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Brasil oficializou Dia do Trabalhador para incentivar festas e conter protestos

Ricardo Westin
Publicado em 3/5/2024
Edição 110
Questão social

O dia 1º de maio virou feriado no Brasil em 1924, por força de uma lei aprovada pelo Senado e pela Câmara e assinada pelo presidente Arthur Bernardes. A data entrou no calendário oficial para celebrar a “confraternidade universal das classes operárias” e os “mártires do trabalho”.

Documentos da época guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, revelam que, ao oficializar o Dia do Trabalhador há cem anos, Bernardes teve como objetivo domesticar a data.

Até então, muitos sindicatos usavam o 1º de maio para organizar comícios e protestos contra a exploração no trabalho. Era uma época em que praticamente inexistiam direitos trabalhistas no Brasil.

Para o governo, a data não deveria ser de reivindicação, mas de festa. Na mensagem presidencial que enviou ao Congresso Nacional no início de 1925, Bernardes agradeceu a aprovação da lei do Dia do Trabalhador e disse que a substituição da luta pelos festejos já era uma salutar tendência:

“A significação que essa data passou a ter nestes últimos tempos, consagrando-se não mais a protestos subversivos, mas à glorificação do trabalho ordeiro e útil, justifica plenamente o vosso ato”.

A lei foi sancionada em setembro de 1924. Embora o Brasil fosse majoritariamente agrário, as maiores cidades do país já tinham um número considerável de fábricas, principalmente de tecidos, móveis e alimentos.

A primeira indústria de automóveis do país, por exemplo, foi a americana Ford, instalada em São Paulo em 1919.

Documento original da lei que em 1924 tornou o 1º de maio feriado; no alto à direita, a assinatura do presidente Arthur Bernardes (Arquivo do Senado)

Os papéis históricos do Arquivo do Senado também mostram que os trabalhadores urbanos de fato viviam sob violenta exploração. Num discurso, o senador Cunha Pedrosa (PB) denunciou:

— Esses pobres não passam, em sua maioria, de bestas de carga, atrelados à charrua [ao arado] da indústria nacional.

Para o senador Antônio Azeredo (MT), a situação dos operários era pior que a dos camponeses:

— Enquanto o colono trabalha nas fazendas reunindo dia a dia elementos preciosos para garantir o seu futuro, procurando tornar-se independente do patrão e comprar o terreno que habita ou buscar novas terras, os operários industriais não podem aspirar a outra coisa senão o seu exíguo salário, que jamais poderia ser acumulado com o fim de adquirir qualquer propriedade e muito menos os maquinismos caríssimos que manejam para o enriquecimento dos capitalistas.

Cada empresa tratava seus empregados como queria. Não existiam leis determinando registro em carteira, jornada máxima de trabalho, adicional noturno e de insalubridade, pagamento de horas extras, descanso semanal, férias remuneradas, licença-maternidade ou aposentadoria.

O trabalho infantil era liberado. O salário das mulheres era mais baixo que o dos homens. As demissões ocorriam por qualquer motivo — bastava o funcionário participar de greve ou se queixar das condições de trabalho.

O senador Irineu Machado (DF) resumiu:

— A nação brasileira é uma vasta senzala. Desapareceu o tronco para os negros, mas ainda subsiste a escravidão para os brancos brasileiros.

Operários marcham na grande greve de 1917, em São Paulo (Edgard Leuenroth/IFCH/Unicamp)

Os trabalhadores do começo do século 20, contudo, não se resignavam. As paralisações eram frequentes. A mais célebre delas foi a grande greve de 1917, que envolveu 50 mil operários da cidade de São Paulo e se estendeu por uma semana.

Quando o feriado foi decretado, o 1º de maio já fazia parte do calendário sindical não só no Brasil, mas em vários lugares do mundo, porque nesse dia, em 1886, se iniciou em Chicago, nos Estados Unidos, uma histórica greve geral a favor da jornada de trabalho de oito horas diárias.

O movimento foi violentamente sufocado pela polícia, com um saldo de várias prisões e mortes. Quatro manifestantes foram posteriormente enforcados em praça pública. Eles ficaram conhecidos como “mártires de Chicago”.

Também no Brasil as paralisações eram casos de polícia. A grande greve de 1917 teve 200 mortos, incluindo operários e policiais.

— Os trabalhadores nacionais sabem que as portas das prisões estão sempre escancaradas para eles cada vez que lutam pelas garantias necessárias à sua vida — lamentou Irineu Machado.

