Ir para conteúdo principal

Junho Verde emite alerta de perigo ambiental

Dante Accioly
Publicado em 26/6/2019
Edição 681
Meio ambiente

Selo_Junho_VerdeA carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Manoel I de Portugal oferece pistas seguras de como o meio ambiente seria tratado durante os séculos seguintes nas terras recém descobertas por Pedro Álvares Cabral. Caminha descreve a Ilha de Vera Cruz como uma área repleta de “papagaios vermelhos, grandes e formosos” e “muito cheia de grandes arvoredos” — paisagem que começou a ser degradada ainda nos primeiros dias de ocupação. Aves nativas foram trocadas “por coisinhas de pouco valor”, enquanto os portugueses, com “ferramentas de ferro” a tiracolo, andavam “nessa mata a cortar lenha”. Não por acaso, a missiva com a “nova do achamento” partiu de Porto Seguro para Lisboa em uma nau atulhada de pássaros e toras de madeira tupiniquins.

Mais de 500 anos depois, o país depara com as consequências ambientais dos sucessivos ciclos econômicos. A exploração de pau-brasil e outras madeiras; a mineração do ouro; o cultivo de cana-de-açúcar e soja; e a criação de gado deixaram para trás um cenário de terra arrasada: espécies extintas, rios contaminados, biomas semidestruídos. Nas últimas três décadas, a sociedade brasileira — muitas vezes constrangida pela comunidade internacional — tentou reverter esse passivo. A Constituição de 1988, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e o Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651, de 2012) contribuíram para reduzir em 72% a taxa de desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2018.

Mas o esforço recente pode estar em risco. No dia 6 de junho, especialistas e parlamentares ocuparam o Plenário do Senado em uma sessão especial para celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente. Em quase todos os discursos, uma preocupação recorrente: a política ambiental brasileira dá sinais claros de colapso, com desdobramentos imediatos e potencialmente desastrosos. O mais recente deles foi divulgado em abril pelo Global Forest Watch, um aplicativo em tempo real que monitora florestas ao redor do mundo. O relatório indica que o Brasil foi o país que mais perdeu árvores em 2018: 1,3 milhão de hectares de florestas primárias devastadas — mais de duas vezes a área do Distrito Federal.

Exploração ilegal de madeira na terra Indígena Pirititi, em Roraima, é localizada por satélite e confirmada em sobrevoo de helicóptero pelo Ibama (foto: Felipe Werneck/Ibama)

Localizada por satélite, exploração ilegal de madeira na terra Indígena Pirititi, em Roraima, é confirmada em sobrevoo pelo Ibama (Foto: Felipe Werneck/Ibama)

Os primeiros indícios de crise na política ambiental surgiram ainda em 2013. Naquele ano, a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 28,8% em relação ao período anterior. Mas, segundo ambientalistas, foram as medidas anunciadas pelo Poder Executivo a partir de janeiro deste ano que evidenciaram o que chamam de "desmonte do setor". Entre essas ações, os especialistas destacam a possibilidade de revisão de unidades de conservação; a redução de multas por desmatamento aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); a substituição de técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por policiais militares; e a intenção apregoada pelo governo federal de destinar parte do Fundo Amazônia para pagar indenizações a proprietários rurais.

— Não temos muito a comemorar. Nos últimos dias, não vimos nenhuma ação mais direta em relação à proteção da biodiversidade, da Amazônia ou dos rios responsáveis por irrigar as nossas lavouras. Lá atrás, quando houve a possibilidade de não termos mais o Ministério do Meio Ambiente, já foi um sinal do que a gente poderia ter pela frente em relação à questão ambiental — lamentou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que presidiu a sessão especial.

O presidente Jair Bolsonaro recuou do propósito inicial de erradicar da Esplanada a pasta do Meio Ambiente. Mas nos primeiros dias de mandato adotou duas medidas, que, segundo os ambientalistas, apontam para uma inequívoca ruptura de modelo. No que seria uma sinalização para o público interno, extinguiu a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas. Em um gesto para o exterior, anunciou que o país não mais sediaria a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP25. Considerado o maior evento voltado a enfrentar o aquecimento global, o encontro foi transferido para o Chile.

