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A pandemia escancarou, mais uma vez, o péssimo quadro da desigualdade social e econômica no Brasil. Durante a primeira onda do coronavírus, no ano passado, mais de 30% dos 211,8 milhões de residentes nos 5.570 municípios brasileiros tiveram de ser socorridos na etapa inicial do auxílio de R$ 600 aprovado pelo Congresso, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em julho de 2020.
O contingente dos que precisaram de ajuda espantou até mesmo algumas áreas de governo, mesmo tomando em consideração os desvios e irregularidades cadastrais. O Tribunal de Contas da União (TCU) estimou no relatório divulgado ao final de fevereiro que 7,3 milhões de brasileiros podem ter recebido o auxílio emergencial indevidamente. Mesmo quem não agiu de forma intencional, terá que se acertar com o Fisco agora em 2021.
Os cálculos variam entre 67 e 68 milhões de brasileiros na primeira fase e cerca de 57 milhões na segunda rodada, a partir de setembro quando o auxílio foi reduzido para R$ 300. Essa variação do número de beneficiários depende da fonte de informação consultada.
Além do espantoso número de beneficiários, o custo do chamado coronavoucher evidenciou o peso financeiro da desigualdade no país. Foram gastos praticamente R$ 293 bilhões no ano passado, cerca de 56% dos recursos federais desembolsados para enfrentar a primeira onda da pandemia, de acordo com o Siga Brasil, sistema do Senado que facilita a busca de dados do Tesouro Nacional. Ou R$ 321,8 bilhões, conforme os cálculos divulgados pelo Ministério da Economia sobre o gasto com o auxílio emergencial.
O importante é que qualquer uma das duas cifras reflete o custo elevado do perfil de distribuição de renda no país. Os recursos socorreram não só os que ficaram desempregados ou perderam seus pequenos negócios no meio da maior crise sanitária deste século. Entre os elegíveis ao benefício estavam brasileiros situados na base da pirâmide social. Ou seja, os pobres que vivem com menos de US$ 5,50 por dia ou os muito pobres que conseguem apenas US$ 1,90, conforme classificação do Banco Mundial.
— O Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo — afirma o sociólogo Luis Henrique Paiva, coordenador de estudos em seguridade social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De fato. A publicação Síntese de Indicadores Sociais, divulgada pelo IBGE em 2020, trouxe estimativas do Banco Mundial com base no índice de Gini, instrumento criado pelo matemático italiano Conrado Gini para medir o grau de concentração de renda no grupo a ser avaliado. A variação numérica é de zero a um, sendo zero quando todos têm a mesma renda e um representando o extremo oposto.
Nesse ranking da desigualdade, o Brasil apresenta 0,539 pelo índice de Gini, com base em dados de 2018. Está enquadrado entre os dez países mais desiguais do mundo, sendo o único latino-americano na lista onde figuram os africanos. O Brasil é mais desigual que Botsuana, com 0,533 pelo índice de Gini, pequeno país vizinho a África do Sul com pouco mais que dois milhões de habitantes.
Visto do topo da pirâmide social, o Brasil é um dos recordistas em concentração de renda no mundo. Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado no final de 2019, portanto antes da pandemia, mostrou que o 1% da população mais rica detinha 28,3% da renda do país, quase um terço do total.
No levantamento comparativo com outras nações, o Brasil só perdia para o Catar e estava atrás do Chile, o terceiro colocado, com 23,7% da renda total. Nem a populosa Índia, com todos os problemas religiosos e étnicos, tinha uma concentração de renda tão elevada.
Se ampliar a faixa de 1% para os 10% dos brasileiros mais ricos, a participação na renda do país sobe para 41,9% do total. Ou seja, os outros 90% da população conseguem menos do que 60% da renda total, só para evidenciar a tamanha disparidade.
Diante dessa desigualdade gigantesca, e com o recrudescimento da pandemia este ano, não houve escapatória: a área econômica do governo foi obrigada a conceder um novo auxílio emergencial. Mas resolveu reduzir o volume aportado e estreitar o número de beneficiários.