Segundo o senador, o governo ficava sempre do lado dos patrões. Machado citou uma greve na Estrada de Ferro Leopoldina ocorrida poucos anos antes. Em suas palavras, os funcionários trabalhavam até 17 horas por dia em troca de um salário de miséria. Ele contou que a paralisação não alcançou os resultados desejados:

— O governo espaldeirou [espancou], surrou, encarcerou todos os chefes do movimento e permitiu que aquela empresa pusesse à rua os homens de trabalho que revelaram maior energia e maior resistência na campanha por elevação de salários e garantias inteiramente justificáveis e humanas.

Machado afirmou que o governo adotou, além da violência, uma tática mais sutil para ajudar a empresa e enfraquecer a greve:

— Deu o governo do senhor [presidente] Epitácio Pessoa mão forte aos diretores da companhia inglesa, que puderam ter à sua disposição maquinistas, telegrafistas e condutores da [estatal] Estrada de Ferro Central do Brasil. Mais ainda: o governo pôs à disposição da empresa os foguistas e maquinistas da Armada nacional [Marinha]. Foi um atentado e uma violência contra os homens de trabalho, que apenas reclamavam o seu pão e defendiam a existência das suas famílias e um pouco de conforto.

Na mensagem presidencial de 1925, Arthur Bernardes diz que o 1º de maio deve ser dedicado a festejos, não a protestos (Biblioteca da Presidência da República)

Desde 1907, o Brasil tinha uma lei que permitia a expulsão sumária de estrangeiros do território nacional. O alvo eram os imigrantes europeus (principalmente portugueses, espanhóis, alemães e italianos) que traziam ideias anarquistas e socialistas para o país e incitavam os colegas de fábrica a fazer paralisações contra o abuso dos empresários.

Como a Europa foi o berço da Revolução Industrial, o movimento operário no continente tinha uma longa história e estava mais consolidado do que no Brasil.

Em 1919, em reação ao aumento da frequência das greves no país e das ações levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) argumentando que as expulsões eram inconstitucionais, uma nova lei contra os imigrantes foi aprovada, ainda mais dura que a anterior.

O autor dos dois projetos de lei foi Adolfo Gordo (SP), primeiro como deputado e depois como senador. No Senado, ele argumentou a favor do segundo projeto:

— Decidir que o Brasil não tem a faculdade de expulsar estrangeiros, quando todos os países do mundo estão expulsando do seu território os bandidos profissionais, os anarquistas perigosos, os cafetões, os vagabundos e os mendigos, é tornar o Brasil um asilo de todos esses elementos detestáveis.

Ele explicou por que considerava os anarquistas perigosos:

— Procuram agitar as classes operárias provocando greves e fazendo viva propaganda das ideias extremadas de seu programa, como “abolição da propriedade particular da terra” e “abolição das repúblicas, dos parlamentos, exércitos, polícias e magistratura” etc. etc. E intimam o governo a satisfazer seus pedidos sob pena de promoverem “a revolução e o massacre”, como se vê de publicações feitas na Guerra Sociale [jornal anarquista de São Paulo escrito em italiano].

O senador Paulo de Frontin (DF) também entendia que o foco das agitações eram os trabalhadores europeus, não os brasileiros:

— O operariado brasileiro, na sua grande maioria, conhece perfeitamente, como patriota que é, quais são os meios a empregar para poder corrigir os inconvenientes que possa haver e determinar que os poderes atendam aos reclamos que sejam justos. O elemento estrangeiro, que é aquele que tem tomado parte mais ativa nesse fermento anárquico, ao contrário, não é só indesejável, mas ainda perigoso. Está nas mãos do governo poder expulsá-lo.

O senador do Distrito Federal (isto é, do Rio de Janeiro, a capital na época) concluiu:

— Precisamos chamar a atenção dessa gente para o lema inscrito na nossa bandeira: Ordem e Progresso. Se eles não querem submeter-se ao que ali está estatuído, não venham para cá.

Funcionários da indústria de óleo Sol Levante em 1906; fábrica pertencia ao Conde Matarazzo (Centro de Memória/Unicamp)

O mandato do presidente Arthur Bernardes, de 1922 a 1926, foi um período particularmente difícil para os sindicatos. Em razão das revoltas tenentistas, ele governou todos os quatro anos sob estado de sítio. Isso significa que direitos constitucionais ficaram suspensos e o governo dispôs de poderes arbitrários.