O secretário-geral do Observatório do Clima, Carlos Rittl, criticou a decisão do Brasil. Para ele, o país “vive tempos de obscurantismo e negacionismo”.

— Algumas das mais altas autoridades do governo federal desmontam deliberadamente um legado de 30 anos de governança ambiental, construído com imensa contribuição do Parlamento brasileiro. Ao fazerem isso, não apenas rompem os laços de solidariedade com a comunidade internacional. Muito pior: expõem a população e a economia brasileira a riscos bastante tangíveis. Mudanças climáticas são reais e causam impactos: o país sofreu prejuízos de R$ 278 bilhões em função de eventos climáticos extremos nos últimos dez anos — lembrou Rittl.

Líder indígena Kretan Kaigangessão discursa na sessão especial do Dia Mundial do Meio Ambiente. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Líder indígena Kretan Kaigange discursa na sessão especial do Dia Mundial do Meio Ambiente (foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, esteve na sessão especial do Senado. Em um discurso de 16 minutos, rebateu as críticas de ambientalistas. Disse que o governo federal “não nega a existência de mudanças climáticas” e que “manteve inalteradas todas as políticas assumidas, inclusive por gestões anteriores” — embora “a forma de fazer” seja “muitas vezes diferente”.

Ricardo Salles negou que tenha a “intenção de extinguir unidades de conservação”. Mas admitiu que o Poder Executivo pretende fazer “uma análise dos processos de criação” de cada área, inclusive com a possibilidade de “alteração de perímetro” ou “mudanças de categoria”. Antes de abandonar o Plenário sob a vaia de ambientalistas e o protesto de parlamentares, Salles classificou como “absolutamente inverídica” a acusação de ter provocado o sucateamento de órgãos como Ibama e ICMBio.

— O desmonte foi herdado de gestões anteriores. Quem recebeu a fragilidade orçamentária fui eu. Quem recebeu um deficit gigantesco de funcionários fui eu. Quem recebeu frotas sucateadas e prédios abandonados fui eu. Portanto, se houve desmonte, desmonte houve antes. Agora há uma tentativa de, através de uma boa gestão e investimentos mais eficientes, reverter esse quadro para que possa cumprir o seu papel — afirmou o ministro.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou a participação de Ricardo Salles na sessão especial como “uma indignidade misturada com covardia”.

— Nunca a verdade foi tão violentada neste Plenário como no dia de hoje. Nunca vi tanto ato de covardia nesta tribuna como no dia de hoje. O ministro teria feito melhor se nem aqui tivesse comparecido. Para vomitar mentiras e sair fugidio, covardemente, era melhor não ter vindo — reclamou.

Protestos marcaram a sessão em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente

Junho Verde

A sessão para celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente faz parte de um calendário de atividades impulsionadas pelo Senado durante todo este mês. A campanha Junho Verde tem como meta promover a conscientização e o diálogo para fortalecer a pauta ambiental. Além de seis audiências públicas na Comissão de Meio Ambiente (CMA), a iniciativa prevê o uso de luzes verdes para iluminar a cúpula da Casa.

— Preservar toda a riqueza natural é essencial para o desenvolvimento do Brasil e para a qualidade de vida da população. Só somos uma potência agrícola mundial porque somos uma potência hídrica. Se não tivermos essa consciência, podemos acabar destruindo nossa “galinha dos ovos de ouro” — argumentou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), presidente da CMA.

Em uma das audiências realizadas pela comissão, foi abordada a situação dos biomas brasileiros. A Mata Atlântica — que recebeu as caravelas de Cabral — foi o primeiro ecossistema a amargar a devastação levada a cabo em nome do desenvolvimento. A cobertura original de 1,3 milhão de quilômetros quadrados (km²) sofreu as primeiras baixas ainda no século 16 com a extração do pau-brasil. Depois vieram a cana-de-açúcar, a monocultura do café, a derrubada de árvores para a indústria de papel e a recente expansão urbana. O bioma hoje se restringe a 12,4% da área inicial. Se considerados apenas os maciços florestais acima de 100 hectares — representativos para a conservação da biodiversidade — são apenas 8,5%.

