela OCDE para avaliar se a presença de uma instituição fiscal ajuda a melhorar a política fiscal e a transparência é a imprensa. Os políticos reagem às manchetes. Se um estudo da IFI for usado por um jornal, isso tem muito mais peso do que se ele ficar entre especialistas. Temos tido uma boa inserção na imprensa, com média de uma ou duas citações por dia. Isso é importante porque, se o jornalista usa um dado nosso, é uma medida de que o dado é confiável.

E sobre as políticas públicas?

O contraponto com o Executivo é uma missão fundamental. O Executivo tem o domínio da maior parte dos dados, das informações fiscais e orçamentárias. A presença da IFI faz ele se mexer. Na época da reforma da Previdência, o Rafael Bacciotti, economista da nossa equipe, descobriu que a CPI da Previdência do Senado conseguiu que o governo tornasse público o seu modelo de projeções. Ele implementou isso aqui, nós colocamos os nossos parâmetros  PIB, massa salarial, produtividade  e ganhamos um ferramental que ninguém mais tinha. Publicamos as nossas contas do impacto da proposta antes do governo. Isso gerou uma reação do Executivo, porque os nossos números eram diferentes. Rapidamente eles começaram a divulgar os deles. Sempre que saía uma mudança na PEC, nós fazíamos a nossa simulação, calculávamos o efeito e publicávamos. O governo também tinha que mostrar, e a imprensa podia comparar. Talvez tenha sido o episódio de maior influência direta que conseguimos ter.

A IFI integra a rede da OCDE de instituições fiscais vinculadas aos parlamentos dos seus países-membros, apesar de o Brasil não fazer parte da organização. Qual é a importância disso?

É algo muito significativo. O Brasil tem tentado ingressar na OCDE, que é o clube dos países que estão fazendo a “lição de casa”. Nós não estamos, mas somos considerados um key partner country e tivemos a oportunidade de ir ao encontro anual das IFIs em 2018, na Coreia do Sul, onde fizemos uma apresentação num painel de novas IFIs. Propus à coordenadora que a nossa IFI pudesse figurar na rede da OCDE. Somos o único país fora da OCDE com esse status. É muito interessante, porque é um agente externo acompanhando a nossa situação. Quando comparada com as demais, a nossa IFI tem um orçamento pequeno, uma equipe pequena, mas temos os atributos que a OCDE considera fundamentais: independência, direção colegiada e diretores com mandato fixo. Temos um convênio com a IFI coreana e estamos começando a nos aproximar mais do Conselho de Finanças Públicas, que é a IFI portuguesa. E mantemos contato com as IFIs de vários outros países. Isso é fundamental para mostrar que a IFI não é uma ”jabuticaba”.


Entrevista

Daniel Couri

“Tentamos trazer o futuro para as decisões orçamentárias”

O consultor legislativo Daniel Couri é diretor da IFI desde 2019, indicado pela Comissão de Fiscalização e Controle (CTFC), mas está na instituição desde a sua criação, como analista.

Para Daniel Couri, as IFIs precisam romper com o viés imediatista (foto: Pedro França/Agência Senado)

Você integra a IFI desde o início, mesmo antes de ser diretor. O que pode falar sobre a consolidação dos objetivos da instituição?

O tema de finanças públicas, e economia em geral, é árido para a maior parte das pessoas. O papel da IFI é desanuviar esse ambiente e tentar explicar o que está por trás das decisões. Estamos para votar uma PEC sobre os precatórios, o que é um assunto difícil, mas que tem um risco fiscal embutido, quando a União diz que não vai pagá-los. O papel da IFI é mostrar que isso é um assunto sério, pode criar uma perda de credibilidade da política fiscal que vai colocar em risco outras conquistas que já tivemos. A IFI tem que ser o “chato” na sala. É difícil, envolve um esforço de comunicação muito grande, e temos tentado evoluir nesse sentido.

Para onde mais é possível evoluir?

A análise de conjuntura é muito importante, especialmente no momento em que estamos vivendo. São muitos eventos se atropelando. Temos que estar atentos e responder rápido. Isso, de fato, toma algum tempo, e a IFI tem que atuar porque é uma das principais formas que temos de influenciar o debate. Não dá para desmerecer a conjuntura. Mas sentimos que deveríamos tentar avançar nos estudos estruturais, o que também é nosso papel. Vamos incorporar isso à nossa rotina.

Por que essa meta?

O viés muito imediatista é algo que as IFIs têm que se preocupar em romper um pouco. Isso é algo muito bem descrito pela ciência política. Em ano eleitoral, é natural que o governo queira gastar mais. É o nosso papel mostrar que isso tem efeito lá na frente. Esses trabalhos mais estruturais podem mostrar que decisões tomadas agora têm implicações importantes no futuro. Talvez sejam boas para o ano que vem, estimulem a economia, aliviem a situação de alguns setores, mas terão implicação para as contas públicas no futuro. É muito difícil enxergar isso. O nosso papel é tentar fazer com que o futuro seja internalizado nas decisões orçamentárias.

Cada diretor da IFI traz um conjunto de experiências profissionais variadas. Qual é a importância dessas diferentes visões econômicas para o trabalho de vocês?

Tenho 15 anos de serviço público, sempre ligado ao Orçamento, mas de diferentes perspectivas. No Executivo [como analista do Ministério do Planejamento], era o olhar de quem elabora e monitora a execução ao longo do ano. Fui para o TCU e ganhei o olhar do auditor, de quem controla as contas públicas. Depois, adiciono uma nova perspectiva ao vir para dentro do Congresso: a tramitação, e não só do Orçamento, mas de outros projetos que tenham impacto orçamentário e fiscal. A IFI talvez seja uma outra perspectiva ainda, o olhar independente, o cálculo de projeções. O eixo não mudou muito, Para mim, foi importante ter passado por todos esses lugares e ter conseguido entender como a lógica do mesmo assunto funciona sob diferentes perspectivas.

Além da reforma da Previdência, em que outros momentos a IFI teve papel ativo no rumo dos debates legislativos?

Dentro da reforma, havia uma alteração do BPC, que é uma das políticas sociais mais importantes que nós temos, e custa menos de 1% do PIB. O governo começaria a pagar antes, mas em valor menor. Ela gerou muitas críticas. Não entramos no mérito da proposta, mas calculamos o impacto fiscal, que o governo não tinha dito ainda. Não havia um impacto fiscal relevante, era praticamente nulo em 10 anos, e o impacto imediato ainda seria negativo. Essa informação teve uma repercussão grande, os jornalistas foram ao Ministério e o secretário da Previdência teve que se explicar. Aquilo mudou totalmente a discussão sobre a alteração e ela acabou caindo, ainda na Câmara. Nossa intenção não era fazer com que ela caísse ou continuasse, mas a informação contribuiu para o Congresso decidir o que ia fazer com aquilo.

Os diretores da IFI

A primeira diretoria da IFI (2016-2017) ganhou mandatos escalonados, para garantir transições graduais: seis anos para o diretor-executivo, quatro para o diretor indicado pela CAE e dois para o indicado da CTFC. A partir da segunda indicação, todos os mandatos serão de quatro anos.


Reportagem: Guilherme Oliveira
Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira
Edição: Valter Gonçalves Jr.
Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Infografia: Cássio Costa
Edição fotográfica: Ana Volpe
Foto de capa: Pedro França/Agência Senado