Tanto tentativas de greve quanto meras reuniões de sindicatos foram violentamente desmanteladas. Enquanto os estrangeiros foram despachados de volta para seus países, os brasileiros considerados subversivos tiveram como destino a colônia militar de Clevelândia, uma prisão política aberta nessa época no extremo norte do atual Amapá, nos confins da Amazônia. Muitos só saíram de lá mortos.

Nada disso era noticiado porque, por força do estado de sítio, os jornais estavam amordaçados pela censura.

O autor do projeto de lei que transformou o 1º de maio em feriado no Brasil foi Irineu Machado. Pelos vários discursos proferidos pelo senador em favor dos operários nas décadas de 1910 e 1920, entende-se que o seu objetivo com a proposta não era esvaziar politicamente o Dia do Trabalhador, ao contrário do que quis o presidente Arthur Bernardes.

Machado, que era crítico do anarquismo, mas defensor da legitimidade das greves, avaliou que era um exagero perseguir trabalhadores só por acreditarem nessa filosofia política e recomendou ao governo que respeitasse a liberdade de pensamento:

— A soberania nacional não é uma expressão da maioria, não é tirania, não é a extinção das minorias. É a constatação da existência de diversas modalidades de opinião. Todas as vozes se fazem representar e são respeitadas. Somente quando os divergentes da ordem política ou social entram na ação material contra a organização política ou jurídica de um país é que se dá a intervenção do Poder Judiciário para reprimir o delito, sem, entretanto, suprimir o direito de opinião.

De acordo com o senador, era assim que os governos europeus vinham se comportando e o Brasil deveria se espelhar neles:

— Na Europa, as autoridades reconhecem aos mais ferozes inimigos da ordem social, aos comunistas, aos leninistas o direito de divergirem, de sustentarem a corrente de ideais a que estão fanática e morbidamente ligados. Nas urnas, os partidos comunistas pleiteiam francamente as candidaturas dos seus representantes. Respeita-se tanto o direito de opinião de todos os matizes, embora sejam mínimas as parcelas da representação das correntes revolucionárias, que ninguém lhes toca com um dedo e os seus representantes, todos eles, têm assento no Parlamento.

O senador, a propósito, dava aulas de “legislação operária” na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

Voz do Povo, jornal do movimento operário no Rio de Janeiro, noticia os protestos dos trabalhadores em 1º de maio de 1920, antes da criação do feriado nacional (Biblioteca Nacional Digital)

Aproveitando que a Constituição de 1891 protegia os parlamentares de qualquer punição por “suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato”, Irineu Machado contornou a censura aos meios de comunicação lendo no Plenário do Senado diversas cartas em que trabalhadores denunciavam os abusos cometidos contra o movimento operário.

Em 1923, ele subiu à tribuna:

— Tenho em mãos a seguinte carta: “Esta, senhor senador, tem por fim solicitar o apoio de Vossa Excelência, o grande amigo do povo, para a causa de dois infelizes operários que estão nas masmorras policiais sofrendo toda casta de violência. São eles: Pedro Mauriny, espanhol, e Manoel A. Pereira, português. Foram presos por pertencerem à União Geral dos Trabalhadores em Hotéis, Restaurantes e Cafés, organizada para fins de emancipação econômica e social do proletariado. Os seus melhores militantes, como é de presumir, são possuidores de ideias avançadas. Esse deve ser o crime atribuído aos dois, que estão pagando tão caro a sua dedicação à causa que defendem, que é a causa da emancipação humana”.

Para proteger os denunciantes, Machado não revelava o nome das pessoas que lhe escreveram as cartas.

Inicialmente, o poder público buscou revolver a questão dos trabalhadores recorrendo a paliativos. Uma das medidas foi construir casas populares e vilas operárias. Outra foi criar as feiras livres de rua, onde o operariado passou a comprar alimentos mais baratos do que nas mercearias.

Os parlamentares que defendiam o operariado acabavam ganhando adjetivos indesejados. O senador Cunha Pedrosa foi chamado de “socialista” depois de apresentar um projeto que concedia aposentadoria aos funcionários com mais de 60 anos que ficassem inválidos no trabalho. A proposta foi rejeitada.

O senador Irineu Machado, por sua vez, foi chamado de “soviético” quando redigiu um projeto que proibia o aumento abusivo dos aluguéis residenciais. Ele se defendeu:

— Essa medida foi exatamente feita para evitar que o sacrifício excessivo das massas populares viesse provocar uma reação fatal e certa, viesse provocar explosões.

Sob o argumento de que era uma interferência indevida na propriedade privada, essa proposta também foi rejeitada.