A boa notícia no meio de tanta voracidade é que o desmatamento da Mata Atlântica vem caindo ano a ano. A derrubada que alcançou a dimensão atordoante de 536 mil hectares entre 1985 e 1990 (uma média de 89 mil hectares por ano) caiu para 11 mil hectares em 2018. Réstia de esperança para um bioma que abrange sete bacias hidrográficas e abriga 15,7 mil espécies de plantas, 992 de aves e 200 de répteis. Para a diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, ainda é cedo para comemorar:

— Tivemos uma queda de 9,3% de desflorestamento comparado com o período anterior. Mas ainda temos cinco estados bastante críticos. Minas Gerais, principalmente na região do Vale do Jequitinhonha, foi o campeão de desmatamento. No Piauí, temos encraves próximos à capital e no Sudoeste onde há alguns anos acompanhamos a supressão de florestas. O Paraná é o terceiro alerta, especialmente na região das araucárias. Na Bahia, tivemos uma alteração especialmente na região sul. Em Santa Catarina, também observamos vários trechos — alerta.

Supressão irregular de áreas do bioma Mata Atlântica na região de Teófilo Otoni (Foto: Wellington Pedro/Imprensa MG)

Supressão irregular de áreas do bioma Mata Atlântica na região de Teófilo Otoni (foto: Wellington Pedro/Imprensa MG)

A Amazônia — signo internacional de biodiversidade — perdeu 360 mil km² de vegetação nativa entre 1967 e 1987, ano em que foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte e o país começou a se distanciar do esforço de ocupação do território adotado pelo regime militar. A abordagem daquele período apostou na abertura de estradas e no incentivo à colonização.

Mas nem a Constituição de 1988 e seus desdobramentos jurídicos foram capazes de estancar o desmatamento da Amazônia. De 1988 a 2017, foram ceifados mais 436 mil km² de florestas. Ainda assim, apesar de todas as investidas antrópicas, o bioma perdeu “apenas” 19,3% da cobertura original. A situação é proporcionalmente mais dramática em quase todos os outros ecossistemas: a Mata Atlântica perdeu 87,6%; o Pampa, 53,9%; o Cerrado, 48,2%; e a Caatinga, 45,9%. O Pantanal teve 15,2% de áreas removidas.

O biólogo João Paulo Capobianco acredita que a melhor estratégia para a preservação desses biomas é a criação de novas unidades de conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) — tratado internacional assinado pelo Brasil e em vigor desde 1993 — recomenda a proteção de pelo menos 10% de cada ecossistema. A Amazônia supera a média preconizada pela CDB, com 23% do território resguardado em unidades de conservação. Mas a realidade é crítica no restante do país: o Cerrado tem 3,2%; o Pantanal, 2,9%; a Mata Atlântica, 2,8%; a Caatinga, 1,9%; e o Pampa, apenas 0,7%. O deficit nesses cinco biomas supera os 313 mil km² — uma área do tamanho da Polônia.

— Todos os nossos biomas estão severamente degradados. A gente fica achando que a Amazônia é que desmata e que no resto não acontece nada. Mas, na verdade, proporcionalmente, os outros biomas têm desmatamentos tão significativos ou até maiores. Apesar disso, estamos assistindo a algo que nos apavora, que são as iniciativas oficialmente declaradas de revisão, cancelamento e paralisação de todos os processos de criação de novas unidades de conservação — adverte Capobianco.