Depois da pressão de parlamentares e de muitos debates, o Congresso aprovou o novo auxílio agora em março. O valor ainda não foi oficializado, mas deverá oscilar entre R$ 175 e R$ 375, com valor médio de R$ 250, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes. O prazo de concessão do novo auxílio seria de quatro meses.
Foi uma negociação difícil. O governo exigiu incluir a autorização para o novo auxílio no bojo da chamada PEC Emergencial (Proposta de Emenda à Constituição 186/19), como forma de agilizar a tramitação e a aprovação da nova emenda. Apresentada em 2019 pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e outros 34 senadores, a PEC original trazia vários mecanismos de cortes de gastos, acionados automaticamente dependendo da situação das contas públicas, já que era parte de um conjunto de medidas de reforma fiscal — o Plano Mais Brasil.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), recebeu parecer do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Com a interrupção das atividades das comissões, em decorrência da pandemia, a PEC não foi votada e acabou redistribuída ao senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator do projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021 (PLN 28/2020).
Com a inclusão do novo auxílio, o conteúdo foi reformatado para estabelecer contrapartidas fiscais, como o limite para gastos com pessoal, e acrescentar dispositivos que estavam na PEC do Pacto Federativo (PEC 188/2019), também relatada por Bittar. Um deles foi a desvinculação de gastos com saúde e educação, que acabou retirada na última versão do parecer de Bittar para a PEC Emergencial, como forma de viabilizar sua votação no Senado. A oposição queria votar o auxílio em separado do conjunto da PEC. Mas não conseguiu.
A PEC define, entre outros pontos, gatilhos para conter as despesas públicas, como medidas que os estados e os municípios poderão adotar caso seus gastos correntes atinjam 95% das suas receitas correntes. Por exemplo, poderão congelar salários dos servidores e suspender concursos públicos para preenchimento de vagas novas.
As medidas são facultativas para estados e municípios. No entanto, as unidades da Federação que não quiserem se enquadrar ficarão impedidas de obter garantias da União em empréstimos internacionais, por exemplo, aumentar o seu endividamento ou prorrogar pagamentos de dívidas existentes.
Outra medida aprovada no texto da PEC Emergencial foi o teto de R$ 44 bilhões para os gastos com o novo auxílio em 2021. O governo quis acenar ao mercado que, apesar das dificuldades econômicas impostas pela segunda onda da pandemia, dos atrasos nas compras de vacina e na imunização dos brasileiros, não abandonou o compromisso de manter responsabilidade fiscal na condução das despesas do país.
No fim, o resultado mostrou-se satisfatório, na opinião do líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE): "O relator acertou a mão, recebeu a proposta do governo e aqui, ouvindo os partidos, ouvindo os senadores, equilibrou a proposta, mas, ainda assim, ela se tornou uma proposta robusta, equilibrada, forte o suficiente para dar o recado à sociedade brasileira de que nós vamos agir com responsabilidade", disse ele logo após a aprovação da PEC no Senado.
Apesar da aprovação desse novo auxílio, não há como dourar um cenário que prevê enormes obstáculos para a retomada do crescimento econômico e para a vida dos brasileiros, especialmente os menos favorecidos. A prioridade do Legislativo agora é a criação de um programa de renda mínima para o Brasil, conforme defendeu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em entrevista coletiva no dia 4, logo depois da votação do texto em segundo turno pelos senadores:
— A PEC Emergencial cria condições para uma nova rodada do auxílio emergencial, mas após a aprovação pela Câmara, devemos debater de forma firme e segura a possibilidade de perenização de um programa de renda mínima, dando dignidade à camada social que precisará deste alento do Estado. Até que possamos ter uma recuperação plena da economia, que gere empregos.