Os senadores Adolfo Gordo (SP) e Irineu Machado (DF) (Centro de Memória/Unicamp e Biblioteca Nacional)

Quando o feriado de 1º de maio foi instituído, basicamente só havia duas leis que regulamentavam o mundo do trabalho no Brasil. Uma, de 1923, previa aposentadoria apenas para os funcionários das ferrovias. A outra, de 1919, garantia aos operários em geral uma indenização paga pelo patrão caso se acidentassem no serviço.

Os papéis históricos do Arquivo do Senado indicam que os empresários fizeram lobby para que o Congresso Nacional afrouxasse a lei dos acidentes de trabalho. Numa carta enviada a Adolfo Gordo, um grupo de industriais pediu que a expressão “acidentes no trabalho” fosse substituída por “perturbação funcional produzida pelo exercício do trabalho ou em consequência do mesmo exercício”. O senador discordou:

— Os comentadores franceses qualificam acidente no trabalho não só o que é ocorrido como consequência direta do exercício do trabalho, como todo aquele que é ocorrido durante o trabalho, tendo com este um laço de conexidade. Têm direito à indenização, portanto, o operário ferido quando auxiliava os camaradas de um ateliê vizinho, o operário atacado por grevistas nas imediações de seu estabelecimento de trabalho, o ferido em um acidente de tramway [bonde] tomado por ele em obediência a ordens do seu patrão e em desempenho de uma comissão etc. etc.

Os empresários sugeriram que a indenização não fosse paga se os herdeiros do trabalhador morto vivessem no exterior.

 — Desde que um operário vítima de um acidente tem direito a uma indenização em virtude de lei e a importância entra em seu patrimônio, não pode o Congresso determinar a que herdeiros deve passar tal patrimônio no caso de morte da vítima — argumentou Adolfo Gordo. — Demais, como disse o relator do projeto na Câmara dos Deputados, “semelhante exclusão não consulta o interesse do operário nacional, uma vez que ela pode constituir motivo de preferência para a admissão do operário estrangeiro”.

O senador também discordou da sugestão de que a indenização não fosse concedida caso o operário se acidentasse por descumprir as medidas de segurança estabelecidas pelo patrão:

— É evidente que isso não pode ser aceito. O patrão cria o risco, cumpre-lhe repará-lo.

Os industriais ainda pediram que a lei de 1919 fosse mudada para que só houvesse a obrigatoriedade de processo judicial se o trabalhador denunciasse o acidente. Para Gordo, isso abriria espaço para a impunidade dos patrões:

— Suponhamos que em uma fábrica estão colocados operários adultos e seus filhos menores, e um destes, criança ainda, deixa, na engrenagem das máquinas em que trabalha, uma de suas mãozinhas, um pedaço de seu corpo juvenil, cuja falta pelo resto de sua vida é incalculável. O patrão, sabendo que só haverá intervenção judicial se o operário reclamar, exercerá sobre este e seu pai, fracos e impotentes, toda a pressão para que se calem, afastando assim a assistência do Ministério Público, bem como a tutela e o amparo da lei. Diante da perspectiva dos transtornos que uma demissão súbita de todos os membros da família lhes acarretaria, o operário menor e seu pai serão obrigados a submeter-se à prepotência do patrão.

Nenhuma dessas mudanças reclamadas pelos empresários foi aprovada.

Trecho de discurso lido pelo senador Adolfo Gordo em 1924 mostra abuso cometido em fábricas de São Paulo (Arquivo do Senado)

De acordo com a historiadora Isabel Bilhão, que é professora da Universidade Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e integrante da diretoria da Associação Nacional de História do Trabalho, as leis trabalhistas surgiram no Brasil uma após a outra, a começar por aquela dos acidentes de trabalho, em resposta a diferentes pressões, entre as quais o “perigo vermelho”:

— A vitória da Revolução Russa, em 1917, com o estabelecimento da União Soviética e um novo regime social, econômico e político, acendeu a luz de alerta no mundo ocidental, que se viu forçado a discutir os problemas sociais e fazer concessões à parcela mais pobre da sociedade, de modo a evitar que revoluções comunistas também explodissem em outros países. A questão operária não podia mais ser ignorada.

Na assinatura do Tratado de Versalhes, de 1919, em que se selou a paz após a Primeira Guerra, diversos governos, inclusive o do Brasil, se comprometeram a enfim criar leis de proteção ao trabalhador. No mesmo ano, fundou-se a Organização Internacional do Trabalho (OIT), vinculada na época à Liga das Nações e hoje à Organização das Nações Unidas (ONU).