Preservação e desenvolvimento

O Cerrado é o segundo maior bioma em extensão, atrás apenas da Amazônia. São mais de 200 milhões de hectares, distribuídos por 11 estados. A área concentra 30% da biodiversidade nacional e abriga oito bacias hidrográficas: 40% da água doce do Brasil brota dali. Mas o ecossistema convive com o risco, por concentrar 51,9% da área usada para a plantação de soja no país e servir de pasto para 46% do rebanho brasileiro. Para a coordenadora do Programa de Ciências da WWF, Mariana Napolitano e Ferreira, é preciso “orientar a produção” dessas commodities para garantir a preservação.

— Você consegue atender a toda demanda global de soja e carne até 2050 sem derrubar mais um hectare de Cerrado. E isso dá para fazer. Como? Olhando onde produzir nas áreas degradadas e aumentando um pouco a efetividade das áreas de pastagem, melhorando o planejamento do uso da terra. Sabendo onde produzir, onde conservar e onde está o potencial de cada pedacinho do Cerrado, a gente aumenta a proteção — explicou.

Algumas experiências nesse sentido já estão em andamento. Uma das alternativas é a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), uma estratégia de produção sustentável implantada em 11,5 milhões de hectares espalhados nas cinco regiões do país. A técnica prevê a diversificação e a associação de diferentes sistemas produtivos (agrícolas, pecuários e florestais) em uma mesma área.

No município de Ipameri (GO), a fazenda Santa Brígida é uma das vitrines da ILPF. Desde 2006, a propriedade recebe orientação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para tentar recuperar pastagens degradadas. O agrônomo Roberto José de Freitas é o responsável pela integração dos sistemas produtivos na fazenda. Ele explica que o objetivo inicial era tão somente garantir a fertilização do solo a partir da alternância das culturas de milho, soja e pasto, associada ao plantio de eucaliptos. Mas o resultado superou as expectativas: antes do ILPF, cada hectare da Santa Brígida produzia 2,5 arrobas de carne bovina, cerca de 36 quilos. Dez anos depois, cada hectare entrega 25 arrobas — dez vezes mais.

— No verão, tudo é grão. No inverno, tudo é ocupado com pastagens. Há um sistema de produção o ano inteiro, e essa pastagem vai melhorar o sistema para o próximo ciclo agrícola. Há um crescimento constante da produtividade. O modelo que estamos apresentando não ocupa sistemas naturais. Está substituindo pastagens degradadas. O objetivo, que era só recuperar pastos sem gastar dinheiro, passou a ser o ganho de produtividade por meio da sinergia lavoura e pecuária, a conservação de água, a melhoria do perfil de solo, a produção de alimentos e a redução de efeito estufa — explica Freitas.

A Fazenda Santa Brígida é um exemplo de sucesso através do uso intensivo da Integração Lavoura-Pecuária (iLP) e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) (foto: Liliane Castelões/ Embrapa)

A Fazenda Santa Brígida é um exemplo de sucesso através do uso intensivo da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) (foto: Liliane Castelões/Embrapa)

O experimento da fazenda Santa Brígida é um exemplo do chamado “lucro verde”, conceito que busca aliar três forças geralmente tidas como inconciliáveis: o crescimento econômico, a justiça social e a preservação do ecossistema. A ideia é que empresas ambientalmente responsáveis podem se tornar mais competitivas — e lucrativas — do que a concorrência.

A companhia de cosméticos Natura é tida como referência na integração entre desenvolvimento e sustentabilidade. Há 50 anos no mercado, ela está presente em nove países e, no quarto trimestre do ano passado, registrou ganhos de R$ 381,7 milhões. Tudo isso sem descuidar de medidas para o aumento do “lucro verde”. Entre elas, a atenção com a origem da matéria-prima; a proibição de testes em animais; o uso de embalagens ecológicas; e o desenvolvimento de fórmulas sem componentes petrolíferos.

A gerente de sustentabilidade da Natura, Luciana Villa Nova, explica que outra preocupação da empresa é compensar o lançamento de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera: cerca de 300 mil toneladas de gás carbônico equivalente por ano. Sem a devida compensação, essas emissões poderiam contribuir para elevar a temperatura da superfície terrestre e causar mudanças climáticas como chuvas intensas, secas e ondas de frio e calor.