No entender de Pacheco, o mais importante é gerar renda e trabalho para os brasileiros, "porque ninguém quer favor do Estado, mas ter sua própria capacidade de trabalho e viver dela". O presidente do Senado, ponderou, entretanto: "há uma camada que precisa ser assistida, e o Parlamento terá que se esforçar e dar a esta camada uma renda mínima, cidadã, possibilitando justiça social".
O consultor do Senado Pedro Nery, especialista no tema, lembra que o governo abandonou a proposta de criar o Renda Brasil. No entanto, avalia que é necessário instituir algo permanente após o auxílio emergencial e que o Programa Bolsa Família (PBF) é insuficiente para ajudar os brasileiros mais pobres.
O professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Naercio Menezes Filho, pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas, defende que o foco agora tem que ser os brasileiros de zero a seis anos. Os vários programas sociais existentes, como o PBF, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para as pessoas com deficiência e a própria aposentadoria rural atendem mais os adultos e os idosos. Não há, segundo ele, um programa nacional direcionado para as crianças.
A proposta estudada por ele e apresentada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) está voltada para a primeira infância. Pelas simulações do economista, poderia ser concedido um benefício de R$ 800 para cada criança das famílias atendidas pelo PBF, a um custo total anual na faixa de R$ 68 bilhões.
O critério, segundo Nery, foi escolher as que trazem “mudanças significativas”, com estimativas de custo e compensações para os novos gastos, que seriam da ordem de R$ 40 bilhões a R$ 60 bilhões anuais. A maioria delas está voltada para as crianças. Somente os dois projetos de Tasso Jereissati (PSDB-CE) possuem relatores designados: a senadora Kátia Abreu (PP-TO) para o benefício universal infantil (PEC 34/2020) e o senador Antonio Anastasia (PSD-MG) para a Lei de Responsabilidade Social (PL 5.343/2020).
Outros senadores, como Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Eduardo Braga (MDB-AM), também apresentaram propostas para instituir uma ajuda permanente após o fim do auxílio emergencial. Levantamento do consultor do Senado destacou cinco proposições deles, incluindo a da senadora Eliziane.
PROJETOS DE RENDA BÁSICA EM ANÁLISE NO SENADO | |
PEC 11/2020Alessandro Vieira (Cidadania‑SE) |
TETO DE POBREZA INFANTILValor do benefício: Executivo regulamenta. O suficiente para reduzir a taxa de pobreza infantil de 40% para 10% Público: Famílias com crianças abaixo da linha da pobreza Fonte de recursos: CSLL de instituições financeiras e cancelamento de despesas obrigatórias escolhidas pelo Executivo |
PL 3421/2020Eduardo Braga (MDB‑AM) |
RENDA BÁSICA PERMANENTEValor do benefício: Até R$ 600 por família (R$ 120 por pessoa) Público: Famílias que atendem requisito de renda per capita do auxílio emergencial Fonte de recursos: CSLL de instituições financeiras, integração com o abono salarial e salário-família, lucros e dividendos, juros sobre capital próprio |
PLP 213/2020Eliziane Gama (Cidadania‑MA) |
RENDA BÁSICA DA PRIMEIRA INFÂNCIAValor do benefício: R$ 800 por criança na primeira infância Público: Famílias no Bolsa Família Fonte de recursos: Lucros e dividendos, grandes fortunas |
PEC 34/2020Tasso Jereissati (PSDB‑CE) |
BENEFÍCIO UNIVERSAL INFANTILValor do benefício: Executivo regulamenta. Maior para famílias mais pobres e com crianças na primeira infância. O suficiente para reduzir a taxa de pobreza infantil de 40% para 10% Público: Famílias com crianças abaixo da linha da pobreza Fonte de recursos: Integração com abono salarial e salário-família, gatilhos do teto de gastos, renúncias fiscais, deduções do IR |
PL 5343/2020Tasso Jereissati (PSDB‑CE) |
LEI DE RESPONSABILIDADE SOCIALValor do benefício: Varia de acordo com a família. Cria-se benefício de renda mínima e subsídios a poupança de adultos e estudantes Público: Famílias vulneráveis à extrema pobreza Fonte de recursos: Integração com abono salarial e salário-família, gatilhos do teto de gastos, renúncias fiscais, deduções do IR |