Especificamente no Brasil, segundo a historiadora, o movimento operário atraía cada vez mais militantes — representando uma ameaça ao status quo — porque a República, implantada em 1889, não cumprira a promessa de inclusão social:

— A Primeira República, pelo contrário, foi extremamente elitista e excludente. Os trabalhadores pobres em geral não tinham direito de votar nem ser votados, ou por serem analfabetos, ou por serem estrangeiros. Um forma que encontraram de participar da vida política e ser ouvidos foi militando nos sindicatos, protestando e participando de greves. Outra forma, nas brechas da arena política, foi apoiando a candidatura de políticos simpáticos à causa operária, como o senador Irineu Machado e os deputados Eloy Chaves [SP] e Maurício de Lacerda [RJ].

Isabel Bilhão explica que até mesmo países onde eram remotas as chances de uma revolução comunista prosperar decidiram instituir direitos trabalhistas:

— O sistema capitalista se deu conta de que tanta brutalidade nas relações de trabalho estimulava as revoltas e as convulsões sociais, mesmo que elas não tivessem cunho marxista-leninista, e prejudicava o seu próprio desenvolvimento. Foi uma estratégia de sobrevivência e de renovação que o capitalismo adotou.

Funcionários da Chevrolet em São Paulo na década de 1920 (Divulgação)

Quando a década de 1920 chegou ao fim, o movimento anarquista estava praticamente extinto no Brasil. Primeiro, porque grande parte desses militantes foi presa, deportada ou morta pelo governo Arthur Bernardes. Depois, porque a vitória da Revolução Russa tornou o comunismo mais promissor que o anarquismo. No Brasil, o Partido Comunista foi fundado em 1922.

Novos direitos trabalhistas viriam ainda nos anos 1920 no Brasil, como a extensão da aposentadoria a outras categorias profissionais (além dos ferroviários), as férias remuneradas e a regulamentação do trabalho dos menores.

O feriado do Dia do Trabalhador continuaria domesticado, esvaziado de conteúdo reivindicatório. Em 1930, logo após tomar o poder, Getúlio Vargas baixou um decreto em que o 1º de maio passou a ser dedicado apenas à “confraternidade universal das classes operárias”. A referência aos “mártires do trabalho”, mortos em Chicago por protestar, foi suprimida sem nenhuma explicação.

Na ditadura do Estado Novo, em que as greves não eram permitidas, Vargas passou a usar o 1º de maio para anunciar os reajustes anuais do salário mínimo. E foi em 1º de maio de 1943 que ele assinou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que compilou a legislação trabalhista.

Outro sinal da domesticação é o nome oficial do feriado no Brasil, dado posteriormente e mantido até hoje: Dia do Trabalho, que não remete diretamente à situação dos trabalhadores.

Fotos do líder anarquista Edgard Leuenroth tiradas em delegacia de São Paulo em 1917 (Reprodução/Wikipedia)

A historiadora Isabel Bilhão acredita que a criminalização do movimento operário como política de Estado nas primeiras décadas da República tem reflexos ainda hoje no Brasil, o que explicaria o fato de uma parte da sociedade não ver com bons olhos o movimento sindical e as greves. A imagem negativa foi reforçada nas ditaduras do Estado Novo e militar, quando o sindicalismo esteve amordaçado e as tentativas de politizá-lo foram reprimidas.

Na visão dela, é importante que o Brasil de hoje conheça a história do trabalho no país — incluindo a oficialização, há cem anos, do Dia do Trabalhador:

— Quando conhecemos essa história, entendemos que, ao contrário do que diz o discurso oficial, os direitos trabalhistas não caíram do céu, não foram uma dádiva de Vargas. Vieram depois de uma longa luta, de muito esforço, à custa da prisão e da morte de muitas pessoas. São fruto de uma construção. Da mesma forma que foram construídos, podem também ser descontruídos. Quando ignoramos a história, não valorizamos os direitos trabalhistas e corremos o risco de perdê-los. Podemos acabar acreditando naquele velho discurso de que há direitos em excesso impedindo o desenvolvimento econômico do Brasil.


Reportagem: Ricardo Westin
Edição de texto: Valter Gonçalves Jr.
Pesquisa histórica: Alexandre Alves de Sousa Moreira, Elisângela Barros da Conceição, Ellen Jennifer Rodrigues Cezar, Jorge Bitar e Nathalia Pucci, do Arquivo do Senado
Pesquisa e edição de fotos e multimídia: Bernardo Ururahy
Foto de capa: Pintura Operários (1933), de Tarsila do Amaral (Reprodução/Governo de São Paulo)

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)