— São mais de 30 projetos de reflorestamento ou mudança de matriz energética no Brasil e na América Latina, principalmente na região amazônica. Isso pode inclusive levar renda às famílias. Um projeto que a gente faz há dois anos no Acre é a compra de crédito de carbono de pequenos produtores rurais. Por 25 anos, eles assumem o compromisso de manter a floresta intacta e recebem uma renda por isso. A gente pode trazer a conservação como princípio de exploração econômica, mas ao mesmo tempo de preservação ambiental — afirma.

No projeto Carbono Circular a Natura remunera pequenos agricultores pelo serviço de conservação ambiental (Foto: Divulgação/ Natura)

As emissões brutas de GEE no Brasil saltaram de 1,72 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e) em 1990 para 2,27 GtCO2e em 2016 — um crescimento de 32%. A atividade agropecuária é apontada como a principal fonte de emissões — 74% do total.

Em 2018, o governo federal anunciou que o país deve cumprir a meta firmada no âmbito do Acordo de Paris para reduzir as emissões em 37% até 2025. Mas, segundo o Observatório do Clima, um alvo incluído na Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187, de 2009) não será atingido: caso as emissões brutas permaneçam no patamar verificado entre 2010 e 2016, o país deve chegar a 2020 com lançamentos de 2,395 GtCO2e — ante a meta de 2,067 GtCO2e.

Fontes renováveis

Os GEE têm uma relação direta com a matriz energética adotada em cada país. No Brasil, 44% de toda a energia produzida provém de fontes consideradas renováveis. No resto do mundo, essa proporção é de apenas 14%. Resultado: enquanto nos Estados Unidos a taxa de emissão em 2015 foi de 15,5 toneladas de CO2e por habitante, no Brasil foram lançadas na atmosfera 2,2 toneladas per capita. Ainda assim, o país é o sétimo maior emissor de gases estufa no planeta — depois de China, Estados Unidos, União Europeia, Índia, Indonésia e Rússia.

No setor específico da energia elétrica, o país tem uma das matrizes menos poluentes. Uma rede formada por mais de 800 centrais e usinas hidrelétricas responde por 65,2% da oferta, seguida de gás natural (10,5%); biomassa (8,2%); eólica (6,8%); carvão (4,1%); nuclear (2,5%), derivados de petróleo (2,5%); e solar (0,1%). Apesar de 80,2% da eletricidade advir de alternativas de baixo carbono, os números do Ministério de Minas e Energia demonstram que o Brasil ainda engatinha no uso de matrizes limpas e abundantes como o Sol.

A empresa Sunew, que desenvolve painéis de filmes fotovoltaicos orgânicos em Minas Gerais, comparou o potencial de quatro países para a geração de energia solar. Levando em conta critérios como incidência de luz e tamanho do território, o estudo aponta que o Brasil não aproveita a evidente vantagem que tem sobre nações com condições menos favoráveis. Apesar de responder por 38% do potencial de geração quando confrontado com Estados Unidos (34%), China (27%) e Japão (1%), o Brasil tem capacidade instalada praticamente nula frente a chineses (56%), americanos (23%) e japoneses (21%).

Para o engenheiro Tiago Alves, diretor executivo da Sunew, a necessidade de transição de combustíveis fósseis para energias renováveis é uma “verdade científica”. Ele destaca que algumas das empresas mais influentes do mundo — como Apple, Microsoft, Google, Coca-Cola, Facebook e Nestlé — assumiram o compromisso de adotar exclusivamente fontes renováveis de energia até 2050.

— Nenhuma dessas empresas é boba. Elas almejam lucro, mas também almejam fazer o que é certo. Se a gente continuar emitindo gases de efeito estufa, vai ter mais uns 15 anos de vida como planeta. O lucro é indissociável da boa prática social e ambiental. É até possível ter lucro no curto prazo sem uma boa prática. Mas, no longo prazo, essa é a única forma. A sustentabilidade é um pilar da lucratividade — argumenta.