Fonte: Levantamento elaborado pelo consultor legislativo Pedro Nery
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Um dos objetivos do projeto é transferir mais renda a quem realmente precisa. Entendo que o orçamento tem limitações, ainda mais neste momento de crise, mas devemos priorizar as crianças. É preciso lembrar que 3 milhões de crianças nascem todos os anos no Brasil, e a taxa de pobreza na primeira infância supera os 30% para as crianças brancas e chega a ultrapassar os 60% para as crianças negras nos primeiros três anos de vida. Boa parte dos brasileiros mais vulneráveis vivem em famílias com renda abaixo da linha da pobreza — Senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
A PEC 34/2020 estabelece o pagamento mensal do benefício universal infantil. Os valores pagos serão inversamente proporcionais à renda familiar e maiores para crianças de até seis anos de idade. O ano de 2020 se mostrou mais desafiador do que qualquer um de nós poderia imaginar. A pandemia tornou evidente a desproteção de milhões de famílias brasileiras. O benefício universal infantil, concebido por sociólogos e economistas do Ipea, é o tipo de política arrojada, mas viável, de que precisamos — Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Foto: Pedro França/Agência Senado
Não podemos aceitar o descontrole fiscal. Da mesma forma não podemos mais aceitar problemas históricos como a pobreza infantil. E se existisse um teto, com gatilhos que liberam aumentos de gastos para resgatar essas crianças? Essa é a ideia da PEC que protocolei no Senado. O descumprimento dos tetos permite que qualquer outra despesa da União, mesmo constitucional, seja cancelada para que a pobreza infantil seja erradicada. E premia os entes com avanços sociais relevantes — Senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
A construção de uma sociedade mais solidária exige uma rede de proteção à camada mais vulnerável da população, especialmente aos trabalhadores informais e aos desempregados. A criação de um programa de renda básica permanente vai tirar milhões de brasileiros da pobreza extrema e reduzir drasticamente desigualdades sociais e regionais, que foram expostas, como nunca, ao longo dessa pandemia — Senador Eduardo Braga (MDB-AM)
Vários especialistas sugerem que o melhor caminho seria um programa que aproveitasse o Bolsa Família. A percepção geral é que se trata da política pública mais avaliada do governo federal, segundo Luis Paiva, que já foi secretário do PBF.
O embrião desse programa bem-sucedido, e com projeção internacional, foi o Bolsa-Escola, criado no Distrito Federal em 1995, quando o ex-senador Cristovam Buarque era o governador. O município de Campinas (SP) também adotou um programa semelhante.
Em abril de 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, a política ganharia abrangência nacional (Lei 10.219), também com o nome de Bolsa-Escola. Mais tarde, no primeiro governo Lula, foi renomeada como Bolsa Família (Lei 10.836, de 2004) e incorporou outros programas de transferência de renda, como o Bolsa Alimentação e o Auxílio-Gás. Nasce ao lado do projeto de Renda Básica de Cidadania do ex-senador Eduardo Suplicy (Lei 10.835, de 2004).
O PBF acabou sendo considerado por muitos especialistas, e pelo próprio Suplicy, como a primeira etapa do projeto do senador, que prevê uma renda básica para todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros residentes há pelo menos há cinco anos no Brasil.
Paiva conta que o México lançou seu programa nacional em 2007, após visitar e conhecer a experiência do Brasil. Além dele, muitos países se inspiraram na iniciativa brasileira, como a populosa Indonésia, com 267,7 milhões de habitantes.
A Índia, continua o sociólogo, possui iniciativas localizadas, mas não tem um programa de transferência direta de renda na escala do PBF, que atende mais de 14 milhões de famílias. No Bolsa Família são beneficiadas as famílias pobres e na pobreza extrema, com renda mensal entre R$ 89,01 e R$ 178 por pessoa. Elas precisam estar inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, com dados atualizados há menos de dois anos. O valor médio do benefício é de R$ 192 por família.