O painel fotovoltaico orgânico, ou OPV, da sigla em inglês, é um painel solar leve, flexível (Foto: Paulo Cunha/Outra Visao)

Lucro e gestão sustentável têm andado em descompasso desde o descobrimento. Das “águas infindas” descritas por Pero Vaz de Caminha, restam apenas 24% dos reservatórios urbanos em boas condições para o consumo. Do “arvoredo basto” da Ilha de Vera Cruz, 2.113 plantas correm o risco de desaparecer. Das “muitas aves” avistadas pelos portugueses, 1.173 espécies da fauna estão ameaçadas e 8 já são consideradas extintas.

Apesar do cenário catastrófico, ainda há tempo para mudança. Como Caminha também previu na carta ao rei Manoel I, esta terra “em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”. A questão é que agora não basta “querer”. Tem que “saber” aproveitar.

Proteção para animais é urgente e pode custar menos do que se pensa ›


Falta de saneamento degrada o meio ambiente

Nelson Oliveira

A questão ambiental não envolve apenas os efeitos da extração de matérias primas, cultivos e criações, mas cada vez mais o que fazer com os resíduos de uma sociedade que produz lixo e esgoto em abundância. As graves lacunas no saneamento básico, que já têm suas consequências danosas no campo da saúde, exercem um papel destrutivo na qualidade das águas e do solo, afetam as espécies animais e vegetais e pressionam igualmente a emissão de gases, principalmente o metano desprendido de resíduos sólidos.

Em 2017, o Brasil gerou quase 215 mil toneladas de lixo por dia, o equivalente a 1,03 kg por habitante/dia. Embora apenas 9% desse volume não sejam coletados, o país ainda não conta com um sistema de reciclagem e de aterros sanitários capaz de neutralizar o impacto dessa montanha de resíduos. Visto isoladamente, o percentual de municípios que têm iniciativas de coleta seletiva é animador. Mas o volume descartado em quase 80 lixões e outras modalidades poluentes mantém um cenário de degradação ambiental que o país levará tempo para corrigir. Recentemente os municípios ganharam mais um prazo para cumprir a Lei 12.305/2010, que define os termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), “desde a promulgação da lei 12.305, os gestores municipais enfrentam dificuldades técnicas, financeiras e operacionais para cumprir integralmente com as metas da PNRS”. Estima-se que para dotar o país de aterros sanitários adequados seriam necessários investimentos da ordem de R$ 30 bilhões.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelp), cerca de 42,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, ou 59,1% do coletado, foram depositados em aterros sanitários em 2017. O restante, que corresponde a 40,9% dos resíduos coletados, foi despejado em locais inadequados por 3.352 municípios brasileiros, totalizando mais 29 milhões de toneladas de resíduos em lixões ou aterros controlados. Estes últimos, apesar do nome, “não possuem o conjunto de sistemas e medidas necessários para proteção do meio ambiente contra danos e degradações, com danos diretos à saúde de milhões de pessoas”.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento e do Instituto Trata Brasil dão conta de que apenas 41,5% dos municípios brasileiros têm planos de saneamento básico. Cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esgoto e 3,1% das crianças e adolescentes não têm sequer vaso sanitário em casa.


Proposições alteram legislação ambiental

Dante Accioly

O Senado analisa quase uma centena de projetos e propostas de emenda à Constituição que sugerem mudanças na legislação ambiental. Algumas matérias pretendem tornar ainda mais severas as regras para a proteção do ecossistema. Outras tentam flexibilizar as normas e estimular o desenvolvimento econômico.

A PEC 92/2015 inclui parâmetros socioambientais no Sistema Tributário Nacional. O texto prevê, por exemplo, imunidade tributária para serviços considerados ecologicamente corretos e uso de critérios ambientais para a repartição de receitas tributárias. A matéria tem como primeiro signatário o senador Roberto Rocha (PSDB-MA). “Urge promover no Brasil uma reforma tributária ambiental, voltada não apenas à redução de emissão de gases poluentes, mas também à preservação da biodiversidade, à proteção dos cursos hídricos e à cultura da reciclagem”, argumenta. A matéria aguarda a designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O senador Telmário Mota (Pros-RR) apresentou um projeto (PL 875/2019) que prevê a conversão de multas por infrações ambientais em programas para a recuperação do ecossistema. Ele destaca que, entre 2011 e 2016, menos de 3% das multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foram pagas. “Cerca de R$ 4,6 bilhões poderiam ser convertidos em projetos ambientais por meio da conversão de multas”, afirma. O texto aguarda relatório do senador Jayme Campos (DEM-MT) na Comissão Diretora do Senado.

O PL 1.304/2019, da senadora Zenaide Maia (Pros-RN), endurece as penas para os crimes contra o ecossistema e prevê o repasse das multas para o Fundo Nacional de Meio Ambiente. Ela sugere, por exemplo, a possibilidade de que diretores, administradores, auditores, gerentes ou prepostos de empresas responsáveis por danos ambientais graves sejam punidos penalmente. “Se o objetivo da sanção penal é coibir o comportamento censurado, a mesma deve se revelar eficaz, sob pena de cair no ridículo”, explica. O texto aguarda relatório do senador Confúcio Moura (MDB-RO) na Comissão Diretora.

O PL 1.330/2019, do senador Eduardo Braga (MDB-AM), prevê o recolhimento e a substituição de sacolas plásticas que tenham como base de composição o polietileno, o propileno ou o polipropileno. Ele lembra que, a cada ano, são produzidas 17 bilhões de sacolas plásticas no Brasil, que consomem 210 mil toneladas de plástico filme. “Entupimento de bueiros, alagamentos, redução do tempo de vida de aterros, emanação de gases causadores de efeito estufa, contaminação de rios, lagos e mares... A lista de prejuízos poderia se estender muito além”, diz. A matéria aguarda a designação de relator na CCJ.

Senado discute projeto para reduzir o uso e o descarte de sacolas plásticas (Foto: EBC)

Flexibilização das normas

Os senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC) apresentaram um projeto (PL 2.362/2019) que exclui do Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651, de 2012) o capítulo sobre as reservas legais. “Não há pertinência no clamor ecológico fabricado artificialmente por europeus, norte-americanos e canadenses e imposto ao país e a seus produtores rurais, chegando a determinar, segundo interesses políticos e comerciais estrangeiros, o rumo de nossa produção, desenvolvimento e legislação ambiental”, argumentam os autores. O relator na CCJ, senador Roberto Rocha, é favorável à matéria.

O senador Marcio Bittar é autor de outro projeto (PL 1.553/2019), que prevê a criação de unidades de conservação exclusivamente por meio de lei. Atualmente, elas podem ser instituídas por decreto. “Os dados do CAR [Cadastro Ambiental Rural] mostram que 66,3% das terras do Brasil são de áreas destinadas à vegetação protegida e preservada, e apenas 30,2% são de uso agropecuário”, afirma. O texto aguarda relatório do senador Mecias de Jesus (PRB-RR) na CCJ.

O PLS 330/2016, do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), isenta pequenos imóveis rurais da obrigatoriedade de constituição de reserva legal. A regra vale apenas para propriedades com até um módulo fiscal, incluídas em novos assentamentos do Programa de Reforma Agrária. “Não faz sentido o Estado responsabilizar os pequenos produtores rurais por tamanho encargo e com restrição severa ao direito de propriedade, a ponto de torná-los reféns da impossibilidade produtiva e da digna condição de sobrevivência”, diz. A matéria aguarda o relatório da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) na Comissão de Meio Ambiente (CMA).

O projeto de decreto legislativo (PDL) 140/2018, do ex-senador José Medeiros, tenta sustar o Decreto 6.514, de 2008. O texto prevê a destruição, ainda no campo, de máquinas e equipamentos utilizados na prática de infrações ambientais. “A destruição é possível apenas como sanção administrativa e jamais como medida cautelar, por falta de previsão legal. Portanto, não há amparo legal para que os equipamentos utilizados na prática infracional sejam destruídos antes do julgamento do auto de infração”, argumenta. O texto aguarda designação de relator na CCJ.