Outro aspecto relevante do PBF, segundo Paiva, é a sua eficiência na capacidade de ajudar a reduzir a pobreza, com custo inferior ao do outro grande programa de transferência direta de renda, o BPC, que paga um salário mínimo para cada beneficiário com deficiência.
Até o receio de ser uma política assistencialista que acabaria por acomodar os brasileiros pobres foi afastado. Paiva afirma que as avaliações mostraram que o “efeito preguiça”, um suposto desestímulo à procura por trabalho, não se confirmou nos vários estudos realizados. Isso pode ter sido um dos fatores que acabaram com as críticas e esvaziaram os discursos de políticos que se opunham ao programa.
O coordenador do Ipea é favorável a propostas que ampliem os recursos do PBF e os que garantem ajuda para as crianças, tenham foco nas famílias pobres ou sejam do tipo benefício universal, desde que repensadas as fontes de recursos. Poderiam, por exemplo, englobar as deduções com despesas escolares declaradas no Imposto de Renda.
Contudo, não bastam apenas transferências diretas de renda para socorrer os mais pobres. O país precisa, segundo Paiva, corrigir várias distorções para reduzir efetivamente a pobreza, como assegurar uma estrutura tributária progressiva. Hoje a carga tributária maior recai proporcionalmente sobre os mais pobres.
Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI)
Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de assessoramento do Senado, o estabelecimento de um programa de suplementação de renda, novo ou por meio de alterações no Bolsa Família, depende de “um bom diagnóstico de todos os programas atuais” e do desenho de uma saída que permita maior abrangência, “mas dentro do grupo dos mais pobres”. O economista avalia como muito importante, além de um melhor controle e eficiência nos gastos públicos, de modo a liberar recursos para esse investimento social, a definição de “portas de saída dos programas”, o que não será possível sem a geração de empregos e o fortalecimento da economia, variáveis que, a seu ver, “continuam em aberto”. No momento, o país perdeu “a capacidade de planejar o futuro”, de acordo com Salto. E, “na base da inércia”, não vai crescer mais do que 2,5% ao ano, “taxa baixíssima para promover maior igualdade social e desenvolvimento econômico”.
Agência Senado — Como senhor avalia o teto de R$ 44 bilhões para o novo auxílio emergencial deste ano e o do ano passado, tanto do ponto de vista fiscal quanto do social?
Felipe Salto — No ano passado, o custo do programa foi de cerca de 4% do PIB. Neste ano, com a limitação proposta na PEC Emergencial, haverá uma limitação a algo como 0,6% do PIB (ou R$ 44 bilhões). Isto é, o programa será bem menor, de saída, e o governo precisará calibrar bem os requisitos exigidos para acesso ao novo benefício. Obviamente, terá de ser para um número menor de pessoas, com benefício médio mais baixo e por menos tempo. O risco é a pandemia não ser enfrentada à altura, dado o atraso que se vê na vacinação ampla da população, e haver necessidade de novas rodadas. De todo modo, para o valor imposto pela PEC, entendemos que seria possível financiar até cinco meses a R$ 250 ao mês, para 45 milhões de pessoas, contabilizando, para os beneficiários do Bolsa Família, apenas o incremento em relação ao que já recebem hoje mensalmente.
[No momento da entrevista a PEC havia sido aprovada no Senado e estava em tramitação na Câmara dos Deputados]
Agência Senado — Pelas preocupações do senador Tasso Jereissati em relação à votação da PEC Emergencial, ficou claro que o Parlamento ensaia uma estratégia entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal. Qual é a contribuição que a IFI pode dar para acabar com o que poderíamos chamar de "falsa dicotomia" entre austeridade e investimento em programas sociais?