Causo
de onça

Ana Luisa Araujo (sob supervisão) e Nelson Oliveira

Antes de passar 19 dias presa, a última coisa que a onça-pintada Luísa comeu foi uma ovelha, mas a refeição acabou lhe custando o aprisionamento em um túnel de pedra, onde foi encantoada em maio deste ano por três moradores da região rural de Sento Sé, na Bahia, próxima ao Parque Nacional do Boqueirão da Onça e ao Rio São Francisco. Depois de ser expulso do buraco pela ferocidade do animal, o grupo, acompanhado de dois cães, fechou a entrada do esconderijo com pedras e achou que o assunto estava resolvido.

Ocorre que a notícia correu naquela região da Caatinga, bioma no qual a onça-pintada está terrivelmente ameaçada. Em função da escassez de presas naturais, esses felinos podem se valer dos rebanhos para se alimentar — daí serem perseguidos. Em tese um refúgio seguro, o parque está praticamente cercado por atividades agropastoris.

Área de proteção de onças na Bahia está cercada pela exploração agrícola

A história teve um final feliz, no entanto. A bióloga Cláudia Campos, especializada no estudo e na proteção de carnívoros, soube do caso por uma moradora da região. Por duas vezes, acionou equipes de salvamento integradas por soldados, veterinários e espeleólogos (estudiosos de cavernas). Luísa, que ainda não ganhara esse nome, sobreviveu a duras penas, pois nem água tinha disponível.

Até o principal responsável pela perseguição à onça, arrependido, ajudou no arriscado resgate, que contou com bombeiros, um biólogo e dois auxiliares de campo do Programa Amigos da Onça. Recuperada, Luísa está em observação no Centro de Triagem de Animais Silvestres da Universidade Federal do Vale do São Francisco enquanto espera ser devolvida à natureza.

Talvez o maior símbolo da fauna brasileira, a onça pintada tem uma forte presença no imaginário nacional, tanto do ponto de vista negativo quanto positivo. Temida por sua força e astúcia, a onça está presente num vasto repertório de lendas e histórias, como as do Sítio do Pica-pau Amarelo, e em letras de música. Essa simbologia, capaz de superar muitas vezes as vicissitudes da vida real, autorizou o ecológico Tom Jobim a homenagear o compositor João do Vale, interpretando os versos deste último em Pé do Lajeiro. A promessa do matuto de eliminar a onça, munido de carabina, na laje de pedra onde “mora”, converte-se numa divertida narrativa da vida no sertão.

Ocorre que o passado idílico, apesar dos sustos reais de roceiros e pescadores, está superado. O extermínio de onças a bala ou por fome, tem se mostrado um sério dano aos membros da espécie e ao meio ambiente como um todo. É hora, pois, de virar a página triste desse livro.

Leia história completa do resgate de Luísa no Jornal da USP ›

Ouça Pé do Lajeiro, de João do Vale ›

Ouça Moda da Onça, Domínio Público, adaptado por Paulo Vanzolini ›


Reportagem: Dante Accioly
Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira
Coordenação e edição multimídia: Bernardo Ururahy
Editora de fotografia: Pillar Pedreira
Infografia: Bruno Bazílio
Estagiária: Ana Luisa Araujo
Foto de capa: Vinícius Mendonça/Ibama

Fotos do infográfico "Exemplos de espécies ameaçadas":
Ararinha Azul: ACTP/ICMBio
Sapo-folha: Reprodução/ todamatéria.com.br
Borboleta da praia: Notafly
Bagre-Branco: Reprodução/ portaldosanimais
Onça-Pintada: Charles J Sharp
Tartaruga-verde: Brocken Inaglory
Peixe-bruxa: Reprodução/ animais.culturamix.com
Raia-manta: jon hanson de london, UK - Flickr