Felipe Salto — A despesa social não pode ser vista como contraditória à responsabilidade fiscal. É possível ter um Estado atuante e zeloso em relação à disciplina nas contas públicas. Simultaneamente. Este é o desafio. A IFI pode colaborar com esse importante debate por meio de suas publicações, análises e eventos, como este webinar que realizamos com economistas e o senador Jereissati. Vale dizer, a IFI não dá recomendação de políticas públicas, mas apresenta números e, assim, pode ajudar a mostrar as ineficiências alocativas do orçamento público e colaborar para uma melhor compreensão de custos e benefícios dos gastos sociais hoje realizados. A discussão do auxílio emergencial tem sido importante, sob esse aspecto. A IFI divulgou estimativas sobre o programa no ano passado usadas à larga pela imprensa, e está fazendo o mesmo para este ano, com a possibilidade prevista na PEC Emergencial (186) de uma segunda versão do programa.
Agência Senado — Agora, com o cruzamento de mais de dez bases de dados, o governo afirma ter construído um bom cadastro dos potenciais beneficiários de programas de renda. Não seria o momento de colocar em prática uma ajuda mais eficiente e eficaz para reduzir a desigualdade no país?
Felipe Salto — Sim. Certamente, o governo deve ter passado por um aprendizado grande com os cadastros e a operação da Caixa Econômica no ano passado. Agora, vai ser o caso de definir, em lei ou medida provisória, as diretrizes e requisitos para este novo benefício, de posse dessas informações e desse sistema de informações (espera-se) mais avançado, sobretudo se comparado ao início da crise, em março/abril de 2020. A discussão sobre um programa de renda mínima para uma população maior — e de maneira permanente —, por sua vez, dependerá de debate mais aprofundado sobre os diversos programas que já existem e sobre a abertura de espaço orçamentário e fiscal para essa finalidade. Não seria trivial fazer isso de maneira apressada.
Agência Senado — O Bolsa Família, segundo muitas avaliações, mostrou-se um programa eficiente, eficaz e com baixo impacto orçamentário (para não usar a qualificação de baixo custo fiscal). Outros países, inclusive, seguiram a iniciativa brasileira. O México foi um deles. Em função disso, turbinar o Bolsa Família não seria o melhor caminho? Qual o espaço fiscal para tanto?
Felipe Salto — O Bolsa Família é, sem dúvida, um programa exitoso. A lei que o criou, da lavra do ex-senador Eduardo Suplicy, previa a criação, por etapas, de um programa de renda mínima. Mas isso não aconteceu até aqui. O problema está na discussão fiscal e nas restrições impostas pelo deficit elevado e pela dívida alta e crescente. O Brasil está, desde 2013, aumentando sua dívida em relação ao PIB. De lá para cá, a dívida pública bruta já passou de 51,5% do PIB para 89,3% do PIB, devendo atingir 92,7%, em 2021, de acordo com as projeções da IFI, conforme Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de fevereiro. Mas o debate é importante, sobretudo partindo-se do Bolsa Família. É preciso ter um bom diagnóstico de todos os programas atuais, a exemplo do Benefício de Prestação Continuada, abono salarial, Bolsa Família, entre outros, e desenhar uma saída que permitisse maior abrangência, mas dentro do grupo dos mais pobres. É muito importante, também, o debate sobre as portas de saída dos programas. A geração de emprego e o fortalecimento da economia nacional continuam em aberto. Perdemos a capacidade de planejar o futuro. Na base da inércia, não vamos crescer mais do que 2,5% ao ano, uma taxa baixíssima para promover maior igualdade social e desenvolvimento econômico.
Agência Senado — Há espaço fiscal para aprovar um programa de transferência direta de renda para as crianças pobres?
Felipe Salto — Programas novos têm de ser compatíveis com o espaço fiscal prospectivo. Tudo dependerá do desejo de se repensar os programas já existentes e criar esse espaço, preferencialmente, cortando outros gastos menos importantes. Outra possibilidade, mas essa não resolveria a restrição do teto de gastos, é aumentar receitas para bancar o novo programa. De todo modo, sem dúvida, um programa como esse seria meritório. Há que se ter presente, sempre, a responsabilidade fiscal.